Cetamina, o tratamento alternativo para as depressões profundas

David Nutt defende que esta substância é mais eficaz (e mais rápida) e que deve ser utilizada quando os tratamentos tradicionais não dão resultado.
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"Estamos a descobrir que a cetamina oferece mais oportunidades para diferentes patologias do que alguma vez poderíamos imaginar". É desta forma que David Nutt, psiquiatra e professor de Neuropsicofarmacologia no Imperial College de Londres, que veio a Portugal no âmbito da Clinic of Change se refere à cetamina, uma substância que, na sua opinião, deve ser encarada, num programa que inclui psicoterapia, como um tratamento alternativo para patologias como a depressão (severa) e onde os tratamentos tradicionais não surgiram efeito.

É verdade que surgiu como um analgésico, mas quando se descobriu o seu efeito dissociativo houve quem percebesse que poderia ter outros fins. David Nutt dá o exemplo da Rússia onde se utiliza a cetamina para combater a adição.

Nos últimos 15 anos o psiquiatra tem trabalhado com psicadélicos e "torna-se claro que nos mecanismos do cérebro, em termos da mudança das funções, a cetamina tem um efeito muito semelhante aos psicadélicos", refere ao DN, acrescentando que são esses mecanismos que são cruciais para recuperar de doenças como a depressão, trauma ou adição. "É uma forma completamente nova de tratar", afirma convicto.

O que a substância faz é tornar o cérebro mais maleável a que o psicoterapeuta o trabalhe por forma a "quebrar" os comportamentos estabelecidos. O que, na opinião de David Nutt torna este tratamento muito mais eficaz. "Pela primeira vez podemos começar a pensar numa cura", afirma.

Mas, antes de mais, o tratamento com cetamina exige que o paciente tenha o desejo de mudar. De estar num ambiente em que possa maximizar os benefícios e "ir a locais onde talvez não queira ir", sem a cetamina (ou ser incapaz de ir sem a substância). Ou seja, quando tomada de forma recreativa não se beneficia do seu poder "curativo". Porque o que os psicoterapeutas fazem é utilizar as experiências do paciente para conseguir fazer alterações na sua vida. Há um propósito. "Essa é, aliás, a diferença entre usar alguma coisa de forma recreativa e terapêutica", aponta David Nutt.

"Estamos certos da sua eficácia na depressão e nalgumas adições", afirma o psiquiatra, acrescentando que estão a estudar a sua utilização em distúrbios alimentares e distúrbios de ansiedade", que são "distúrbios internos", que funcionam em loop e do qual as pessoas não conseguem escapar. Como explica David Nutt as pessoas sabem que estão a fazer algo errado (que lhes faz mal), mas não o conseguem impedir. E é precisamente nestes distúrbios que funcionam em modo loop e do qual as pessoas não conseguem fugir que o psiquiatra considera que a cetamina pode ser útil.

Quer isto dizer que a substância pode ser utilizada em todo o tipo de patologias? Não. Como afirma David Nutt "não acreditamos que vá ajudar pessoas com psicoses".

Outro exemplo são os ataques de pânico que, lembra o psiquiatra, tende a responder bem aos tratamentos tradicionais. "Normalmente usamos a cetamina quando os outros tratamentos falham", acrescenta. Aliás, regra geral só se envereda pelo caminho do tratamento com cetamina quando o paciente fez pelo menos dois tratamentos tradicionais sem sucesso.

Este é um tratamento inovador, na forma como aborda a questão. David Nutt afirma mesmo que é o primeiro tratamento inovador em cerca de 30/40 anos no que concerne à depressão. Por outro lado, refere o psiquiatra, a comunidade começa a perceber que a substância é segura, dado que é prestada inserida num tratamento médico e por profissionais de saúde.

O psiquiatra realça ainda um outro pormenor do tratamento com cetamina. Para David Nutt trata-se um tratamento relativamente barato. Não só por ter um efeito rápida (e duradouro), mas, também, por ser relativamente acessível comparado com outros tratamentos. E ser, talvez a única solução, para quem sofra de patologias como depressão crónica.

Normalmente bastam umas três sessões para que as pessoas cheguem ao estágio ideal e instiguem as mudanças que precisam de ser feitas para que a terapia tenha efeito. Ou seja, bastam algumas sessões para ter resultado. "Desde que combinadas com psicoterapia", alerta David Nutt. Com a vantagem de, no fim, o paciente ficar com as ferramentas mentais necessárias para "combater" eventuais episódios futuros. Ou quando se depara com algum problema.

"A substância ajuda o cérebro a escapar dos loops, a psicoterapia ajuda as pessoas a encontrar novas formas de lidar com todos os problemas passados, presentes e futuro, para que não entrem de novo no loop", explica David Nutt, que acrescenta que a "cetamina altera a forma como pensamos".

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