Centeno quer pagar antecipadamente à zona euro para aliviar pico de dívida em 2025

Fundo do Mecanismo Europeu cobra juro de 1,7%, mas Portugal já se consegue financiar nos mercados a 1,6%. Há ganhos importantes se o pagamento à zona euro for antecipado.
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Portugal deve avançar neste ano com um pagamento antecipado do empréstimo concedido pela zona euro em 2011 através da, então denominada, Facilidade Europeia de Estabilidade Financeira (FEEF), hoje representada pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM na sigla em inglês), revela o Ministério das Finanças em resposta a questões do DN/Dinheiro Vivo.

A ideia é começar a aliviar a carga de dívida, que terá um pico em 2025, ano em que é preciso pagar a credores (privados e oficiais) mais de 17,2 mil milhões de euros. A maior parte deste pico nem é por causa do resgate da troika, é por causa de uma obrigação do Tesouro emitida na reta final do governo do PSD-CDS, a 15 de outubro de 2015, no valor de 12,6 mil milhões de euros.

A vontade de começar a pagar antecipadamente aos "credores europeus" já tinha sido ventilada pelo ministro Mário Centeno e pelo seu secretário de Estado adjunto, Ricardo Mourinho Félix, mas sem nunca concretizarem qual dos credores poderia ser ressarcido primeiro e quando.

Ao todo, Portugal ainda deve à Europa empréstimos concedidos no âmbito do programa de assistência da troika (que começou em 2011 depois de a República ter entrado em bancarrota) num valor global de 51,6 mil milhões de euros.

Ou seja, pagou-se tudo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), mas falta ainda saldar 65% do resgate total, que rondou 76 mil milhões de euros.

De acordo com o IGCP, a agência que gera a dívida pública portuguesa, este bolo de dívida oficial europeia tem duas partes. A zona euro (FEEF/ESM) tem a haver 27,3 mil milhões de euros. O primeiro pagamento está agendado para 2025 e é este (ou parte dele) que o governo deseja antecipar para este ano.

Crise aguda, resposta improvisada

Na altura em que Grécia (primavera de 2010), Irlanda (outono de 2010) e Portugal (primavera de 2011) colapsaram nos mercados financeiros faltavam instrumentos sólidos e permanentes para resgatar países, tendo sido necessário criar um mecanismo de ação rápida para financiar nações em situação de crise aguda.

Para tal, "em maio de 2010, os Estados membros da União Europeia criaram um mecanismo de estabilização temporário para preservar a estabilidade financeira no contexto da crise das dívidas soberanas", explica Bruxelas.

Portanto, um dos braços deste sistema é o referido FEEF (zona euro), o outro é o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF), que é operacionalizado pela Comissão Europeia. Este último é o tal outro grande credor europeu oficial ao qual Portugal deve ainda 24,3 mil milhões de euros.

Centeno: pagar primeiro à zona euro traz benefícios

Fonte oficial das Finanças explicou ao DN/Dinheiro Vivo que, "neste momento, prosseguem discussões, a nível técnico, para avaliar a oportunidade, o momento e o montante" de um possível "reembolso antecipado dos empréstimos europeus em 2019".

A ideia de fundo, tal como aconteceu no caso da amortização da totalidade do empréstimo do FMI no ano passado, é "reduzir o custo do financiamento e melhorar a sustentabilidade da dívida". E reduzir a enorme fatura anual com juros, claro.

O gabinete de Mário Centeno revela que "uma análise preliminar evidencia que o pagamento de dívida ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (atual ESM), cujo primeiro vencimento ocorre em 2025, traria benefícios para a dívida pública portuguesa".

Razões: "Consolida a trajetória de queda do rácio da dívida; daria continuidade à estratégia de alisamento do perfil de reembolsos, ao reduzir o refinanciamento previsto neste momento para 2025 (cerca de 17 mil milhões de euros); e geraria poupanças de juro", elenca a mesma fonte oficial.

"É esse o caminho que nos encontramos a trabalhar neste momento."

Mas pagar já o mais barato porquê?

Mas por que razão se vai pagar primeiro ao programa da zona euro, que é muito mais barato do que o da Comissão Europeia? É que os milhões do ESM cobram, em média, uma taxa de juro global de 1,7%. O programa da Comissão custa 2,6%, informa o IGCP.

As Finanças não explicaram o racional, mas o DN/Dinheiro Vivo apurou que terá que ver com o formato contratual com que foram disponibilizadas as ajudas financeiras.

O crédito mais caro (do veículo da Comissão) terá de ser amortizado à medida que os vários empréstimos concedidos se forem vencendo, como está no calendário.

Quando Portugal ficou sem acesso aos mercados obrigacionistas, a Comissão Europeia foi várias vezes ao mercado pedir dinheiro (mais barato) para emprestar ao país.

Cada um destes créditos será pago nessa base dita back-to-back. Quando chegam à maturidade, paga-se. O contrato é relativamente rígido, embora Portugal já tenha beneficiado de extensões.

O programa da zona euro, o empréstimo hoje gerido pelo ESM, de Klaus Regling, é muito mais flexível. O FEEF foi ao mercado e construiu uma bolsa (pool) de financiamento que depois foi canalizando para os países em crise (os três já referidos). Portanto, o pagamento antecipado é mais fácil de moldar.

A questão é que, apesar de esta parte do resgate ser mais barata, Portugal atualmente já se financia abaixo do custo do ESM. A taxa de juro média dos primeiros quatro meses deste ano (todas as maturidades incluídas) ronda 1,6%, uma décima abaixo dos 1,7% do fundo da zona euro.

No limite, esta substituição de dívida já pode gerar poupanças em juro relevantes. E, no fim do ano, o rácio da dívida pública pode descer mais do que o esperado - 118,6% do PIB é a meta do Programa de Estabilidade de abril último. Mário Centeno pode muito bem brilhar outra vez na Europa, mesmo que já não seja ministro das Finanças nessa altura. Depende das eleições legislativas de 6 de outubro.

Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo

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