Centeno avisa Carlos Costa: Banco de Portugal não se pode isolar
"Não há instituição que se possa interpretar a si própria como uma jangada de pedra." Foi com uma referência a José Saramago que o ministro das Finanças, Mário Centeno, concluiu o seu discurso na tomada de posse de Elisa Ferreira e Luís Máximo dos Santos no conselho de administração do Banco de Portugal, numa intervenção com vários recados dirigidos ao supervisor.
"O Banco de Portugal desempenha o papel de autoridade monetária e goza de um estatuto de independência. Esta independência constitui um direito, mas esse direito tem de ser exercido como dever", avisou o ministro. E reforçou: "Os bancos centrais não se podem tornar entidades isoladas do resto da comunidade."
O ministro disse também o que esperava do regulador, frisando que a atuação do BdP deve ser "preventiva, estratégica, proativa, atuante e isenta". Assim, foram várias as indicações deixadas ao governador do BdP, Carlos Costa. Além da ligação à economia e à comunidade, "o supervisor tem de atuar de forma preventiva" e "prestar informação à sociedade de forma proativa". Além disso, para Mário Centeno, as "autoridades devem ser atuantes e não passivas na sua atividade", sobretudo no que diz respeito ao risco. A regulação deve ser "ativa e não só de suporte", avisou.
Mário Centeno admite as dificuldades do setor nos últimos anos, que considerou de "inação, que trouxe dificuldades". "O sistema financeiro ainda não está capaz de desempenhar as suas funções de forma completamente eficaz." Por isso, Mário Centeno deixou o aviso aos presidentes dos bancos presentes na cerimónia: a regulação "vai tornar-se ainda mais exigente no futuro". "Durante muitos anos os riscos do setor financeiro foram desvalorizados na sua dimensão económica", o que não pode voltar a acontecer. O ministro não fez referências à necessidade de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos ou à possível comissão de inquérito ao banco nem às convulsões dos últimos anos do setor bancário, mas alertou para a necessidade de promover o "melhoramento necessário para responder de forma cabal aos desafios que a sociedade e a economia portuguesa lhe colocam".
Assim, Centeno fez referência à possibilidade de avançar com alterações à supervisão bancária. Defendendo a necessidade de repensar a arquitetura do sistema de regulação financeiro, que deve ser visto "como parte da solução e não do problema", e deixou o alerta: "Nas próximas semanas voltaremos a essa questão, que, como todas as questões que se colocam ao sistema financeiro, tem uma dimensão nacional que deve merecer a valorização de todos os atores políticos e sociais", não especificando as alterações que estão previstas. Recentemente foi divulgado o Livro Branco sobre a regulação e supervisão do setor financeiro, com várias recomendações para o setor bancário.
Também os novos administradores do Banco de Portugal defenderam que é "urgente reforçar a confiança" no setor. Elisa Ferreira, que falou por Luís Máximo dos Santos e por ela própria, frisou na sua intervenção que "Portugal e os aforradores precisam urgentemente de reforçar a confiança".
Elisa Ferreira admitiu também que a crise levou a um maior grau de exigência no setor e no exercício da supervisão bancária, adiantando que esta função pode ser desempenhada "de forma determinada, organizada e competente", conseguindo assim "vencer mais esta fase complexa mas desafiante da nossa história coletiva".
A eurodeputada, que trabalhou nos últimos anos temas como a União Bancária e o mecanismo de resolução bancária, referiu os eixos de atuação do supervisor e a "confiança institucional", já que os supervisores nacionais "são peças integrantes num sistema mais amplo", europeu. A "articulação entre o Banco de Portugal e as outras entidades" é necessária, disse.
O processo de seleção para o conselho de administração do Banco de Portugal foi alterado no ano passado e coube ao governador formalizar uma proposta ao governo com os nomes dos vice--governadores e restantes administradores, que têm de passar por uma audição na Assembleia da República. Além de Elisa Ferreira, tomou posse Luís Máximo dos Santos, que ainda é presidente do BES, o banco mau que fixou com os ativos tóxicos na queda do Grupo Espírito Santo.