Rejeitando o envolvimento do caso das gémeas luso-brasileiras, o gabinete do primeiro-ministro informou que "encaminha o expediente recebido para o ministério relevante, neste caso a Saúde", o que fez a 5 de novembro de 2019..A informação surgiu em comunicado, enviado na terça-feira à TVI/CNN, na sequência da polémica que envolve o Presidente da República no caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria para a atrofia muscular espinal. Já esta quarta-feira, António Costa, afirmou que as "entidades competentes estão a fazer averiguações que são necessárias", referindo-se às que estão a ser desenvolvidas pelo Ministério Público e Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. "Aguardemos essas informações", afirmou hoje aos jornalistas.."À semelhança do que se faz habitualmente, o gabinete do primeiro-ministro encaminha o expediente recebido para o ministério relevante, neste caso a Saúde, tendo-o feito em 5 de novembro de 2019, data em que informou, através do mesmo expediente, os interessados sobre o encaminhamento dado", refere o comunicado do gabinete do chefe do Governo, enviado na terça-feira à TVI/CNN..No documento enviado à estação de Queluz de Baixo, é ainda referido que "o procedimento adotado pelo gabinete do primeiro-ministro neste caso foi exatamente o mesmo que adota em todas as outras comunicações"..Já hoje, em declarações aos jornalistas, Costa reiterou a informação que consta do comunicado. "Relativamente ao que diz respeito ao meu gabinete, já confirmamos, recebemos um comunicado da Casa Civil da Presidência da República, entre muitas outras que recebemos e fazemos o que habitualmente fazemos com esse expediente, há um reencaminhamento para os ministérios competentes em razão da matéria", sublinhou, sem querer fazer mais comentários ao caso..De acordo com a CNN, que teve acesso à correspondência que São Bento enviou para o Ministério da Saúde, o gabinete do primeiro-ministro reencaminhou para a tutela seis ofícios recebidos pela Presidência da República a 5 de novembro de 2019, sendo que um deles, era sobre o caso do tratamento das gémeas. Ainda de acordo com a CNN e a TVI não terá chegado diretamente a São Bento nenhum pedido dos pais das gémeas, sendo que o processo foi iniciado através da casa civil da Presidência da República..Segundo a TVI, a primeira consulta das gémeas terá sido solicitada por um secretário de Estado à diretora do Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria..Perante esta notícia, o ex-governante António Lacerda Sales afirmou na terça-feira que nenhum secretário de Estado tem poder para marcar consultas e influenciar ou violar a consciência e a autonomia de qualquer médico..Ex-secretário de Estado da Saúde na altura dos acontecimentos, Lacerda respondeu desta forma à Lusa sobre o seu alegado envolvimento no caso das gémeas luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma - um dos mais caros do mundo - no Hospital Santa Maria, em Lisboa..António Lacerda Sales disse que "nenhum secretário de Estado, nem ninguém, tem poder para marcar consultas, nem para influenciar ou violar quer a consciência quer a autonomia de qualquer médico"..Sublinhou ainda que "seria muito mau até que qualquer médico, no seu compromisso ético, se deixasse influenciar por alguém exterior à instituição ou por qualquer entidade exterior à instituição"..Antes, Marta Temido, ministra da Saúde na altura, assegurou, em entrevista ao Público e à Renascença, não ter existido qualquer contacto com o Presidente da República sobre este caso, referindo que o chefe de Estado encaminhou para o Governo outros casos, um procedimento "habitual".."Não tive qualquer contacto com o Presidente da República relativamente a este caso, nem dei qualquer orientação sobre o tratamento destas crianças", afirmou a ex-governante..Também na terça-feira, o Ministério da Saúde manifestou-se "obviamente" disponível para prestar informação..O secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre, rejeitou fazer comentários sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal, apontando que o Ministério está "obviamente e como sempre esteve" disponível para colaborar na investigação.."O Ministério da Saúde está, obviamente e como sempre esteve, disponível para prestar toda a informação que lhe seja solicitada pelas autoridades competentes", disse Ricardo Mestre. "Essa situação está a ser investigada pelas entidades competentes", referiu..Entretanto, ficou a saber-se que os médicos do Hospital Santa Maria que escreveram ao diretor clínico em outubro de 2019, quando o caso das gémeas luso-brasileiras foi analisado, defendiam que era preciso coragem para definir limites e repensar prioridades na atribuição de tratamentos caros..Na missiva, a que a Lusa teve acesso, os médicos do departamento de Neuropediatria do Santa Maria, em Lisboa, nunca abordaram diretamente o caso destas duas crianças nem se estas cumpriam ou não os critérios clínicos para receberem o tratamento para a atrofia muscular espinal que na altura custava dois milhões de euros por doente..Lembrando que as escolhas nunca são fáceis, mas que é fundamental medir o seu impacto, lembram as dificuldades económicas com que Portugal tem sido fustigado nos últimos anos, que obrigaram a controlar os gastos públicos, e os esforços do pessoal de saúde para que o Serviço Nacional de Saúde respondesse aos cidadãos..Nesse sentido, recordam que diariamente vêm ilegalmente a Portugal pessoas cujo único propósito é receber cuidados de saúde gratuitos, sublinhando que se estão a referir não a migrantes a aguardar legalização, mas a pessoas com vida estável nos países onde vivem e que viajam apenas para investigação diagnóstica e tratamento, por reconhecerem a qualidade dos serviços prestados e que ninguém é excluído do sistema..Dão igualmente como exemplo o nascimento de crianças de países terceiros que, após o parto, rastreios e vacinas, regressam aos países de origem..O advogado da família das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria para a atrofia muscular espinal recusou a existência de qualquer 'cunha' e salientou que o acesso das crianças ao tratamento até foi dos casos mais demorados.."É importante que levantem todo o tempo das mais de 30 crianças já medicadas com esse medicamento em Portugal... As minhas clientes foram as que tiveram maior tempo de espera, exatamente pela complexidade do caso e de serem crianças que vinham de fora. Quando se fala em cunha imagina que tem de ser uma vantagem e não houve nada nesse sentido, pelo contrário. Tivemos um tempo de espera maior do que o normal", disse Wilson Bicalho..De acordo com o advogado, as crianças receberam o tratamento em junho de 2020, sendo que a autorização do Infarmed para o uso do medicamento Zolgensma -- um dos mais caros do mundo -- terá chegado, segundo a TVI/CNN, no dia 03 de março, apenas dois dias úteis depois da submissão do pedido, em 29 de fevereiro..Em declarações à Lusa, o advogado realçou também que ninguém da família conhece o filho do Presidente da República, um dia após Marcelo Rebelo de Sousa ter revelado que teve conhecimento do caso através de um e-mail enviado em 21 de outubro de 2019 pelo filho, Nuno Rebelo de Sousa, e que a correspondência envolvendo a Presidência da República cessou dez dias depois, garantindo desconhecer o seguimento dado ao caso.."Em momento algum [falaram com Nuno Rebelo de Sousa]. [A família] nem sequer conhece o filho do senhor Presidente da República", frisou..Marcelo sobre caso das gémeas: "O meu filho enviou-me um email"."Sobre a questão do filho do presidente de Portugal, não podemos falar absolutamente nada, porque não temos a menor noção. Não posso falar no nome dele, não nos foi apresentado, não o conheço pessoalmente e não sei o que pode ou não ter passado. O que posso adiantar é que o caso dessas miúdas foi um caso de comoção nacional no Brasil, seguido por mais de 50 mil pessoas simultaneamente. Não me causa espécie que isso seja um assunto falado de boca em boca entre pessoas e possa chegar ao conhecimento de alguém", disse Wilson Bicalho..O advogado assegurou ainda que a família enviou e-mails "para os mais diversos centros de Portugal e não era opção contentar-se com um não", pois achava ter direito ao tratamento, uma vez que as crianças teriam obtido a nacionalidade portuguesa antes do diagnóstico..Segundo Wilson Bicalho, o processo de naturalização iniciou-se em abril de 2019 e o diagnóstico de atrofia muscular espinal apenas terá ocorrido "em setembro ou outubro", já depois de o processo ser validado em Portugal..Confrontado com as investigações em curso do Ministério Público e da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, o advogado assegurou que "a família está disponível" para dar esclarecimentos e reforçou que "é do interesse da família que seja contactada por todo e qualquer órgão que esteja a investigar o assunto"..Apesar de indicar que a mãe das crianças luso-brasileiras está disponível para vir prestar declarações, Wilson Bicalho vincou, contudo, que a família "está sem condições psicológicas" para viajar neste momento para Portugal..Na segunda-feira, o Presidente da República confirmou que o seu filho o contactou sobre as gémeas residentes no Brasil com atrofia muscular espinal e defendeu que o tratamento dado ao caso foi neutral e igual a tantos outros..Numa declaração no Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa deu conta da correspondência na Presidência da República sobre este caso, em 2019, que começou com um email que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, lhe enviou, elementos que disse terem sido remetidos para a Procuradoria-Geral da República (PGR)..Segundo o chefe de Estado, o que "fica claro é que o Presidente da República Portuguesa, perante uma pretensão de um cidadão como qualquer outro, dá o despacho mais neutral e igual a que deu em 'n' casos", sem que tenha havido "uma intervenção do Presidente da República pelo facto de ser filho ou não ser filho".."Perguntarão: e depois de ter ido à presidência do Conselho de Ministros? Isso não sei. Não sei, francamente, como é que foi o que se passou a seguir, não tenho a mínima das ideias", acrescentou..O caso das gémeas foi revelado numa reportagem da TVI, transmitida no início de novembro, segundo a qual duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinal, que custou no total cerca de quatro milhões de euros..Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso..O caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e é também objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria..Com Lusa