Charles sai em defesa dos irmãos Koch, cansado de ser "tubarão do capitalismo"

São a sexta e a sétima maiores fortunas do mundo e usam esse dinheiro para atacar os democratas, a quem chamam "socialistas". Mas num esforço de se dar a conhecer melhor, o mais velho almoçou com o FT e até criticou Trump
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Charles Koch respondeu ao convite do Financial Times (FT) para um almoço, destinado à célebre rubrica Lunch with the FT, com uma marcação na cantina do seu grupo empresarial, sem surpresa chamada de Café Koch. E mantendo-se fiel à rotina, o encontro com Sthepen Foley, o correspondente do jornal londrino nos EUA, foi às 11.00, logo seguido de uns minutos na fila para escolher um dos pratos a 4,99 dólares disponibilizados por um refeitório que tem fama de estar entre os melhores restaurantes de Wichita.

Quando por fim se sentaram, foi entre dentadas numa sandes de porco desfiado que Charles, um dos homens mais ricos do mundo, explicou considerar-se um defensor da liberdade contra os riscos de um governo totalitário e, apesar de o seu inimigo de sempre serem os democratas, criticou as ameaças aos muçulmanos feitas por Donald Trump, o candidato que lidera a corrida à nomeação pelos republicanos para as presidenciais de novembro. Ora aqui está um milionário no mínimo atípico, um homem de 80 anos do Kansas que, juntamente com o irmão David, controla as Indústrias Koch, cujo volume de negócios é de 115 mil milhões de dólares anuais.

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Com 42,9 mil milhões de dólares de fortuna pessoal (o mesmo que o irmão David, cinco anos mais novo), Charles surge em sexto lugar na lista da Forbes. Mas tanto como a riqueza, ganha num negócio que vai da refinação de petróleo à produção de fraldas, a fama deve-se à política, não porque tenha pensado trocar a carreira de empresário pela de congressista mas porque usa o dinheiro para influenciar as escolhas dos americanos. Como o próprio FT refere, enquadrando o almoço em que Charles não toca nas batatas fritas, "a sua rede de organizações - uma panóplia de think tanks e grupos de campanha, além dos comités de ação política - empregam 1200 pessoas em 107 escritórios a nível nacional, três vezes e meia os funcionários da Comissão Nacional Republicana". Não admira que no Partido Democrata se fale em vez de irmãos Koch antes em "irmãos Kochtopus".

Depois de ter sido libertário, Charles prefere agora ser classificado como liberal clássico, o que tem mais que ver com a Grã-Bretanha do século XIX e William Gladstone (um dos seus heróis) do que com a América de hoje, em que liberal é visto como etiqueta de esquerda, apropriada para certa elite que vota democrata na Nova Inglaterra. Resume a sua crença como sendo a defesa da liberdade de expressão e de comércio, contra os esforços de controlo feito por gente como Barack Obama, o presidente que já foi chamado de socialista pelos Koch.

O pai odiava a União Soviética

Os rivais acusam os irmãos Koch de defender os lucros das empresas quando atacam qualquer tentativa de regulação dos mercados. E as alterações climáticas costumam ser dadas como exemplo, com Charles a duvidar de que aconteçam por ação humana, o que é muito conveniente como convicção para quem faz fortuna em indústrias poluentes.

Diz-se que foi do pai, Fred, filho de um imigrante holandês, que os Koch herdaram o ódio ao Estado. Depois de ter feito negócio a construir refinarias para Estaline nos anos 1930, Fred Koch terá regressado de uma visita à União Soviética revoltado com o que viu, a ponto de ter descrito mais tarde o país "como uma terra de fome, miséria e terror". Um livro que acaba de sair, escrito por Jane Mayer, da New Yorker, revela agora que Fred Koch também terá feito negócio com Hitler, construindo uma refinaria em Hamburgo, "a terceira maior da Alemanha nazi", segundo antecipa a Vanity Fair . Os irmãos Koch recusaram falar para a autora do livro, um secretismo que envolve também o acordo feito em tribunal por Charles e David sobre a propriedade da empresa com os outros irmãos, Frederick, o mais velho (82 anos), e Bill, gémeo de David.

Ao FT Charles queixou-se de ser atacado; por isso a sua necessidade de falar: "Estamos a ser atacados pelos blogues, pelos jornais, por gente do governo, e estão a perverter totalmente o que fazemos e porquê." E chamando a si próprio "o vilão" acrescentou sentir necessidade de mostrar como é, "gostem ou não". Assim se explica as justificações por evitar batatas - não pode ganhar peso que as pernas não aguentam - ou as memórias da educação dos filhos, Elizabeth e Chase, que todas as noites ouviam cassetes sobre Aristóteles ou Milton Friedman.

Charles é engenheiro, como David, que vive em Nova Iorque. Estudou no MIT, no Massachusetts.

Pouco dado a entrevistas, escreveu já vários livros sobre gestão e o que deve ser uma sociedade liberal. Através da mulher, Liz, é também um filantropo na área das artes, faceta pouco conhecida. Consta ainda que não gosta de ver o seu nome um pouco por todo o lado em Wichita, como a Charles Koch Arena, o pavilhão da universidade (pelo contrário, David não terá esse embaraço, segundo uma reportagem do Le Monde feita em 2014).

"Desde a adolescência, estamos preocupados em ver o governo evoluir para um tipo de governo socialista e dominador", declarou um dia David ao jornal Wichita Eagle.

Financiadores do Tea Party

Para combater a ameaça "socialista", em 2010 os Koch, cujo pai tinha fundado a John Birch Society, financiaram generosamente o Tea Party, a ala libertária (na verdade reacionária) do Partido Republicano. Em 2012, fizeram tudo para impedir a reeleição de Obama. Agora, neste ano, sentem-se um pouco desorientados com o fenómeno Trump, um magnata pobre, quando comparado com os irmãos Koch, mas com apelo no eleitorado republicano. Sobre Trump e os muçulmanos, Charles não hesitou em criticar a retórica anti-islâmica, pois, salientou, com 1600 milhões no mundo, "que vamos fazer: bombardear cada país?"

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Nas últimas eleições, as intercalares de 2014, os Koch conseguiram passar um anúncio de autopromoção durante o 'Daily Show' de Jon Stewart, seu crítico. Não esperaram muito pela resposta. O humorista fez um contra-anúncio dedicado aos magnatas do Kansas: "Nós somos os Koch, os tubarões do capitalismo influenciando o processo democrático desde os anos 1980."

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