Chalana, o pequeno génio que fez da finta uma arte

Um dos maiores ídolos do Benfica e do futebol nacional partiu aos 63 anos. As grandes exibições no Europeu de 1984, fez com que se transferisse para o Bordéus, onde as lesões impediram que continuasse a espalhar magia.
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Nasceu e partiu num dia 10. Fernando Albino de Sousa Chalana vai ficar para sempre ligado ao número das grandes estrelas do futebol. Esta quarta-feira, o anúncio da sua morte aos 63 anos deixou órfã a geração que, nos anos de 1970 e 1980, enchia os estádios só para ver jogar aquele a quem apelidaram de Pequeno Genial.

Génio é, provavelmente, o melhor adjetivo para definir Chalana, que, com apenas 1,65 metros de altura, fazia da finta uma arte, que lhe permitia deixar os seus adversários pelo chão cada vez que arrancava. "Deem a bola ao menino, que o menino resolve", dizia tantas vezes Toni, enquanto capitão, aos colegas do Benfica quando as coisas estavam mais complicadas. O menino estava a dar os primeiros passos na Luz - estreou-se com 17 anos e 25 dias na equipa principal - mas já todos reconheciam que era um futebolista especial.

Fernando Chalana nasceu no Barreiro a 10 de fevereiro de 1959. E, como tantos outros miúdos, a bola depressa foi a melhor companheira. O sonho de ser jogador de futebol foi crescendo e nem o facto de ter sido chumbado nos treinos de captação da CUF o fizeram esmorecer. Acabou depois por ser aceite pelo rival Barreirense, onde apenas fez seis jogos nos juniores. Por essa altura, Mário Coluna - eterna glória do Benfica - e o treinador Milorad Pavic foram de propósito ao Barreiro ver com os seus próprios olhos o talento de quem todos falavam. O Sporting também já estava de olho nele quando os encarnados entregaram um cheque de 750 contos (pouco mais de 3700 euros) ao Barreirense para levar aquela pérola para o Estádio da Luz.

O pequeno Fernando começava a cumprir o seu sonho, com apenas 15 anos, conquistado logo no primeiro ano o título de campeão de juniores. Tinha apenas 17 anos e 25 dias quando, a 7 de março de 1976, foi lançado pelo treinador Mário Wilson ao intervalo de um jogo, na Luz, com o Farense. Substituiu o capitão Toni ao intervalo e desde logo encantou o Terceiro Anel. Tornou-se então o mais jovem de sempre a jogar na I Divisão e, a 17 de novembro de 1976, com a Dinamarca, passou a ser também o mais jovem de sempre a jogar na seleção nacional, lançado por José Maria Pedroto.

Na Luz nascia um mito, um dos grandes do futebol português. Chalana espalhava magia pelos campos, domingo após domingo, mas também às quartas-feiras, nas provas da UEFA. "Foi o único futebolista do mundo que vi fintar com as ancas. Um, dois, três. Os adversários ficavam fora da jogada só com os movimentos dele", contou Paulo Futre que, quando era júnior do Sporting, ia à Luz só para ver Chalana jogar.

A forma como conduzia a bola levava toda a gente a pensar que era esquerdino, se calhar era esse um dos grandes segredos para deixar os adversários para trás e até pelo chão com as suas fintas. Numa recente entrevista à BTV garantiu: "As pessoas pensavam que eu era canhoto, mas sou destro, sempre fui destro." A capacidade de jogar com os dois pés tornavam-no imbatível nos penáltis, pois só no momento de rematar decidia com qual pé iria rematar... um terror para os guarda-redes.

Foram nove anos de encantamento entre os adeptos do Benfica e Chalana, que, dizem os antigos companheiros, empolgava-se ainda mais quando, na Luz, jogava junto ao Terceiro Anel. E foi lá, numa tarde chuvosa de novembro de 1983, que o Pequeno Genial arrancou por entre jogadores da URSS até cair na grande área. Do penálti saiu o golo de Rui Jordão e o apuramento para o Euro 1984, a segunda grande competição que a seleção nacional participava, depois do célebre Mundial de 1966, com Eusébio e companhia.

Chalana chegou ao Europeu de França com 25 anos, no auge da carreira, e fez com Jordão uma dupla fantástica. O mundo do futebol abria a boca de espanto com as diabruras daquele a quem passariam a chamar de Chalanix - pela semelhança com a personagem de banda desenhada Astérix. Foi decisivo na caminhada da equipa das quinas até às meias-finais, onde caiu (2-3) perante a França no prolongamento, num jogo em que Chalana foi demolidor, com duas assistências para os golos de Jordão.

Por essa altura, o presidente do Benfica, Fernando Martins, tinha o sonho de fechar o Terceiro Anel do Estádio da Luz e a renovação contrato com Chalana estava complicada. Havia até rumores que iria para o Boavista, mas surgiu o Bordéus - na altura um dos grandes do futebol francês - com uma proposta de 300 mil contos (1,5 milhões de euros) e, perante o descontentamento dos benfiquistas, o Pequeno Genial mudou-se para os Girondinos, onde se juntou a estrelas como Battiston, Tigana, Giresse ou Bernard Lacombe.

Chalana e a sua mulher Anabela passaram a ser capas de revistas, naquele que foi o primeiro casal mediático do futebol. O simples e discreto Fernando tornava-se numa estrela, com brinco na orelha, que era moda na altura. Só que o Bordéus marcou a curva descendente do génio. As lesões sucediam-se e, em três épocas, foram apenas 16 jogos. Tentou relançar a carreira com o regresso ao Benfica, em 1987. A 17 de outubro desse ano, entrou na parte final de um jogo com o Salgueiros e os adeptos receberam-no em festa na Luz. Só que Chalana já não era o mesmo em termos físicos e as fintas geniais já não eram tão vibrantes e constantes. Foram mais três anos de águia ao peito, mas o gosto de jogar futebol era tanto que, após deixar a Luz aos 31 anos, ainda fez uma época pelo Belenenses e outra pelo Estrela da Amadora.

Regressou ao Benfica em 1999 para ser treinador nas camadas jovens, pelo meio passou por Paços de Ferreira e Oriental, foi adjunto da equipa principal do Benfica, a qual chegou a comandar de forma interina (2007-08) durante 10 jogos. Voltou depois às camadas jovens, onde foi uma espécie de padrinho de Bernardo Silva, que curiosamente completou ontem 28 anos. Chalana chamava-lhe "Messizinho do Seixal" e impediu a sua dispensa por ser baixo e franzino. Não se enganou, afinal Bernardo Silva é hoje uma das maiores estrelas do futebol mundial.

Desde 2019 que Chalana não fazia parte dos quadros técnicos do Benfica, altura em que já lutava contra a doença degenerativa, que nem o permitia ir ao estádio. Por isso, nem pode estar presente na homenagem de que foi alvo no dia do seu 60.º aniversário. Uma noite mágica, em que a equipa então treinada por Bruno Lage marcou 10 golos ao Nacional... o 10 sempre presente na vida de um génio eterno.

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