"CDS estava à beira do precipício e deu o passo em frente"

Telmo Correia diz-se mais conservador do que centrista e acredita que se Passos Coelho tivesse cedido, se não fossem os erros políticos, PSD e CDS teriam conseguido maioria absoluta e não teria havido "geringonça". O futuro? As eleições europeias vão ser o grande teste para recuperar o CDS. O passado? Elogios a Portas, Adriano Moreira e Amaro da Costa, críticas a Ribeiro e Castro e Francisco Rodrigues dos Santos e um desalento: a "ilusão" de Assunção Cristas.
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Como é que veio parar ao CDS?

Há muita gente que fala muito do 25 de Abril como um fator determinante para a sua vida política, mas diria que o 25 de Abril foi um fator determinante, no meu caso, para que eu não fosse de esquerda. Se não tivesse acontecido o 25 de Abril, seria um contestatário, até mesmo pela educação que tive, não só familiar, mas também escolar, até porque estudava numa escola vista como sendo de elite, o Liceu Francês, mas que acabava por ser uma escola bastante democrática. No liceu era um ativista, daqueles que era eleito para representante dos alunos, delegado de turma, membro das comissões de estudantes, já ia para os plenários e dizia umas coisas. Quando cheguei à faculdade, mantive essa vocação, comecei a participar nas questões académicas, a ser candidato nas eleições dos conselhos diretivos - inclusive, fiz parte do conselho diretivo da Faculdade de Direito de Lisboa. Naquela altura parecia-me mais interessante o espaço político do CDS, era um partido mais doutrinário. E havia um grupo de pessoas interessantes com quem me identificava mais.

Quem eram?

Por exemplo, o Raul Soares da Veiga, o Paulo Sá e Cunha, o Alberto Laplaine Guimarães, o José Miguel Ascensão, pessoas interessantes e interessadas em discutir. Depois comecei até a participar nas reuniões da Juventude Centrista, embora tenha começado como independente. Quando eu entrei, o presidente ainda era Francisco Cavaleiro Ferreira, depois foi Jorge Góis, que chegou a ser deputado do CDS e depois do PS, uns anos mais tarde. A seguir, Manuel Monteiro com quem estive, além de ter estado com ele também em oposição posteriormente, numa fase de juventude.

Quando é que se deu a sua entrada como militante?

No meu tempo, os militantes da Juventude faziam gala em não serem militantes do partido, por estranho que isto possa parecer. A Juventude Centrista era uma organização autónoma. Por isso só me filiei nos anos 80, porque houve ali uma luta muito grande entre duas figuras muito grandes do CDS, o Prof. Doutor Adriano Moreira e o Dr. Morais Leitão. A maioria apoiava a candidatura de Morais Leitão. E apareciam, de resto, anúncios de filiações de pessoas que não eram filiadas no CDS naquela altura. Dou-lhe só um nome para ver a curiosidade da coisa: Braga de Macedo era um possível filiado do CDS se a candidatura de Morais Leitão tivesse ganho. Eu apoiava Adriano Moreira, estava na minoria dentro da Juventude.

O que é que ele tinha, nessa altura, que o cativava?

É professor e foi professor toda a vida. O espaço de comunicação perfeito dele é a sala de aulas, uma plateia com 100 a 300 pessoas, podem não ser alunos, podem ser pessoas que foram assistir a uma conferência. Também o conhecia porque tinha um primo direito do meu avô, que sempre tratei como tio - e era como se fosse meu tio, porque sou filho único -, e que era um dos seus melhores amigos. Tudo isso gerava uma empatia e uma afetividade. Foi quando ele foi presidente do partido, e há quem diga que foi quando as coisas correram mal - embora eu não tenha a certeza disso -, que me filiei no CDS.

E Freitas do Amaral?

Não reconhecer a Freitas do Amaral o seu papel, o seu estatuto e a sua relevância é impensável e inadmissível. Conheci-o bem e tive algum convívio com ele, inclusive cheguei a integrar uma comissão política dele, muito novo, mas depois afastámo-nos nos mesmos termos em que ele se afastou do CDS, nos termos em que ele foi ministro do PS. Estive mais próximo, por exemplo, de Francisco Lucas Pires, numa fase inicial, porque ele era supostamente, dentro do CDS naquele tempo, mais à direita. Freitas do Amaral sempre foi mais centrista, e legitimamente, mas sempre foi, e se há coisa sobre a qual não nos podemos enganar é que o sonho dele sempre foi centrar o CDS entre o PSD e o PS.

E, possivelmente, até seria um posicionamento eleitoral acertado, ou não?

Era a convicção dele, mas não era a minha nem a da maior parte das pessoas da minha geração. O CDS original, ou seja, o CDS de Freitas do Amaral, era muito marcado por essa ideia centrista. Um europeísmo muito marcado pela doutrina alemã, pelo investimento que os próprios alemães faziam nos partidos europeístas. Eu pertenço a uma geração que lia política desde miúdo, primeiro até autores do contra - referindo-me a antes do 25 de Abril -, e depois comecei a ler os pensadores todos, incluindo os da democracia-cristã. Mas quando chegamos aos 20 e poucos anos, formamos um pensamento político em que as nossas referências se chamavam Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Isto é muito diferente daquilo que era o CDS original.

DestaquedestaqueNasceu em Lisboa em 1960. Foi eleito deputado pela primeira vez em 1999. Foi ministro do Turismo, vereador na Câmara de Lisboa, vice-presidente do Parlamento e líder da bancada do CDS. Sai agora, ao fim de 22 anos.

Não lhe posso chamar centrista?

Sou conservador, basicamente. Só sou centrista porque sou do CDS, assim como quem é do Benfica é benfiquista. Mas sou um conservador à semelhança do que são, por exemplo, os conservadores britânicos, e não um democrata-cristão puro.

Essa matriz democrata-cristã ainda faz sentido?

Durante os anos de presidência de Paulo Portas, por exemplo, há momentos e afirmações que são mais do pilar democrata-cristão, como a questão dos pensionistas, a defesa dos mais idosos, dos mais desfavorecidos da sociedade. Já a ideia da defesa da segurança dos cidadãos, por exemplo, é mais da vertente conservadora. Quando falamos em menos socialismo, menos impostos e em libertar as empresas e a economia, estamos a acentuar um pendor mais liberal. O CDS conseguiu sempre ser uma casa comum.

Uma casa comum que perdeu identidade, marcada por indefinições?

Não quero ser eu a estar a atirar sal para as feridas, mas houve momentos em que houve alguma indefinição, é verdade. Mas, sendo muito direto, o CDS conseguiu em certos momentos evidenciar identidade - adaptando-se ao tempo e momento político -, e muito fruto do talento de Paulo Portas enquanto presidente e, com modéstia, de pessoas que o ajudaram a fazer isso, nas quais me incluo.

É Portas a figura que mais marca a história do CDS?

É difícil dizer Freitas do Amaral, porque o nome que vem sempre acima é Adelino Amaro da Costa, o grande mentor e a grande figura da geração dos fundadores. É ele que leva o CDS ao governo na altura e, depois, o CDS só volta a ser governo com Paulo Portas. Portanto, temos de escolher como a figura maior dos presidentes Paulo Portas, porque foi o mais bem-sucedido. Adelino Amaro da Costa nunca foi presidente, mas se calhar é mais que qualquer presidente, porque é, de facto, o mentor e o espírito.

E os outros líderes do partido? Assunção Cristas, Ribeiro e Castro, Manuel Monteiro...

Manuel Monteiro é da minha geração. Ainda cheguei a integrar uma direção dele. Depois fomos adversários durante muito tempo, até ele resolver sair para o partido dele. Ribeiro e Castro? Fomos adversários. E ele teve, para além do período negativo enquanto presidente, um papel também muito negativo em tudo isto que aconteceu ao CDS. Assunção Cristas, sendo uma pessoa muito capaz, muito competente e muito bem-intencionada, a certa altura caiu um bocadinho na ilusão de que o resultado de Lisboa permitiria ao CDS ser um partido menos doutrinário e ser mais um catch all party. E olhe, aí sim, pode ter havido alguma perda de identidade que pode ter ajudado ao resultado negativo. Ou seja, aquele resultado superior a 20% em Lisboa deu a ideia de que era reproduzível no país. Mas não era, a concorrência era outra, as dificuldades eram outras. E, na minha opinião, o equívoco prolongou-se. A seguir, o que acontece não é um equívoco de identidade, é o oposto. Porque o CDS tentou ser purista, e quando se faz isto já estamos no nicho dos nichos. Ainda por cima quando esse nicho já estava ocupado com mais eficácia por outros.

O partido estava à beira do precipício e deu o passo em frente?

Sim, estava à beira do precipício e deu o passo em frente, pelo menos parlamentarmente. O partido não desapareceu no seu todo, mas a nível parlamentar sim. O CDS nunca se livrou, por assim dizer, de ser um partido de quadros e sempre foi visto assim. E um partido de quadros não pode ir pelo popular, por esse purismo.

DestaquedestaqueAdvogado, benfiquista - faz comentários desportivos na televisão e na rádio -, consultor jurídico na Assembleia da República entre 1992 e 1996, é um dos apoiantes de Nuno Melo à liderança do CDS.

Qual foi o período mais difícil aqui?

O da liderança de Ribeiro e Castro, porque não havia trabalho que fosse construtivo da direção do partido com o grupo parlamentar. Foi um período muito complicado, acho que até mais difícil que este último. O período de Passos Coelho foi muito difícil, como é evidente, era uma altura em que, em algumas circunstâncias, era difícil sair à rua.

E sentia que estava a fazer as coisas certas?

Claro, mas era entusiasmante porque não podíamos fazer outra coisa. E com tensão interna também, porque nem sempre o caminho que estava a ser seguido era o caminho que defendíamos internamente. Houve muita tensão dentro da própria coligação, nós a puxarmos para um lado e o primeiro-ministro e o ministro das Finanças a puxarem para outro.

Ficou com a sensação de missão cumprida?

Sim, senti isso claramente. E o facto de termos ganhado as eleições, embora se tivesse formado a "geringonça" a seguir, também ajudou a esse sentimento. A verdade é que a PAF ganhou as eleições. Digo-lhe mais: se a PAF tivesse tomado duas ou três medidas simbólicas de levantamento de restrições, acho que poderia ter ganho com maioria absoluta. Poderíamos ter chegado à maioria absoluta.

E isso não aconteceu porquê?

Acho que não estava na cabeça do primeiro-ministro. Não podemos pedir a uma pessoa que tem determinadas qualidades que depois faça o contrário dessas suas qualidades.

Obstinação?

Não querer alterar o rumo, manter as mesmas linhas.

Não havia forma de convencer Passos Coelho?

Houve ali uma vontade e uma ideia - e que é uma ideia da maioria, não é uma ideia do PS - de que se queria ir além da troika. Essa ideia existiu, assim como também existiu a ideia de respeitar as diretrizes da troika. E houve erros políticos nessa lógica, como, por exemplo, a questão da TSU. E é um bocadinho isso que leva à própria crise do irrevogável.

Paulo Portas fez bem nessa altura?

Acabou por resultar bem, mas podia ter corrido pior. Aquilo foi um murro na mesa da parte dele, não foi impensado nem reativo. Ele tinha estabelecido uma fasquia e, claramente, não a atingiu. Na história do irrevogável há também um lado, na minha opinião, pessoal e quase emocional. Aquela reação foi uma gota de água. Mesmo os grandes políticos, mesmo os grandes estadistas, são pessoas de carne e osso como nós e, portanto, há muitas coisas que às vezes são temperamentais, são pessoais, são embirrações.

E aquele foi um momento de embirração?

Foi um momento de desgaste, um somatório de desgastes em que ele acha que não consegue levar a dele avante e, portanto, bateu com a porta. E depois há a resiliência do Dr. Pedro Passos Coelho, que foi muito importante. Ele podia ter reagido de forma muito diferente.

Ou seja?

Foi resiliente, segurou as pontas, segurou o governo naquela altura e foi determinante para que pudéssemos cumprir o programa. Paulo Portas ficou e o governo acabou por sair muito melhor dessa situação, e foi esse período melhor que permitiu vencer depois as eleições.

E o seu partido é resiliente para não desaparecer?

Espero que sim. Se tenho a certeza absoluta de que vai ter futuro e de que vai correr bem? Depende do que conseguirmos fazer daqui para a frente. É difícil, mas acredito que em 2026 o CDS pode voltar ao Parlamento. Agora voltar a ser um partido com uma grande dimensão, numa fase inicial, será algo muito difícil. É dois mais dois.

Dois mais dois?

Agora é o ciclo eleitoral de dois anos até às europeias, onde o CDS terá o seu primeiro grande teste, e aí temos uma vantagem: o CDS concorre tendo um deputado europeu e, portanto, estará na primeira linha de tudo o que serão debates. Se fossem legislativas, isto não aconteceria. Hoje em dia passaríamos para a bancada dos pequeninos. Mas nas europeias não é assim, portanto será o primeiro grande teste que determinará se o CDS vai ou não recuperar até às legislativas.

Que marcas ficam destes 22 anos?

Não tenho muito essa coisa do que é que marca ou o que é que não marca. Sou o mesmo aqui ou em outro sítio qualquer, já era assim antes de aqui estar e continuarei a ser assim depois de sair. Mas fiz parte de momentos-chave da história, momentos como a formação de governos de maioria, as crises que existiram nesses momentos e que eu, modestamente, acho que ajudei a resolver. Foi muito gratificante poder ter participado nesses momentos todos, poder ter sido útil, poder ter participado e estar por dentro da história e ajudar com o meu papel a fazer a história. Não há política sem o mínimo de brio, para não lhe chamar vaidade pessoal. Mas o brio conta muito.

Lembra-se da primeira vez que entrou na Assembleia da República?

Era estudante na Faculdade de Direito de Lisboa e várias razões, entre as quais o facto de ser casado e ter uma filha, levavam-me a trabalhar, além de estudar e de fazer política. E trabalhei no consultório da minha mãe, mas a partir de certa altura houve um concurso para a redação da Assembleia da República. Concorri e vim para aqui fazer as atas, o que me dava algum dinheiro. Depois, o António Lobo Xavier, precisamente no grupo parlamentar de Freitas do Amaral, convidou-me para vir para aqui como assessor jurídico e trabalhar num projeto de revisão constitucional. Na altura em que sou convidado para ser candidato a deputado já tinha sido dirigente nacional da JC, já tinha sido candidato a deputado nas listas de Adriano Moreira, nos anos 80, já tinha sido dirigente nacional, já tinha sido porta-voz do partido, já tinha sido e era vereador na Câmara Municipal de Lisboa, já tinha sido presidente do CDS de Lisboa... Portanto, era um convite natural.

E o primeiro dia como deputado?

No primeiro dia, o líder parlamentar era Basílio Horta, o presidente do CDS era Paulo Portas, e chego para a primeira sessão parlamentar, sento-me, por acaso, na segunda fila, atrás dos dois, e a certa altura eles começam a cochichar e olham para trás. Há um deles que me diz assim: "Telmo, estamos aqui com um problema (tinha morrido a Amália durante a campanha). Nós não estávamos recordados de que vai haver agora uma intervenção e é preciso fazer um discurso de pesar." E perguntaram-me se me importava de fazer o discurso. Eu questionei quando e eles responderam: "Agora." Portanto, nunca haveria de me esquecer da minha estreia. Sentei-me no hemiciclo e cinco minutos depois estava a discursar numa homenagem a Amália Rodrigues.

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