Centeno promete reforço de investimento em 2020 seis vezes maior do que em toda a legislatura
As projeções do governo para o investimento público indicam que no próximo ano é que é. De acordo com a avaliação da Comissão Europeia ao esboço de Orçamento do Estado para 2020 (OE 2020), que o Ministério das Finanças enviou para Bruxelas em meados de outubro, Portugal vai ter o maior aumento da zona euro no valor do investimento público no ano que vem (16,2%) e o segundo maior da Europa, ficando apenas atrás do desempenho da Roménia.
Pelos cálculos do DN/Dinheiro Vivo, com base em números revelados ontem pela Comissão Europeia relativamente ao investimento público, parece que o governo se propõe, mesmo sem medidas novas (o plano orçamental enviado a Bruxelas é um pró-forma e seguiu sem medidas do OE 2020, porque ainda não existe), a realizar um reforço de quase 674 milhões de euros no investimento público (+16,2%) no ano que vem.
É quase seis vezes mais do que o aumento alcançado em toda a legislatura anterior, quando o investimento subiu de cerca de quatro mil milhões de euros em 2015, para 4,16 mil milhões de euros em 2019 (previsão subjacente aos dados enviados por Mário Centeno).
O investimento público, segundo Bruxelas, ficará novamente abaixo do orçamentado neste ano, fator que ajudará a comprimir ainda mais o défice que, concorda a Comissão Europeia, deve baixar para um mínimo histórico de 0,1% do produto interno bruto (PIB), meta igual à de Centeno.
Bruxelas nota que esta poupança no investimento pode não ser o melhor caminho. Seria melhor controlar mais a despesa com salários públicos, reduzir as dívidas dos hospitais e garantir que as empresas públicas são financeiramente sustentáveis e não sorvedouros de dinheiro, em alguns casos.
"No que diz respeito ao aumento da qualidade das finanças públicas, dando prioridade à despesa amiga do crescimento económico, projeta-se que o crescimento do investimento público em 2019 fique significativamente aquém da meta do orçamento para 2019", observa a Comissão.
Já o Projeto de Plano Orçamental, o tal esboço enviado a meio de outubro, assenta num cenário de "políticas inalteradas e prevê um aumento anual da formação bruta de capital fixo das administrações públicas em 9,7% em 2019, em comparação com 8,5% em 2018".
No entanto, esse mesmo documento das Finanças aponta para "uma aceleração adicional para 16,2% em 2020, o que elevará a taxa de investimento público para 2,2% do PIB", ainda assim abaixo dos "2,3% registados pela última vez em 2015".
"Mesmo assim", lamenta Bruxelas, "a proporção de investimento público face ao PIB permanece notoriamente abaixo da média de 2,8% da zona euro e da média de 3% da União Europeia.
De facto, há problemas no arranque a sério de muitos investimentos e isso nota-se na economia e no facto de Portugal não se conseguir aproximar dos níveis europeus. O segundo aeroporto de Lisboa atrasou; o investimento em ferrovia também, o que ontem motivou um desabafo pouco comum da parte do ministro das Infraestruturas, que contraria a ideia de Centeno, de que o investimento tem sido realizado, que não tem havido cortes ou cativações nesta área para poupar e tentar fazer desaparecer o défice.
O ministro Pedro Nuno Santos reconheceu que "precisamos de infraestruturas, sejam aeroportos, ferrovia, rodovia e portos marítimos, para que o país possa continuar a desenvolver-se e todos possamos viver melhor. Temos de acarinhar estas infraestruturas e acabar com um desporto nacional, que é o para-arranca das obras que tem caracterizado o passado português e é mau".
Mesmo a caminho de um saldo público de 0% em 2020 (acredita a Comissão e o governo), Bruxelas insiste que são necessárias mais medidas para cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e compensar fatores como o aumento da despesa com salários (mais funcionários públicos e aumentos por reposição nas carreiras). Além da poupança no investimento público, Bruxelas nota que a "pressão" da despesa relacionada com funcionários também tem sido compensada pela descida na fatura com juros.
Mas parece que não chega, insiste a Comissão, que vê um desvio que pode ser "significativo" de Portugal em relação às metas de ajustamento orçamental de médio prazo. E pede medidas com efeito permanente, estrutural, num valor equivalente a 0,4% do PIB para corrigir esse desvio face ao caminho ditado pelo Pacto, o que dá qualquer coisa como quase 900 milhões de euros em novas medidas. Normalmente, o governo rebate estes números, dizendo que as contas não são feitas dessa forma e que, por exemplo, há medidas por contabilizar.
Portugal e outros sete países da zona euro estão em risco de incumprimento em termos orçamentais, considerou ontem a Comissão Europeia no chamado "pacote orçamental do outono", no qual dá a sua opinião sobre os projetos de planos orçamentais dos países da zona euro.
"No caso de Bélgica, Espanha, França, Itália, Portugal, Eslovénia, Eslováquia e Finlândia, os projetos de planos orçamentais apresentam um risco de incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2020." No caso de Portugal, Bruxelas está a dar uma opinião sobre um plano ou um esboço de OE 2020 que ainda não existe; só será divulgado em meados de dezembro.
Ainda assim, a Comissão analisa este plano de Portugal em que os efeitos no futuro (em 2020) são apenas decorrentes das medidas já legisladas e no terreno. Quando entregou o esboço orçamental, a 15 de outubro, o Ministério das Finanças, de Mário Centeno, projetou um défice público de apenas 0,1% do PIB neste ano e um saldo totalmente equilibrado (0%) em 2020.
Nas previsões da primavera, divulgadas há duas semanas, a Comissão concordou com estas metas: também chegou a um défice mínimo de 0,1% neste ano e a um saldo de 0% no próximo. No entanto, continua insatisfeita e insiste que se estes planos orçamentais se concretizarem nos oito países referidos, Portugal incluído, isso "poderá dar origem a desvios significativos das trajetórias de ajustamento com vista à realização dos respetivos objetivos orçamentais de médio prazo".
"Nos casos de Bélgica, Espanha, França e Itália prevê-se igualmente o incumprimento do valor de referência para a redução da dívida."