Castanhas
Este ano não tivemos castanhas. Não ia ser, desde logo, um grande ano. Com os castanheiros, é assim: um ano bom, um ano mau. O ano passado fora óptimo, se bem me lembro - este ia ser fraco.
Mas, entretanto, veio o Joaquim e reduziu a safra a um fim-de-semana. Abanou, abanou, abanou - e foi-se embora. Foi apenas mais um temporal, na verdade. Nem sempre guardamos os seus nomes. Mas este levou-me as castanhas todas, não podia esquecer-me dele.
O meu pai ainda me alertou, amainada a ventania:
- Olha lá, não terás o chão cheio de castanhas? Vão apodrecer.
Mas eu não tinha tempo naquela semana. Há semanas em que consigo arranjar tanto stress aqui como em Lisboa. E, quando lá fui conferir, estavam as castanhas todas podres - nem uma delas em cima da árvore.
- Também, nunca tens tempo... - deplorou o meu pai.
E, num certo sentido, é uma reivindicação justa. Por isso me incomoda.
Passaram-se Outubro e o Pão--por-Deus. O Rómulo falou connosco, a ver se podíamos contribuir para a Festa da Castanha. Nada. Tinham-se ido todas, as minhas como as do meu pai.
Houve castanhas à venda na Praça Velha, e os angrenses fotografavam-se enquanto as comiam, para publicar no Facebook: "Quentes e boas!" Felizmente, o Joaquim não deu cabo das castanhas a toda a gente. Mas eu nunca tive tempo de parar.
No fim, comi duas ou três, que recolhi por desfastio junto à horta, no segundo dia do temporal. Pus--me a adiantar um texto enquanto as cozia, esqueci-me delas e acabei por assá-las, o que diz tudo. Quando anteontem uma vizinha me disse que ia celebrar o São Martinho, até fiquei surpreendido. Imaginei que o São Martinho tivesse passado há uma eternidade.
O comércio de Natal anda a desacertar muito isto. Num ano em que não há castanhas, então é que eu não sei mesmo a quantas ando.