Casas
Todos os dias me detenho a olhar as casas. Gosto de imaginar os seus interiores. A respiração das suas famílias. O modo como dialogam com aquelas paredes - com as histórias que acumu-lam, com os tempos que testemunharam.
É uma das melhores razões para se viver num lugar que foi rico e empobreceu. Na Terra Chã, há de tudo. Há quintas sumptuosas, de antes da mosca da fruta, e um bairro social que envergonha qualquer elite. Há casinhas modestas mas pitorescas, cujos proprietários tornam a caiar na Primavera, e há construções recentes, com todos os graus de bom-gosto, à medida de uma classe média que perdeu o rendimento mas não o sonho.
Há pequenos milagres da arquitectura, aberrações inesquecíveis, casas que se embelezam para receber os turistas, durante o Verão, e até algumas que amuam a um canto há décadas, com um letreiro de uma imobiliária falida.
Todas elas têm mais dignidade do que as casas em que me venho detendo agora: as casas de passagem, digamos assim - as casas para casais recentes, formados a partir da dissolução de outros casais ainda, e que se instalam, saem a reconhecer as redondezas e se dissolvem eles próprios.
Já as conheço - só aqui à volta, há duas ou três. De vez em quando encontro um rosto conhecido na venda e ouço a sua história:
- Agora vivo aqui. Separei-me e estou com outra pessoa.
Ao fim de uns meses, às vezes uns dias, a casa fica sozinha.
São casas de paredes descascadas e quintais ao abandono. Não chegam a conhecer tinta ou jardinagem: os seus habitantes vêm destroçados pelo que se desmoronou e, ao mesmo tempo, já suspeitam de que aquele não é o caminho.
Ninguém chega a sonhar nessas casas, e essa desesperança inscreve-se-lhe na pele.
Às vezes ocorre-me salvar uma. Mas essas casas não têm salvação. Já ninguém poderá ser feliz dentro delas.