Centros de Referência. Repensar os cuidados de saúde na Esclerose Múltipla
Assinala-se hoje o Dia Mundial da Esclerose Múltipla (EM), uma doença neurológica crónica, inflamatória e degenerativa, que afeta múltiplos locais do Sistema Nervoso Central (SNC).
A EM é a segunda causa de incapacidade neurológica nos adultos jovens (incidência entre os 20-40 anos), afetando mais de 2,5 milhões de doentes globalmente e, em Portugal, entre 5600 a 8000 doentes, com maior predominância no sexo feminino.
Apesar da sua causa ser desconhecida, é frequentemente aceite que seja multifatorial, englobando fatores de risco genéticos e ambientais (como o vírus Epstein-Barr, ou os níveis de vitamina D).
A EM é uma doença inflamatória autoimune mediada por glóbulos brancos autorreativos contra algumas proteínas da mielina do SNC, promovendo a perda da mielina (desmielinização), uma camada de gordura importante na proteção das fibras nervosas e na condução dos impulsos elétricos.
A apresentação clínica depende da localização das lesões inflamatórias no SNC, resultando num largo espetro de sintomas e sinais. Assim, a apresentação clínica pode ser heterogénea, incluindo as seguintes alterações: sensitivas (por exemplo, dormência), visuais, motoras (como a falta de força), cerebelosas (como o equilíbrio), esfincterianas (por exemplo na bexiga) e sexuais, cognitivas, emocionais e fadiga.
CitaçãocitacaoA EM é a segunda causa de incapacidade neurológica nos adultos jovens (incidência entre os 20-40 anos).esquerda
Na grande maioria dos doentes (mais ou menos 85%), o curso clínico da EM é normalmente tipificado por uma fase inflamatória caraterizada por surtos, denominada de EM Surto-Remissão (EMSR). Após 5 a 25 anos, este padrão muda, sendo substituído por um aumento constante e lento da incapacidade, designada por EM Secundária Progressiva, podendo levar à perda de mobilidade. Uma pequena minoria (cerca de 15%) dos doentes não experiencia sintomas de EMSR e apresentam-se unicamente com progressão, um padrão denominado EM Primária Progressiva.
O diagnóstico baseia-se numa cuidadosa história clínica combinada com os resultados dos meios complementares de diagnóstico e após exclusão de outras doenças do SNC. Os critérios de diagnóstico de EM (McDonald, 2017) baseiam-se no princípio que as lesões do SNC devem cumprir com a disseminação no espaço (vários locais do SNC) e disseminação no tempo (em tempos diferentes).
Em termos globais, o tratamento desta doença compreende a terapêutica dos surtos (por exemplo corticoterapia endovenosa de altas doses), terapêutica modificadora da doença (TMD - redução/interrupção da evolução ou história natural da EM) e terapêutica sintomática (para os sintomas e sequelas). As TMD aprovadas pela EMA [sigla inglesa da Agência Europeia de Medicamentos] para a EM incluem mais de 16 medicamentos, utilizados de acordo com a atividade da doença. Esta evolução das TMD numa doença de baixa prevalência deve fazer repensar a atual organização dos cuidados de saúde nesta área, potenciando a concentração de recursos altamente diferenciados, melhorando a eficiência do sistema e promovendo uma maior equidade no acesso dos doentes à inovação.
Os Centros de Referência destacam-se por ser altamente especializados no tratamento duma determinada doença, onde se encontram reunidos os profissionais de saúde com elevada experiência em tratá-las. Assim, é possível assegurar o melhor acompanhamento possível destes doentes.
No âmbito desta efeméride, a Direção do Grupo de Estudos de EM (GEEM) da Sociedade Portuguesa de Neurologia, um grupo de profissionais de saúde que estudam e tratam esta patologia, considera fundamental a prossecução de duas recomendações: a Criação de Centros de Referência e a Implementação de um Registo Nacional na EM.
Coordenador do Centro de Tratamento de EM do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central e Vice-presidente Sul do Grupo de Estudo de Esclerose Múltipla.