Mariana Mortágua prepara-se para avançar como candidata à liderança do Bloco de Esquerda na Convenção Nacional do partido marcada para 27 e 28 de maio, substituindo Catarina Martins, que anunciou esta terça-feira que deixará a coordenação dos bloquistas..Há muito que Mariana Mortágua é o nome que reúne maior consenso entre a cúpula bloquista para suceder à atual coordenadora, eleita pela primeira vez em 2012, então para uma liderança bipartida com João Semedo. Ao que o DN apurou a questão estava mais no timing da mudança, dada a maioria absoluta do PS que expectavelmente se prolongará até 2026. Sendo Mariana Mortágua uma das figuras de maior notoriedade do partido, não se colocava a questão de ter de ganhar projeção externa, pelo que chegou a ser admitida a hipótese de a atual coordenadora se manter até à próxima convenção, daqui a dois anos, avançando então a jovem deputada. Mas a vontade de Catarina Martins de não continuar, numa altura em que já leva dez anos na liderança, acabou por se revelar determinante para que a substituição ocorra já. Na decisão terá também pesado a instabilidade que tomou conta do Governo e que colocou em cima da mesa o cenário de uma aceleração do calendário político..Esta terça-feira, depois de conhecida a decisão da atual líder bloquista, Pedro Filipe Soares e Marisa Matias colocaram-se já fora da corrida. Em declarações à Rádio Renascença e à Lusa, o atual líder parlamentar garantiu que não avançará. E o mesmo disse a eurodeputada à rádio Observador..O nome de Mariana Mortágua é o mais consensual entre a direção do Bloco de Esquerda, o que inclui a UDP (de onde provém Pedro Filipe Soares, que em 2014 chegou a disputar a liderança). Com a cúpula unida em torno de um nome, a oposição à atual direção dos bloquistas deverá ficar sobretudo por conta do movimento Convergência, que está já a preparar uma moção a apresentar à Convenção. Ao DN, o antigo deputado Carlos Matias diz que o objetivo passa por agregar as várias sensibilidades que não se reveem no rumo do partido, uma junção de esforços face a um contexto em que a "democracia interna tem sido muito mal tratada". "Este é um tempo de construção política. Vamos apresentar uma moção e da moção emergirá a lista de candidatos", diz este militante bloquista, que para já não quer falar em nomes - nem os próprios, nem o que já se desenha para suceder a Catarina Martins. Ainda assim, Carlos Matias deixa um aviso: para o partido recuperar "não basta mudar o rosto, é preciso mudar as políticas". .Catarina Martins anunciou que não será recandidata à liderança. "No Bloco não há períodos muito longos de funções como a coordenação. O que me fez decidir neste momento foi pensar que é agora que o Bloco deve começar a preparação da mudança política que já aí está", justificou a também deputada. "Neste tempo novo estarão os velhos fantasmas, os ódios racistas que são o retrato de uma política mesquinha e vão estar os poderes de sempre, como a oligarquia que se alimenta da especulação financeira e urbanística, e está também a certeza de que é preciso virar à esquerda", apontou Catarina Martins, falando numa renovação que vai "multiplicar a energia do Bloco.".Olhando para os anos em que liderou o partido, a coordenadora bloquista diz que foi uma década de "vitórias e derrotas", evocou os acordos à esquerda em 2015 e apontou baterias ao PS, defendendo que a maioria absoluta das últimas legislativas "veio mostrar que o PS nunca se conformou com este caminho e agora está mesmo a reverter algumas das medidas" tomadas no tempo da geringonça. Apontando a instabilidade da maioria absoluta, sustentou que a crise "multiplicada dentro do Governo e em choque com a luta popular é o sinal do fim de um ciclo político". Sobre o seu futuro, Catarina Martins recusou o famoso "vou andar por aí": "Estou aqui, sou daqui, o Bloco é o partido onde estou e vou estar em todas as lutas. É com muita confiança que olho para o futuro do meu partido". E afirmou uma "absoluta tranquilidade" de que há pessoas "com capacidade, força e preparação" para a substituir no cargo, esperando uma convenção com "soluções de unidade"..Em 2012, ainda o BE vivia a ressaca da estrondosa queda eleitoral de 2011, quando o nome da atual coordenadora surge como parte de uma surpreendente solução para a sucessão de Francisco Louçã. Catarina Martins, atriz, eleita deputada em 2009 (ainda como independente) e que era então uma figura ainda pouco conhecida dos portugueses, surge como um dos nomes de uma liderança bipartida protagonizada também por João Semedo. Na altura, tratou-se de uma solução de compromisso para acomodar as várias tendências do BE. João Semedo acabaria por sair dois anos depois, ficando Catarina Martins primeiro como porta-voz e mais tarde como coordenadora..Sobre os dez anos de liderança de Catarina Martins, José Gusmão, eurodeputado, lembra que a atual coordenadora assumiu essas funções "num dos momentos mais difíceis da história do partido, a derrota eleitoral de 2011", da qual o BE sairia "nas eleições seguintes" com um "momento determinante no conjunto dos mandatos" da atual líder - a "campanha eleitoral de 2015, em que a Catarina lançou pela primeira vez um desafio ao PS para um acordo que tirasse a direita do poder", avançando então, num debate televisivo com António Costa, um conjunto de condições para um entendimento. "Esse momento foi não apenas importante para a própria prestação do Bloco nessas eleições, em que teve um dos melhores resultados de sempre, foi também um precedente na esquerda e na democracia portuguesa", diz o eurodeputado, apontando como outro momento difícil os resultados das últimas legislativas. Agora, com esta "decisão individual" de não se recandidatar, José Gusmão sustenta que Catarina Martins deixa o BE "já num ciclo de recuperação política em relação às últimas legislativas"..Já entre os críticos, Carlos Matias sublinha o "justo reconhecimento" pelo "empenho" da coordenadora do BE, que foi o "rosto de dois ciclos": um primeiro até 2017/18, que não merece ao ex-deputado particulares reparos; e um segundo ciclo, posterior, em que o BE "tem vindo a esbater o seu projeto próprio, em nome de uma esperança de aliança" com o PS..susete.francisco@dn.pt