"Castelo de Beja" subiu ao topo da UE e levou reivindicações do Alentejo
Um grupo de cidadãos de Beja levou a Bruxelas as reivindicações de um Alentejo "há muito esquecido por sucessivos governos". Num momento inédito, no topo do edifício Berlaymont, sede do poder executivo da União Europeia, fizeram ecoar as vozes, cantando uma velha homenagem ao castelo da cidade que dá nome ao movimento que representam: Beja merece +.
"Nós queremos uma estrada que vá de Sines até Espanha, precisamos de um comboio que nos ligue novamente a Lisboa, e temos um aeroporto que já não custa nada e que está sem ação", disse o porta-voz do movimento, Florival Baioa, questionando "como é possível haver no país um aeroporto pronto para receber 1,5 milhões de viajantes, com estruturas industriais para fazer carga e descarga, e está abandonado".
Este antigo professor de História destacou também o facto de "ao longo dos séculos, o Alentejo nunca ter tido água. E, agora, por causa do Alqueva tem. Mas, pela falta de acessibilidades, não pode explorar todas as potencialidades" que a barragem "propicia".
A iniciativa partiu da eurodeputada social-democrata, Maria da Graça Carvalho, também ela oriunda da cidade de Beja, que convidou o grupo da sociedade civil a apresentar, no Parlamento Europeu, preocupações das quais ela própria partilha.
"O Baixo Alentejo tem sido uma região bastante esquecida, comparado com outras regiões de Portugal", afirmou a eurodeputada, em declarações aos jornalistas, à margem da iniciativa, através da qual pretendeu chamar a atenção não só "das instituições europeias", responsáveis por "parte das decisões", mas também para o governo nacional, que "deve decidir a outra parte".
"Há regiões onde as infraestruturas ainda são muito rudimentares e estão por acabar", salientou Maria da Graça Carvalho, considerando que "por vezes nem falta muito investimento, mas apenas o pouco que faz toda a diferença".
"Falta completar uma estrada, falta reforçar um hospital", apontou, como dois dos exemplos das reivindicações do grupo bejense, que já foi recebido pelo "Presidente da República, e até por todos os grupos políticos do Parlamento Português", mas nunca pelo governo, a quem atribui as derradeiras responsabilidades.
"Temos uma autoestrada que está pronta, - falta um pequeno troço para acabar a acessibilidade até Beja - não é inaugurada e por isso está sem ser utilizada e a população não percebe porquê", lamentou a eurodeputada, acrescentando que "em relação ao aeroporto, também não se percebe porque é que não se utiliza mais".
As reivindicações foram escutadas atentamente, na mais alta instância do poder europeu, por alguém que já as conhece e também as reivindica, como cidadão da cidade alentejana: o comissário europeu da Ciência, Investigação e Inovação, Carlos Moedas.
Moedas recebeu o grupo na sala reservada às mais ilustres visitas na Comissão Europeia. Foi no último andar do edifício sede do poder executivo da União Europeia, ao lado do gabinete do Presidente que o grupo composto por personalidades da sociedade bejense, mas também por artistas como António Zambujo, o duo Virgem Suta, Jorge Serafim, Paulo Abreu de Lima ou Bruno Ferreira, acompanhados por todos os outros, afinaram as vozes entoando uma velha cantiga alentejana, que homenageia um dos ex-libris da cidade: o Castelo de Beja.
O momento foi acompanhado pela rádio Voz da Planície, que integrou a comitiva.
Em declarações aos jornalistas, Carlos Moedas lamentou que "as pessoas que vivem o seu dia-a-dia [em Beja] não terem uma ligação decente ferroviária, não terem a auto-estrada pela qual lutámos anos e anos, tem um problema".
"Cada vez que vou a Beja vivo esse problema, ao passar dentro das cidades e ver ali as obras de uma auto-estrada que começaram a construir, mas depois não acabaram e isso é, obviamente, triste", lamentou, considerando que "Beja não merece isso".
O comissário considera que "num mundo tecnológico, em que não há fronteiras", destacou o papel da Europa que "tem feito muito para esbater esta diferença entre o interior e aquilo que são as capitais". Porém, "não foi feito o suficiente".
"No fundo, concentrando-nos muitas vezes onde a produção de riqueza é maior - como nas capitais do países, onde temos realmente os recursos e as universidades. Mas, esquecemo-nos que sem o resto do país, não podemos construir mais riqueza".
Sem "poder" criticar o governo, "por ainda ser um comissário europeu" e enquanto tal "não pode fazer qualquer comentário sobre os governos nacionais", Moedas lamentou a "falta de políticas nacionais", como "incentivos de uma nova fiscalidade que possa fazer com que as pessoas vão para o interior, ou de mais empresas e ligação com as universidades".
"Mas, obviamente que tudo são escolhas políticas, em Portugal como noutros países", completou, respondendo à questão sobre se as suas considerações eram uma afirmação de que o governo não têm feito o suficiente, para levar riqueza ao interior do país, nomeadamente ao Baixo Alentejo.
Outra das críticas que o grupo aponta é o desinvestimento na área da saúde, no Baixo Alentejo, a região que Pedro Vasconcelos, médico de família em Beja, compara a um dos seus dois filhos. "Todos sabemos que o apoio que devemos a cada um dos nossos filhos não é igual, o tempo todo e em algum momento algum vai precisar mais do que o outro", afirmou no Parlamento Europeu, para representar a atenção "que é devida" a cada um dos "diferentes "alentejos"".
"A dificuldade de recursos humanos é gritante, a dificuldade de investimentos, por mais que se diga que ela não existe, efetivamente, existe. Muitas vezes até em materiais que são de uso corrente", disse o médico, criticando "também a falta de uma estratégia global e pensada, para toda uma região", nomeadamente porque acredita que o investimento para o novo hospital em Évora "vai acentuar" o desinvestimento no Baixo Alentejo.
"Sendo indubitável que Évora precisa de um novo hospital, mas é um investimento de tal maneira vultuoso que é muito difícil - são 170 milhões de euros -, que este mesmo país tenha uma capacidade de investir, em atualização de equipamentos, de instalações, de incentivos a profissionais, nos restantes "alentejos" que não vão ser brindados com um investimento dessa monta".
Antes da receção na Comissão, os representantes do grupo "Beja merece mais" apresentaram os seus argumentos perante parlamentares de diversos quadrantes políticos, como eurodeputado socialista, de Évora, Carlos Zorrinho.
O deputado considerou que será necessária "mais obra mental", ou seja, mais reflexão, para ligar "Sines com o Alqueva, o Alqueva com os polos aeronáuticos, de Évora e Ponte de Sor, tudo isto com toda a infraestrutura que existe, em Beja, com os investimentos no solar e fotovoltaico em Alqueva, no turismo. E, ligando isto ao imenso património natural que é aquilo que faz a diferença para nós, que é o nosso património imaterial, a nossa identidade, a música (...) a nossa cultura e o nosso orgulho de sermos alentejanos".
Num momento raro, a acompanhar as reivindicações, no Parlamento Europeu ouviram-se vozes que entrelaçam o cante património imaterial da humanidade, com uma nova corrente cultural na região.
Os Virgem Suta abriram as hostes e António Zambujo, acompanhado por Buba Espinho completaram o espetáculo, que não se pode alongar além de uma canção por cada um, porque uma delegação alemã, já aguardava à porta daquela mesma sala, reservada para as 19:00, no Parlamento Europeu.
"Vá lá, estavam bem-dispostos com a voz do Zambujo e não disseram nada", comentou a eurodeputada Maria da Graça Carvalho, com ironia, por o encontro que terminou de forma informal e bem disposta ter desafiado a pontualidade dos alemães.