CDS-PP. Atores diferentes numa novela com mais de vinte anos
Francisco Rodrigues dos Santos era só um miúdo de 10 anos. Adolfo Mesquita Nunes já um jovem adulto de 21. Foi em 1998 que se iniciou no CDS-PP a novela que desde então, e até hoje, prossegue, episódio após episódio, sem que se veja um fim à vista - e muito menos um final feliz. Hoje, os dois são os novos protagonistas deste eterno folhetim democrata-cristão. Voltou o tempo das facas longas e para hoje está marcada uma reunião (por videoconferência) do Conselho Nacional que ditará o futuro próximo do partido.
Manuel Monteiro e Paulo Portas tinham então 36 anos. Foi em 1998 que os dois protagonizaram uma das mais explosivas ruturas da vida partidária portuguesa. Portas estava com Monteiro desde o início da década de 1990, ajudando-o - e sendo ainda diretor de O Independente - a ascender, em 1992, à liderança do CDS. Em 1995, Portas deixa o jornalismo e transfere-se para a política - algo que tinha jurado que nunca faria. Ele e Monteiro são eleitos deputados pelo CDS, Portas por Aveiro e Monteiro por Lisboa. Parecia uma amizade indissolúvel de dois jovens turcos ansiosos de virar do avesso um partido que o cavaquismo reduzira quase à insignificância.
E conseguiram-no. Metendo na gaveta o património histórico europeísta do CDS, e ensaiando também um discurso nacionalista e securitário - de que hoje o Chega é uma versão radical -, Monteiro & Portas levaram o partido de cinco deputados (em 1991) a 15 (em 1995). E tudo corria muito bem, muito melhor de resto do que ambos haviam previsto. Mas foi sol de pouca dura.
Citaçãocitacao"Temos de conseguir resgatar todas essas pessoas, sarar todas essas feridas e mostrar que o CDS é uma alternativa que mais ninguém consegue substituir."
Nos finais de 1997, o CDS-PP tem um mau resultado nas autárquicas e Monteiro demite-se. Paulo Portas decidiu então que chegara o seu tempo de conquistar a liderança do partido. Seria, teoricamente, o herdeiro de Monteiro. Mas a linha oficial de sucessão oficial do monteirismo acabaria por ser, afinal, protagonizada por Maria José Nogueira Pinto (1952-2011). No XVI congresso do CDS, em Braga, nos dias 21 e 22 de março de 1998, Paulo Portas conquista a liderança do partido, derrotando a linha monteirista.
Hoje, passados 23 anos, as réplicas desse tremor de terra ainda se fazem sentir no CDS-PP. Todos os conflitos internos subsequentes têm ecos dessa fratura. E ainda há dias Nuno Melo o reconhecia, numa entrevista Renascença/Público falava na necessidade de o seu partido "sarar simbolicamente as feridas de 1998", "um tempo em que o CDS mostrou um friso extraordinário de pessoas que realmente fizeram toda a diferença". "Temos de conseguir resgatar todas essas pessoas, sarar todas essas feridas e mostrar que o CDS é uma alternativa que mais ninguém consegue substituir", sendo certo que "isso é muito mais nítido hoje por causa da reconfiguração político-partidária" em curso, com o CDS-PP tendo à sua esquerda agora a Iniciativa Liberal e "à direita uma direita muito estática", a do Chega.
Hoje, passados 23 anos da rutura original, Francisco Rodrigues dos Santos protagoniza o lado monteirista da história e Adolfo Mesquita Nunes o lado portista. Monteiro e Portas, pelo seu lado, permanecem nos bastidores. Monteiro esteve fora do CDS de 2003 até 2020 - e quando regressou à liderança apoiou a ascensão de Francisco Rodrigues dos Santos à liderança.
Paulo Portas, por sua vez, está com Adolfo Mesquita Nunes. Na noite das presidenciais abriu o caminho que depois Adolfo percorreria quando assinalou que o resultado de André Ventura significava que pela primeira vez na história democrática portuguesa havia "um populista de direita extrema ou extrema-direita, consoante os dias" com um resultado de "dois dígitos" (11,9%). E isso, sublinhou, é "um facto novo que não se deve desvalorizar e que representa para o PSD, e ainda mais para o CDS, uma questão séria". O crescimento do Chega revelado nas presidenciais tem sido, precisamente, um dos principais argumentos em que Mesquita Nunes tem sustentado a necessidade urgente de um congresso eletivo no partido que remova o atual líder e o ponha no seu lugar.
"A consolidação dos novos partidos à direita, que estas eleições presidenciais vieram confirmar, só reforça a velocidade da erosão do CDS: um partido que não marca a agenda, que não se antecipa, que não passa a mensagem, que não se afirma como alternativa, que não é ouvido nem tido em conta, que parece conformado em caminhar para a irrelevância", escreveu no Observador. E no mesmo artigo considerou que "a crise de sobrevivência que o CDS hoje atravessa não conseguirá ser resolvida com esta direção".
O que se está a passar no CDS-PP remete para o ano em que Portas se demitiu da liderança do partido, 2005 (porque não conseguiu evitar a maioria absoluta do PS). O seu sucessor oficial seria Telmo Correia (hoje líder parlamentar). Mas José Ribeiro e Castro meteu-se pelo caminho e, surpreendendo tudo e todos, conquistou a liderança.
Exerceu-a durante dois anos, sendo ao mesmo tempo eurodeputado, o que contribuiu fortemente para o seu desgaste. Além disso, nem Portas nem o portismo levaram a bem a derrota de 2005. Em 2007, Portas voltou a candidatar-se vencendo Ribeiro e Castro por 75% em eleições diretas. Em 2011 levaria o partido de novo ao poder numa nova coligação com o PSD. O partido tinha então 24 deputados.
As similitudes com 2005 relacionam-se com o facto de o portismo não se conformar agora com a vitória de Francisco Rodrigues dos Santos (contra o portista João Almeida) no congresso realizado em Aveiro em janeiro de 2020 (assim como não se conformou com a vitória de Ribeiro e Castro em 2005). Portas ainda controlou a sua sucessão imediata, em 2016, com a ascensão de Assunção Cristas, mas o facto de esta ter nas legislativas de 2019 reduzido o partido de 18 para cinco deputados, voltando à insignificância do cavaquismo, ditou-lhe o destino - e a impossibilidade de o portismo manter o controlo da situação, que agora tenta recuperar.
O líder do partido convocou o Conselho Nacional para hoje com um único e assumido propósito: a votação de uma moção de confiança à sua liderança que acabe de vez com as conversas de congresso antecipado. Adolfo Mesquita Nunes e a suas tropas pretendem, por sua vez, que o partido passe já para a convocatória desse congresso, afirmando-se como candidato à liderança. Está, porém, por resolver uma questão processual que não é de somenos importância.
Votação será secreta. Mesquita Nunes exigiu e terá mesmo voto secreto no Conselho Nacional. Assim decidiu o Conselho de Jurisdição do partido, esta sexta-feira à noite, que deu razão aos críticos da direção liderada por Francisco Rodrigues dos Santos.
Isto significa que terá de se encontrar uma solução informática para permitir esta votação anónima, uma vez que que - pandemia oblige - a reunião será por videoconferência.
A direção dizia que moções de confiança sempre se votaram de braço no ar (no Parlamento, por exemplo) e que as votações secretas só estão previstas para quando se estão a eleger pessoas (não é o caso). Este argumento não colheu junto do Conselho de Jurisdição.
O dia promete portanto ser muito longo no partido que Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa fundaram em 1974.