Caso EDP: Juíza que foi casada com quadro do GES apresenta pedido de escusa

As defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho revelaram que o ex-marido da juíza Margarida Ramos Natário recebeu 1,2 milhões de euros via 'saco azul' do GES. Cabe agora ao Tribunal da Relação avaliar se a magistrada vai continuar no julgamento.
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A juíza-adjunta do julgamento do Caso EDP que foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES) apresentou esta segunda-feira um incidente de escusa para que o Tribunal da Relação decida se deve continuar no coletivo. Até lá, julgamento prossegue.

Antes de se iniciar a sexta sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa - e após saber-se, ta,bém esta segunda-feira, que as defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho apresentaram um requerimento para que a juíza avalie a sua imparcialidade, avançando que o ex-marido de Margarida Ramos Natário terá recebido 1,2 milhões de euros através da sociedade ES Enterprises, considerado o 'saco azul' do GES - a magistrada decidiu anunciar o pedido à Relação.

"Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz, não que considere que tenha mudado muita coisa. Perante as notícias que têm saído desde quinta-feira, acho que se impõe que suscite de modo próprio o incidente de escusa e que a Relação decida. Fá-lo-ei, não porque considere que algo mudou", afirmou Margarida Ramos Natário.

De seguida, a presidente do coletivo de juízes, Ana Paula Rosa, esclareceu que o processo tem "natureza urgente" e que, por isso, os trabalhos do tribunal iriam prosseguir. O advogado do ex-governante, Ricardo Sá Fernandes, vincou também que, se a Relação validar o pedido de escusa, os trabalhos já realizados no julgamento não devem ser anulados.

De acordo com o requerimento das defesas de Manuel Pinho e Alexandra Pinho submetido ao tribunal, a que a Lusa teve acesso, António Miguel Natário Rio Tinto, ex-marido da magistrada que integra o coletivo deste julgamento, "foi remunerado através de uma conta sediada no estrangeiro titulada pela Enterprises Management Services Ltd., que, segundo a acusação, constituía o 'saco azul do GES'", enquanto era quadro superior da instituição liderada pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado.

"Foi por essa mesma conta que, segundo a acusação, foi remunerada a Tartaruga Foundation de que era beneficiário o arguido Manuel Pinho (...), ou seja, o mecanismo utilizado para efetuar pagamentos no estrangeiro ao arguido Manuel Pinho e ao Eng.º Rio Tinto é precisamente o mesmo", lê-se no documento, acrescentando que estes pagamentos, por regra, não eram declarados fiscalmente.

Os advogados Ricardo Sá Fernandes e Manuel Magalhães e Silva - que representam Manuel Pinho e Alexandra Pinho, respetivamente - asseguraram ainda que terão existido outros pagamentos ao ex-marido da juíza, feitos através do Banque Privée por outras empresas do Grupo Espírito Santo (GES), embora descartem qualquer juízo de valor sobre a conduta de António Miguel Natário Rio Tinto.

Apesar de defenderem que "não se põe em causa a idoneidade" da juíza-adjunta e que "não se duvida que a mesma julgue genuinamente que pode participar no julgamento com inteira imparcialidade", as defesas deixaram um alerta para a forma como esta situação pode ser percecionada pelos cidadãos.

"A questão resume-se ao risco de, a partir da factualidade em causa, se gerar uma suspeita sobre a imparcialidade, objetivamente apreciada, da Dra. Margarida Ramos Natário, ditada por circunstâncias de que a meritíssima Juíza até se pode ainda não ter apercebido, mas que são suscetíveis de lançar essa dúvida para um observador externo, o que é atendível à luz de um critério de transparência e isenção que a comunidade dos cidadãos -- o povo -- tem direito a ver respeitado", vincaram.

As defesas citaram também declarações da juíza no âmbito de outro processo judicial, no qual Margarida Ramos Natário testemunhou que se divorciaram em agosto de 2014, mas continuaram a viver em união de facto e que o divórcio teria ocorrido por "precaução" e para "salvaguarda dos filhos", pelo que "dividiram património" face à situação que se vivia então no BES, com o colapso do banco.

O caso foi revelado na passada quinta-feira pela SIC e pelo jornal Público, que adiantaram que Margarida Ramos Natário foi casada durante vários anos com António Miguel Natário Rio Tinto, atualmente a trabalhar no Dubai, mas que no passado desempenhou diferentes cargos em diversas entidades do GES - como a ES TECH Ventures SGPS e a Espírito Santo Informática -, chegando em 2014 a administrador no Novo Banco.

Questionado sobre a situação, o Conselho Superior da Magistratura explicou então que a juíza "não pediu para sair do processo" e que considerou que "não há nenhum impedimento", numa decisão que contou com o apoio do juiz presidente da comarca de Lisboa, Artur Cordeiro.

O julgamento do Caso EDP continua esta segunda-feira com a sexta sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa, estando previstas as declarações da mulher do ex-ministro da Economia, Alexandra Pinho.

Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.

O advogado de Manuel Pinho considerou esta segunda-feira que o pedido de escusa da juíza-adjunta Margarida Ramos Natário para julgar o Caso EDP "se impunha", após se saber que o ex-marido foi quadro superior do Grupo Espírito Santo (GES).

Ricardo Sá Fernandes vincou que o requerimento apresentado por si e pela defesa de Alexandra Pinho para que a magistrada avaliasse a sua imparcialidade -- e no qual revelaram que António Miguel Natário Rio Tinto terá recebido 1,2 milhões de euros através da sociedade Enterprises, designada como 'saco azul' do GES -- foi "a favor da honra" da juíza.

"Acho que a juíza respondeu bem e que o pedido de escusa se impunha. Vamos aguardar pelo que a Relação vai decidir. Temos uma situação delicada, porque os factos são delicados. Estamos a julgar Manuel Pinho por recebimentos feitos através de uma conta de uma empresa do grupo GES pela qual se faziam pagamentos que não se pretendiam que fossem declarados... E apurou-se que por essa mesma conta o marido da juíza recebia também", explicou.

Ricardo Sá Fernandes assegurou ainda não colocar em causa a idoneidade de Margarida Ramos Natário, mas notou que "as coisas são o que são".

"A justiça tem de se organizar em termos de transparência e isenção, as pessoas têm de ter essa perceção. A posição da juíza é muito correta e espero que haja uma decisão célere. (...) É importante que este julgamento seja feito sem fumo de suspeita", disse.

Magalhães e Silva, advogado da mulher do antigo ministro da Economia, assumiu ter-se sentido tranquilo com a sua cliente a prestar declarações perante a juíza-adjunta e reiterou que a decisão vai passar pelo Tribunal da Relação.

Francisco Proença de Carvalho, mandatário do ex-banqueiro Ricardo Salgado, evitou alongar-se em comentários sobre esta matéria.

"Acho compreensíveis as razões apontadas pelos meus colegas e não posso dizer mais nada, eles é que subscreveram o requerimento e nós temos a nossa estratégia", referiu.

Questionado pela Lusa, o Conselho Superior da Magistratura confirmou apenas a apresentação do pedido de escusa e que a juíza vai continuar no julgamento até que haja uma decisão, esclarecendo que a Relação "dispõe de um prazo de 30 dias" para decidir sobre a escusa.

Margarida Ramos Natário abriu a sessão desta segunda-feira com a apresentação do pedido de escusa para que a Relação decida sobre a sua continuidade, na sequência das notícias que ligam o seu ex-marido ao GES, apesar de considerar que não mudou a sua capacidade para continuar no julgamento. "Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz", notou.

Durante a primeira parte da sessão desta segunda-feira do julgamento, Alexandra Pinho assegurou que nunca foi beneficiária das sociedades 'offshore', limitando-se a movimentar a conta enquanto Manuel Pinho estava no Governo por instrução do marido.

"Era a única relação que tinha com essa conta. Era o poder movimentar, por ser necessário ao meu marido que eu fizesse os movimentos. Ele é que dava as instruções, que eu transmitia telefonicamente [ao gestor de conta]", referiu, preferindo que fosse Manuel Pinho a responder sobre a razão de não movimentar diretamente a conta da Tartaruga Foundation.

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