Certezas de vitória assustam Sócrates
José Sócrates recuou. Em Bragança, tinha dito, anteontem: "É daqui que levo a certeza de que vamos ter uma grande vitória." Em Paços de Ferreira, ontem, ao almoço, rectificou o tiro: "Há para aí muitas sondagens. Mas nenhuma sondagem ganha eleições. Este partido não tem a certeza da vitória." Para seu azar, o presidente do partido, Almeida Santos, tinha dito minutos antes precisamente o contrário: "A vitória é algo que tenho já por certa. E [será] muito significativa."
Os socialistas passaram o dia todo a desvalorizar as várias sondagens que têm vindo a ser publicadas dando vitória ao PS. Isto um dia depois de Pedro Silva Pereira, braço direito de Sócrates na condução do PS e cabeça de lista em Vila Real, ter falado em "vitória estrondosa" e em "nova maioria". Mas "maioria absoluta" continua uma expressão proibida. O mais que se ouve, de vez em quando, é o grito, ensaiado pela primeira vez em Viseu, terça-feira: "1, 2, 3, maioria outra vez". Ouviu-se ontem, também, na (tradicional) "arruada" da Rua de Santa Catarina, no centro do Porto, onde a caravana socialista teve de "fazer horas" para deixar dispersar outra "arruada", do PSD.
Cumpriu-se em Santa Catarina o esperado. Centenas de militantes. Uma confusão gigantesca. Carteiristas fazendo pela vida. Zaragatas entre populares lutando por um qualquer brinde (sobretudo t-shirts). Batalha campal permanente entre operadores de imagem (câmaras e fotógrafos) à volta do secretário-geral. Cotoveladas, pisadelas, bancas de comércio de rua quase arrastadas na caótica "onda" socialista. Algum povo nas janelas acenando a Sócrates. Este, alagado em suor, retribuindo. Os operacionais do PS preocupados com Almeida Santos, que mostrou uma forma física inacreditável para um homem de 83 anos. Mulheres arriscando a integridade física na procura de um beijo do líder. Grau zero da política, grau máximo do espectáculo. Hoje haverá mais do mesmo, no Chiado.
O dia começou em Baião, concelho rural, socialista, o mais pobre do Porto. Augusto Santos Silva, falando com jornalistas, deixou as portas abertas para todos os entendimentos após as eleições: "O povo dirá que condições quer [para um Governo]." Sócrates, falando ao povo, repetiu que o PS é um "referencial de estabilidade".
À noite, num comício em Viana do Castelo, Vieira da Silva voltou a subir ao palco (já o tinha feito em Setúbal) para dar o tudo por tudo no apelo à concentração de votos no PS. Mais explícito não podia ter sido: "Só há um voto útil, é no PS. Só o voto no PS afasta a possibilidade de Manuela Ferreira Leite ser primeira-ministra."
O dirigente socialista também se revelou prudente nas certezas de vitória: "Quem vai liderar o Governo? Cada vez há menos dúvidas. A resposta só pode ser uma: José Sócrates." Atacou à direita e à esquerda. Disse que Manuela Ferreira Leite "foi ao longo desta campanha tropeçando sucessivamente". "Duvidemos de quem rasga num dia e cola no outro", afirmou, considerando que a campanha do PSD representou "a falência de um programa feito de insinuações e de casos". Para o Bloco de Esquerda foi agressivo: representa uma "moda sem gravata, ainda que com PPR". "O Bloco de Esquerda não é mais do que roupa velha (…) da velha vulgata marxista (…) do desdém pelas classes médias."
À hora do almoço, em Paços de Ferreira - mais de mil inscritos, segundo a organização - o tema das "escutas" voltou, em conversa de Almeida Santos com jornalistas. No seu entender, Cavaco Silva não saiu beliscado deste caso: "Ele tem prestígio suficiente para resistir a qualquer suspeita que neste momento se formule e que não é legítima, devo dizer." Importa agora preservar a coabitação Belém-São Bento: "Nós ainda somos Governo, esperamos voltar a sê-lo, portanto o que é preciso é salvaguardar a continuidade dessa boa relação institucional, isso é que é fundamental."
Já no púlpito, revelou-se hiperbólico com Sócrates: "O melhor primeiro-ministro depois do 25 de Abril." E comentou a campanha do PSD: "Nunca houve uma democracia tão livre como esta. Nunca a crítica foi tão livre. E passou a ser de 15 em 15 dias, na Assembleia da República." Concluiu com uma pergunta: "Eu não compreendo que se fale tanto em asfixia democrática. Algum de vocês sente falta de ar?"