Cervejas sem álcool e com aromas conquistam a Europa

Novos produtos mais saudáveis, mas com o sabor de sempre, é o novo desafio dos mestres cervejeiros. Público jovem opta, cada vez mais, por bebidas com baixo ou zero teor alcoólico.
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Qual é a terceira bebida mais consumida em todo o mundo? Cerveja. Após a água e o chá, é o terceiro produto mais procurado. E Praga, capital da República Checa ou Chéquia, é conhecida como uma das capitais da cerveja da Europa e nos últimos dias recebeu o Brewers Forum (Fórum Europeu dos Cervejeiros), que reúne 29 países e representa 10 mil produtores.

Aquele país europeu regista um consumo per capita de 142 litros de cerveja por ano (dados pré-pandemia, em 2019), comparando com Portugal que ficou pelos 53 litros per capita no mesmo período. Em 2022, subiu para 58 litros per capita por ano. Em termos europeus, Portugal é o 20.º país com maior consumo de cerveja por habitante, segundo os últimos números do European Beer Trends. Estes dados revelam que o país está longe do consumo nos países nórdicos e anglo-saxónicos. Os números revelam também que por cá há cada vez mais mulheres a beber cerveja. Se há 10 anos representavam 25% do total de consumo, os dados do ano passado da associação Cervejeiros de Portugal apontam já para 40%.

O setor cresceu como um todo, cerca de 20% relativamente a 2021. E se os últimos três anos foram marcados pela pandemia e pela guerra - que elevou os custos de produção, fez disparar o preço dos cereais e das garrafas de vidro, além dos custos energéticos -, agora o foco dos cervejeiros está no crescente turismo, na captação de novos públicos e na sustentabilidade.

Seiscentos congressistas, incluindo uma delegação portuguesa de mais de uma dezena de representantes, acorreram a Praga para debater o estado da nação do setor e mergulhar em novas tendências e oportunidades de negócio. Em 1949 realizou-se o primeiro congresso relacionado com esta indústria; em 2023 os players voltaram a encontrar-se para debater inovação no modelo de fabrico e ainda as novas cervejas, onde se incluem as sem álcool e as aromatizadas, dois segmentos que têm cada vez mais procura na Europa. Em Portugal, apesar do crescimento consistente ano após ano, a cerveja sem álcool vale apenas 1,5% do total da produção.

Cada vez mais público jovem e preocupado com a saúde e bem-estar procura produtos sem teor de álcool, mas o mesmo sabor do produto com álcool, e esse é o grande desafio das marcas. A evolução tecno- lógica tem ajudado e "em vez de apenas ser possível percorrer esse caminho na fábrica interrompendo a fermentação, hoje já é possível deixar a fermentação chegar até ao fim e depois fazer a chamada desalcoolização" da bebida, mantendo o sabor próximo do original, explica Francisco Gírio, presidente da associação Cervejeiros de Portugal.

Defender a responsabilidade no consumo é "um dever", dizem os produtores e foi amplamente discutido no encontro. A tolerância zero ao álcool nas estradas mundiais é uma tendência crescente - a República Checa é um dos casos - e por segurança, saúde, trabalho ou bem-estar, o controlo do álcool e a responsabilidade no consumo ganha força. Quem não perceber essa tendência ficará para trás, concluíram em uníssono os industriais presentes na capital checa.

Rui Lopes Ferreira, Presidente da associação Cervejeiros de Portugal e CEO da Unicer

Para o futuro, as metas da descarbonização bem como o ESG são das principais preocupações da Unicer. E "a questão é que não vejo grandes verbas ao nível do PRR destinadas a aumentar a competitividade das empresas. Essa poderia ser uma via para dar alguns apoios, embora indiretamente, e uma forma de incentivar as empresas a investir no sentido de aumentar competitividade." O DN sabe que a Unicer apresentou uma candidatura ao PRR há mais de um ano e ainda está à aguardar novidades. "A indústria está focada e tem investido na digitalização e na transição digital. Vamos continuar a investir, mas se o PRR chegar vai ser um acelerador. Seja como for, já estamos a usar a digitalização e a transformação digital para alavancar processos de negócio e para trazer eficiência e novas formas de trabalhar."

Quanto à sustentabilidade, "tem sido uma preocupação do sector, não é uma moda agora. Se me perguntar se vai marcar o futuro, vai com certeza, a tendência vai continuar a acentuar-se." Em matéria ambiental, a reciclagem ou reutilização das embalagens é um tema preocupante. "Em primeiro lugar, Portugal é um dos países da Europa que menos recupera vidro, temos uma taxa de reciclagem de vidro que é bastante baixa face à média europeia. Creio que há aí um caminho a percorrer, porque ainda que nada se alterasse, a capacidade de o país reciclar o vidro que usa tem muito espaço para desenvolver."

Rui Lopes Ferreira realça o aumento da produção de cerveja em 16% em 2022, para um total de 7787 milhares de hectolitros, acima dos valores de 2019 (último ano pré-pandemia covid-19). Ainda assim, os últimos números do European Beer Trends, de 2021, deixavam Portugal quase no fim da lista de países europeus na produção de cerveja, ou seja, em 22.º lugar.

Apesar disso, na última década os produtores são dez vezes mais, destacando-se o crescimento dos artesanais. Quanto às perspetivas para o negócio, em 2022 o mercado recuperou para níveis de consumo pré-covid e em 2023 vai continuar a crescer, muito alavancado pelo turismo que chega a Portugal.

Miguel Sousa, CEO da Empresa de Cervejas da Madeira e associado da Cervejeiros de Portugal

O turismo da Madeira atinge este ano dos melhores números de sempre e a cerveja apanha boleia dessa atividade. "As pessoas estão admiradas com a chegada do turismo. E não são os turistas mais velhos que estão na Madeira, há uma geração rejuvenescida de turistas no Funchal. E essa geração tem uma atitude diferente: goza a noite, faz uma estadia diferente da que fazem os turistas tradicionais e também bebe mais cerveja e poncha", afirma Miguel Sousa.

Depois da pandemia e com a guerra, a empresa estimava em 2024 ter o regresso às vendas de 2019, mas aconteceu logo no ano passado. "Agora, com o verão, será muito bom para a única cerveja 100% portuguesa", antevê. "A Empresa de Cervejas da Madeira é a única cervejeira 100% portuguesa e a Coral continua a ter uma quota de mercado bastante elevada, fruto da qualidade e proximidade. Não há nenhum estabelecimento na Madeira - e tem 3 mil pontos de venda -, que não tenha produtos da empresa de cervejas da Madeira", diz o CEO.

"Temos evoluído bastante e isto também porque, com o apoio da União Europeia, subsidia-nos os transportes entre a Madeira e o continente desde o ano passado. Isto faz com que deixemos de ser uma ilha em termos de custo."

As marcas chegaram ao continente com mais força no ano passado, uma vez que passou a vender em todos os hipermercados. Nas prateleiras das grandes superfícies há cerveja Coral, sidra Coral e os refrigerantes da companhia. "Temos 3 mil clientes na Madeira e já 3 mil no continente em pouco mais de um ano. O plano é, ao fim de cinco anos, vender tanto no continente quanto na Madeira." A aposta na sidras , de maçã e de frutos vermelhos, é ganha e está a crescer, considera o líder da empresa onde já são produzidos 2 milhões de litros por ano desta bebida.

No total, a empresa produz 40 milhões de litros de bebidas anualmente. Boa parte usa tara retornável. Na prática, diz que "a cerveja só custa o que a pessoa ingeriu. Estar a pagar uma garrafa de cada vez que se quer beber uma cerveja, é um exagero". Uma medida amiga do ambiente quando se debate tanto a pegada de cada produto e os princípios do ESG.

A jornalista viajou a convite da Associação Cervejeiros de Portugal.

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