Cerca de 25 mil portugueses vivem com doenças inflamatórias do intestino
Quando, aos 15, 20 ou 25 anos, alguém recebe a notícia de que terá uma doença para toda a vida, a informação não é fácil de gerir. E quando a patologia em causa apresenta uma vertente incapacitante elevada, a aceitação é ainda mais complicada. É por isso que, como diz Ana Sampaio, é essencial garantir um acompanhamento nutricional e psicológico para ultrapassar o receio inicial. Na Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI), da qual é presidente, são disponibilizadas consultas com psicólogos e nutricionistas, com grande conhecimento sobre as doenças de Crohn e Colite Ulcerosa, que ajudam os doentes a ultrapassar as fases mais difíceis.
A responsável da associação, ela própria portadora de Doença de Crohn, conhece na pele as dificuldades de viver com este diagnóstico. Há 22 anos, quando recebeu a notícia, as perspetivas eram muito menos animadoras. "Era muito frequente as pessoas saberem que de cinco em cinco ou de dez em dez anos iam ser operadas, agora já não".
Hoje a realidade é bastante distinta e, apesar das dificuldades de diagnóstico, as terapêuticas são menos agressivas e garantem uma melhor qualidade de vida. "Costumo dizer aos jovens que recebem hoje o diagnóstico que não sabem o que era a doença de Crohn ou a Colite Ulcerosa antes de 2000. Realmente era bastante penoso", reforça Ana Sampaio, que recorda o dia em que, pela primeira vez, visitou a associação que agora preside. "Vi algumas barrigas de outros colegas cheias de cicatrizes, mas todos tinham um sorriso na cara".
DestaquedestaqueNovas terapêuticas garantem uma melhor qualidade de vida e evitam as operações frequentes que os doentes tinham de fazer.
Desmistificar estas doenças e garantir mais e melhor informação à população foi também o objetivo da conversa que juntou Ana Sampaio e Paula Lago, gastrenterologista do Centro Hospitalar e Universitário do Porto (CHUP), realizada ontem, data em que se comemora o Dia Internacional das Doenças Inflamatórias, e que pode ver na íntegra no site do Diário de Notícias. Esta foi também a primeira do ciclo "Diálogos: Saúde e Futuro", uma iniciativa do jornal em parceria com a AbbVie.
Mas o que são, afinal, as DII? "Falamos de duas doenças inflamatórias - a doença de Crohn e a Colite Ulcerosa - que atingem o tubo digestivo", explica Paula Lago. Mas, apesar de integradas no mesmo grupo de patologias, as duas doenças são distintas, uma vez que a primeira pode atingir todo o tubo digestivo, da boca até ao ânus, enquanto na Colite Ulcerosa a inflamação atinge apenas o intestino grosso, com uma inflamação que se manifesta por feridas no interior do tubo digestivo. Em comum têm a dificuldade no diagnóstico.
O primeiro sintoma é, geralmente, a diarreia frequente. "Mais de três dias com diarreia e várias idas à casa de banho, com dor abdominal e alguma fadiga associada devem ser sinais de alerta", explica Ana Sampaio. Contudo, em alguns casos mais raros, há pessoas para quem o primeiro sinal de que alguma coisa não está bem é a obstipação, a perda de apetite e de peso. Sintomas que, muitas vezes são confundidos com outras patologias até porque "a inflamação também pode atingir órgãos extraintestinais em até 30% dos casos e que podem, inclusive, ser a forma de apresentação da doença", diz a presidente da APDI.
"Há uma heterogeneidade de manifestações e da forma como os diagnósticos são feitos", reforça Paula Lago, que acrescenta: "A principal ferramenta para o diagnóstico são os exames endoscópicos do tubo digestivo, a colonoscopia como exame de primeira linha após a realização de análises e exclusão de infeções através de colheita de fezes."
Atualmente, as especialistas estimam que existam cerca de 25 mil doentes em Portugal, num universo de 10 milhões em todo o mundo, essencialmente jovens entre os 15 e os 30 anos, apesar de haver um pico de diagnósticos tardios por volta dos 60/65 anos. "E também temos uma percentagem que tem vindo a aumentar, com casos pediátricos, que atinge até cerca de 30%", diz Paula Lago. As causas não são conhecidas, mas diz a gastrenterologista, estima-se que o estilo de vida ocidental possa ser o gatilho.
DestaquedestaqueNos últimos 20 anos, como explicam as especialistas, o aparecimento de fármacos biotecnológicos em Portugal alterou muito o panorama de tratamento.
A suscetibilidade genética também faz parte da equação, uma vez que o principal fator de risco conhecido para ter uma doença inflamatória do intestino é ter um familiar com a doença. "O histórico familiar está presente em cerca de 15% a 20% dos casos", constata Paula Lago. De resto, é uma doença crónica, não infecciosa e não contagiosa, o que convém reforçar pois, revela Ana Sampaio, há alguns tabus em relação a isso. "Os próprios doentes, por vezes, experienciam algumas limitações dentro de alguns circuitos porque ainda falta esclarecimento relativamente a esse aspeto."
Mas, apesar das condicionantes das doenças, as terapêuticas são hoje mais eficazes e menos invasivas. Nos últimos 20 anos, como explicam as especialistas, o aparecimento de fármacos biotecnológicos em Portugal alterou muito o panorama de tratamento. "Os doentes melhoraram imenso a sua qualidade de vida, conseguiu-se em alguns casos controlo mais fácil da doença, e o doente conseguir ter uma vida normal, que é o principal quando não há cura", aponta Paula Lago. Neste momento, existem muito mais armas terapêuticas que, bem utilizadas e no tempo certo, é possível obter a cicatrização completa da mucosa do intestino. "São fármacos muito dispendiosos, mas comparticipados a 100% pelo SNS."
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