Chorinho e rock'n'roll levam Brasil a Berlim

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O finlandês mais conhecido do cinema, Aki Kaurismäki, tem um irmão mais velho chamado Mika Kaurismäki, que em vez de fazer filmes gélidos como o irmão faz documentários quentes como Brasileirinho, projectado na secção paralela Forum do Festival de Berlim. Brasileirinho debruça-se sobre o universo musical do choro e, embora não seja um grande documentário, é uma peça irresistível para quem gosta de música brasileira.

O choro é o mais antigo género musical do Brasil, e aquele que ainda hoje se mantém mais próximo das suas origens, no sentido em que continua a ser uma música urbana, de rua, tocada nos botecos. Como o género é predominantemente instrumental, nunca atingiu a popularidade do samba, da bossa nova ou da MPB. Mika Kaurismäki filma músicos geniais no meio da rua, de calções e sapatilhas, a beber imperial e a comer pernas de frango.

O choro vive hoje uma segunda vida, com novos e talentosíssimos executantes. Para além de conversar com os veteranos, Brasileirinho vai atrás das novas gerações, muitas delas formadas em oficinas de choro, verdadeiras orquestras amadoras onde qualquer aspirante a músico pode participar. Sendo um retrato de um género virtuoso outra vez em ascensão, Brasileirinho é também - ou é sobretudo - um retrato do Brasil naquilo que sem dúvida ele tem de melhor uma cultura musical sem paralelo no mundo, onde o som do violão de sete cordas e do pandeiro se confunde com as pedras da calçada.

CAZUZA. Mas nem só de choro se fez a música brasileira que passou por Berlim. Trazendo atrás de si os mais de três milhões de espectadores que no ano passado alcançou no Brasil (foi o filme mais visto de 2004), Cazuza o Tempo não Pára, biopic de Sandra Werneck e Walter Carvalho sobre a grande figura do rock brasileiro dos anos 80, esteve no mercado de filmes, à procura de uma carreira internacional. Não será fácil consegui-la, mas apenas porque Cazuza é um nome desconhecido no exterior do Brasil - no que ao cinema diz respeito, não faltam méritos à abordagem artística de Sandra Werneck.

Desde logo porque se sente desde o primeiro plano que estamos realmente diante de um objecto de cinema, seja pela agilidade da câmara, seja pelos filtros da fotografia, seja pela coragem do argumento, que apresenta Cazuza como aquilo que realmente foi um animal insaciável na sua fome pela vida, experimentando tudo e de tudo abusando, com dois pais ricos e condescendentes (era filho único e o seu pai dirigia a editora Som Livre) e um imenso talento para a escrita - são dele as melhores letras da geração que inventou o BRock. Em resumo: bêbado, drogado, bissexual (mais homo que hetero) e genial. Enquanto viveu - e viveu pouco, pois morreu com apenas 32 anos -, marcou como poucos a música brasileira, primeiro nos Barão Vermelho e depois a solo, num percurso fulgurante que só encontra paralelo na carreira de Renato Russo, dos Legião Urbana. Os dois tiveram o mesmo fim: morreram com sida.

Werneck trata este material riquíssimo com grande competência, mas muito centrada na música - o que, sendo óptimo para o Brasil, dificultará a vida a quem não conhece as canções. Contudo, com canções ou sem elas, o filme conta com um trunfo fortíssimo; a interpretação de Daniel de Oliveira, no papel de Cazuza, é absolutamente notável. Ele é um Cazuza de corpo inteiro, na voz, nos tiques, na energia, e até na forma impressionante como se deixou emagrecer para interpretar o músico consumido pela doença. Na onda de filmes biográficos que têm vindo a invadir as salas de cinema, Cazuza o Tempo não Pára encontra-se sem dúvida entre os mais conseguidos.

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