Cedência de dados aos EUA em troca da isenção de visto
Portugal assinou o acordo de partilha de dados pessoais, impressões digitais e ADN com os EUA, em troca da isenção de vistos para aquele país, no âmbito de um programa designado como Visa Waiver Program (VWP). Esta "troca", que eurodeputados suspeitavam que estivesse a acontecer, considerando-a uma "chantagem", foi confirmada ao DN por fontes oficiais da administração norte-americana.
"Uma das alterações legislativas que se fizeram na sequência do 11 de Setembro foi que os países do VWP partilhassem informação com os EUA para a prevenção do terrorismo e outra criminalidade grave. Portanto, se existe alguma relação entre o VWP e este acordo, sim, há. Este acordo foi assinado com vários países do VWP. Foi a lógica destes acordos. Este programa é importante para ambos os lados por razões de comércio e turismo e também para proteger a segurança", declararam fontes oficiais da Embaixada dos EUA em Lisboa.
O eurodeputado português Rui Tavares sublinha que "a ser assim é de um tremendo desequilíbrio, porque quer dizer que por causa de alguns portugueses que viajam para os EUA, este país pode passar a ter acesso às informações de todos os portugueses". A "desproporcionalidade é enorme, até porque os EUA nem estão dispostos a mudar a sua lei para que os dados pessoais de europeus cedidos tenham o mesma protecção judicial que é dada aos cidadãos americanos", afiança.
Este acordo foi assinado em Julho de 2009, entre os ministros da Justiça e da Administração Interna portugueses e a secretária de Estado Janet Napolitano, e prevê o acesso automático a uma base de dados nacional de impressões digitais (a única que existe actualmente é a dos bilhetes de identidade) e à base de perfis de ADN, que está sob tutela do Instituto Nacional de Medicina Legal. O documento terá de ser ratificado pela Assembleia da República e aguarda ainda um parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
A questão da protecção dos dados pessoais que as autoridades dos países europeus enviam sobre os seus cidadãos para s EUA está a causar uma grande polémica na União Europeia. Os Estados-membros mandataram até a comissária da Justiça, Viviane Reding, para negociar um acordo-quadro que garanta a protecção destas informações depois de estarem na posse dos EUA, o que os norte-americanos estão a dificultar através da assinatura de acordos bilaterais, como aconteceu com Portugal.
Aliás, as fontes oficiais norte-americanas que falaram ao DN reconhecem que os EUA não vão "esperar pelo acordo-quadro" e vão "continuar com os acordos bilaterais". "A prevenção do terrorismo não pode esperar pelas negociações. Temos de ter respostas imediatas", justificam.
Os norte-americanos frisam ainda que o acordo com Portugal "só vem formalizar uma partilha de informações que já se realiza entre ambos os Governos", facto que deixa a eurodeputada Ana Gomes em estado de alerta. "Esta situação tem de ser clarificada. Esta partilha de informações já se realiza? Sem a ratificação do Parlamento? O que é que as entidades que monitorizam os serviços de informação andam a fazer? Se essa partilha de informações prevista neste acordo já acontece, então qual é a base legal?", questiona.
Ana Gomes compreende "que tem de haver cooperação na luta contra o terrorismo, mas as nossas autoridades têm de observar a legalidade e o Parlamento tem de fazer o controlo democrático desta colaboração e avaliar os valores que estão em causa", assevera.
As fontes oficiais da embaixada norte-americana em Lisboa sublinham que "este acordo prevê que a troca de informações cumpre o ordenamento jurídico das partes" e que "se Portugal entender que, quando concluído, o acordo-quadro da UE é mais vantajoso, em termos de protecção de dados, que o acordo bilateral, pode denunciá-lo a qualquer momento". Recorde-se que o conteúdo deste acordo, apesar de assinado há ano e meio, só veio a público através das notícias do DN. O Governo ainda nem sequer o entregou aos deputados.