O chef brasileiro Alex Atala (restaurante D.O.M., duas estrelas Michelin) descreve-se como um "militante" na vontade de mostrar ao mundo a cozinha brasileira, que é "um processo" e precisa de tempo, mas, garante, "um sonho possível"..Oriundo de São Bernardo do Campo, São Paulo, Alex Atala, assistiu ao início da greve dos metalúrgicos, algo que o marcou, tal como as viagens que fez na infância com os pais pelo Brasil e em que experimentou os sabores locais.."Parte da minha da minha adolescência foi muito ligada ao punk rock e à descoberta, aquela tríade clássica, 'sexo, drogas, rock n'roll', mas também de uma revolta. Mas não é uma revolta, é mais uma revolução operária. São coisas que ficaram muito dentro de mim. Essa mesma revolução operária é a força que me faz hoje brigar pela cozinha brasileira. Não brigar, mas militar", descreveu Alex Atala, em entrevista à Lusa em Lisboa..Descreve-se como alguém "movido por desafios e um grande sentimento de indignação".."Então hoje [tenho] esta indignação, esta revolta, esta militância, esta vontade de mostrar ao mundo o que é o Brasil, e que o Brasil entenda o que é o Brasil", afirmou..Em 2003, Atala escreveu o livro Por uma Gastronomia Brasileira, em que dizia ter o sonho de "ver o produto brasileiro numa loja gourmet, e obviamente, numa loja gourmet brasileira dentro do Brasil".."Isso aconteceu, talvez não como eu gostaria, mas já existe", comentou..Vinte anos depois, afirma-se orgulhoso por ver que a nova geração de cozinheiros já dá "a mesma atenção" à cozinha brasileira que a sua geração colocava na cozinha francesa e italiana, ou a geração de 1990 ou 2000 na cozinha espanhola.."O sonho da cozinha brasileira é um sonho possível, viável. E ele não é eliminatório, ele não é porque uma cozinha entrou que a outra saiu de moda, ficou desprestigiada", defendeu.."Nós temos que usar essa força além para mostrar para o resto do mundo. Existe, sim, uma cozinha brasileira. Existem sim, produtos de alta qualidade brasileiros", sublinhou..Alex Atala tem desenvolvido um trabalho de recuperar ingredientes que foram caindo "em desuso" ou menos conhecidos do público brasileiro, como a formiga saúva da Amazónia, os cogumelos colhidos pela etnia Yanomami, a priprioca (uma erva aromática), também através do Instituto Atá, que pretende "estruturar uma cadeia de valor", criando benefícios para as comunidades produtoras..O objetivo é que "esse mercado de produtos brasileiros beneficie o pequeno produtor, [que é] o artesão da gastronomia".."É uma alavanca, não só da marca país, mas ela é, sem dúvida, uma incrementação de cultura, de identidade, de diversidade ou sócio-biodiversidade e economia"..Atala aponta que não é possível falar de uma única cozinha brasileira. "Seria ingénuo da minha parte dizer que a gastronomia portuguesa se basta em pastéis de Belém e bacalhau"..A cozinha brasileira é, para o chef brasileiro, "um processo" que precisa de tempo.."É um país de dimensão continental e precisa do ingrediente principal para que essa massa fermente. A gente não consegue acelerar um processo. Eu não consigo fazer um pão em cinco Minutos, a gente não vai conseguir fazer mudar a identidade da cozinha brasileira em 10 anos", disse, acrescentando: "É preciso uma geração, mais que uma geração, talvez".."Temos uma diversidade sócio-ambiental. Estamos a falar de diferentes culturas dentro de um Brasil: uma cultura indígena, uma cultura ribeirinha, uma cultura cabocla, uma cultura quilombola, uma cultura caipira, uma cultura urbana. Nós falamos efetivamente de sócio-biodiversidade"..Alex Atala, que já foi considerado pela revista norte-americana Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, conclui: "Não dá para botar o Brasil numa caixinha"..O chef brasileiro Alex Atala acredita que a sustentabilidade na gastronomia será um valor intrínseco à próxima geração de cozinheiros, mas defende que esta é um "compromisso diário".."Ver chefs no mundo inteiro com essa preocupação [da sustentabilidade] é a certeza de que as novas gerações vão incorporar isso e que talvez as próximas gerações não precisem de dizer: 'Eu sou sustentável'", disse Alex Atala, que já ficou em quarto lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, da revista Restaurant..O cozinheiro, que esteve em Lisboa a convite do chef Alexandre Silva, para participar num jantar de celebração do sétimo aniversário do LOCO (uma estrela Michelin), ilustrou: " Ninguém precisa de dizer: 'Eu sou honesto'. Eu preciso provar para você, para os meus clientes, para os meus fornecedores que eu sou honesto? Não. Porque é que eu tenho que provar que sou sustentável? Agora, a honestidade já vem arraigada na nossa educação e cultura de séculos. A sustentabilidade é uma coisa que está entrando agora".."Eu sonho que no futuro, os jovens chefes não tenham que dizer que são sustentáveis, é óbvio que eles vão ser sustentáveis", sublinhou..Considerado um precursor mundial no tema da sustentabilidade na gastronomia, Alex Atala afirmou que esta preocupação é um caminho: "Eu consigo dizer todos os lugares onde eu não sou sustentável. A perfeição não existe, a aproximação da perfeição é um compromisso que se leva a cada dia. Então, hoje, muito mais do que falar, 'eu sou sustentável', eu prefiro falar, 'eu não sou sustentável, estou melhorando'"..O cozinheiro sustenta que o exemplo é importante e que o mundo "precisa de pessoas que inspirem", principalmente "numa época da internet, onde tudo é muito frívolo, tudo muito instantâneo".."O primeiro compromisso de um cozinheiro é fazer delícias, e ele não deve abrir mão disso nunca. A partir do momento que ele faça delícias, talvez ele tenha reconhecimento. E se ele tiver reconhecimento e conseguir usar a voz dele em favor disso, está ótimo", defendeu o chef, que já foi considerado uma das 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista norte-americana Time..A sustentabilidade reflete-se nas "boas práticas na cozinha, seja no tratamento do ingrediente ou da sua equipa ou dos seus fornecedores", referiu..Alex Atala criou, no Brasil, o Instituto Atá, que trabalha como um "estruturador de cadeia", com o intuito de "agir em toda a cadeia de valor" e "fortalecer os territórios a partir da sua biodiversidade, agrodiversidade e sóciodiversidade".."Nós acreditamos que temos que reconectar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza. Isto é uma cadeia do alimento e ela é fracionada, principalmente dentro do Brasil", explicou..O instituto trabalha na criação de cadeias para ingredientes que Alex Atala identifica como tendo "potencial", principalmente "produtos não perecíveis e com um alto valor agregado"..São exemplos desses produtos a pimenta baniwa jiquitaia, uma pimenta com sal produzida pelas mulheres baniwa, que "faz parte da defesa a cultura feminina do roçado, um sistema agrícola indígena do Rio Negro", os cogumelos colhidos pela etnia yanomami, o mel de abelhas nativas, a baunilha do Cerrado, ou a formiga saúva da Amazónia -- que compõe um prato icónico servido no D.O.M..Alexandre Silva, que está a realizar sete jantares com chefs diferentes para assinalar o sétimo aniversário do LOCO, justificou o convite ao cozinheiro brasileiro: "O Alex Atala é uma referência em termos mundiais, com um percurso único, que faz despertar consciências. Estes são valores que defendo, que me definem enquanto pessoa e enquanto chef. Recebê-lo no LOCO é uma inspiração e um momento de partilha entre equipas e formas de olhar para o nosso trabalho dentro e fora da cozinha".