Chefs lembram "irreverência" do criador da nouvelle cuisine
Era irreverente, criativo, generoso, mediático. Revolucionou a cozinha francesa e mundial e deixou uma marca profunda que a história jamais apagará. Paul Bocuse, conhecido como o "Papa da gastronomia" francesa, morreu ontem, aos 91 anos, no seu restaurante em Collonges-au-Mont-d"Or, perto de Lyon. "Foi um revolucionário e o que maior intervenção teve na cozinha mundial. Deixou marcas em toda a parte", lembra ao DN o chef português Hélio Loureiro, que esteve com Bocuse algumas vezes, em Lyon.
"Tive o privilégio de o conhecer. Era simpático, afável e tinha um sentido de humor incrível", diz Hélio Loureiro. Na cozinha, Paul Bocuse "foi muito criativo, muito inovador", tendo deixado "uma marca profunda que ainda hoje se sente". "Pegou nas receitas mais tradicionais e reformulou-as, sem medo. Deu-lhes uma nova roupagem", afirma o chef , que lembra um homem que "vivia intensamente a vida".
Começou a trabalhar aos 15 anos como ajudante de cozinha e transformou-se, como lembra Justa Nobre, "no chef mais importante na revolução da cozinha moderna e evoluída". "Mesmo os que não apreciavam a cozinha dele queriam absorver tudo o que ele tinha para ensinar. Eu sou uma cozinheira mais ponderada, com os pés na tradição, mas admirava-o por todo o trabalho que fez e pela evolução que trouxe à cozinha", diz a chef portuguesa, assumindo que "gostava muito de o ter conhecido". Justa destaca, ainda, o facto de todos os chefs terem aprendido com ele. "Fez um trabalho notável. Deixa um bom legado".
Desde 1965 que o chef, um dos criadores da "nouvelle cuisine", mantinha estrelas Michelin no restaurante L"Auberge du Pont de Collonges. Gérard Collomb, ministro francês do Interior, disse ontem que "Monsieur Paul era a França. Simplicidade e generosidade. Excelência e arte de viver".
Miguel Laffan, chef da cozinha do L"And, em Montemor-o-Novo, soube da notícia da morte de Paul Bocuse através do DN. "É uma notícia muito triste. Estou arrepiado", confessa, num telefone a partir de Luanda. "Não há ninguém que não reconheça, que não se sinta agradecido pelos seus ensinamentos, que ainda hoje são atuais. Continua a ser brilhante", frisa o chef português, acrescentando que o francês deixa "uma obra muito grande que será homenageada através de muitos cozinheiros. Será sempre lembrado".
O homem das bases
Para Rui Paula, Paul é mais do que o "papa da gastronomia francesa", como é conhecido. "Não só da gastronomia francesa. Era uma pessoa fantástica que, além de preservar o sabor tradicional, soube inovar, fazer restaurantes, partilhar os seus conhecimentos". Trata-se, por isso, de uma "referência incontornável da gastronomia".
Rui Paula destaca que o francês era "o homem das bases, das técnicas, da tradição elaborada, da criatividade. Depois vieram outras cozinhas, mas a essência é dele". Em Portugal, bem como por todo o mundo, ainda se usam as suas técnicas. "Devo-lhe muito. Uso técnicas dele em muito do que faço: nos cortes, no molho, na maneira de apresentar as coisas", diz o chef português, que acredita que a cozinha de Bocuse perdurará no tempo. "É uma comida transversal a todos os países".
Além das suas caraterísticas enquanto cozinheiro - cuja receita mais famosa é a de sopa de trufas negras -, Rui Paula destaca a forma como o chef partilhava os seus conhecimentos. "Influenciou muita gente", frisa. Em Portugal, prossegue, "temos uma culinária diversificada, mas apresentávamos mal as coisas: pratos pesados, cheios de gordura". Bocuse "não só ajudou, como registou, deixou escrito para quem quiser aprender".
Há vários anos que o Paul sofria de Parkinson. Oriundo de uma família ligada à restauração, nasceu em 1926, perto de Lyon, e abriu o primeiro restaurante em 1958, recuperando um negócio da família. A viragem na sua carreira aconteceu no início da década de 70, quando impulsionou a nouvelle cuisine, um movimento gastronómico que se carateriza por pratos simples e doses pequenas.