"Casa-se também com a CUF?"
Manuel de Mello nasceu em 1895, era o terceiro filho do 2.º conde do Cartaxo, Jorge de Mello, e de Maria Luísa de Lima Mayer, duas família tradicionais e já ligadas aos negócios. Era um período conturbado na história de Portugal. Assistiu ao regicídio; participou, enquanto moço fidalgo, na aclamação do último rei de Portugal, D. Manuel II; assistiu à implantação da República; lutou na Primeira Guerra Mundial e assistiria ao segundo conflito mundial. A instabilidade política esteve presente em vários momentos da sua vida. E com ela teve de se confrontar na liderança da CUF.
Aquela que foi a maior empresa industrial portuguesa antes do 25 de Abril entrou na sua vida por via do casamento com Amélia da Silva, filha única de Alfredo da Silva, o empresário que fundou a CUF e que não tinha filhos varões para a sucessão. "Impetuoso e agressivo na sua faceta empresarial, mas convencional quanto baste nos assuntos familiares, não poderia deixar o casamento da sua única herdeira às incertezas do acaso. A eleição do genro deverá ter sido objecto de um atento escrutínio. Este processo de avaliação amadureceu serenamente, tendo em conta que o namoro se prolongou por mais de dois anos", escreve Miguel Figueira de Faria na biografia dedicada a Manuel de Mello, agora lançada pelas Edições Inapa.
No ajuste das condições do casamento, Alfredo da Silva terá, então, proferido a célebre frase: "Casa-se também com a CUF?" Esse era, para Alfredo da Silva, um dos principais objectivos do casamento da filha. E assim foi. Não só casou com Amélia, como se casaria definitivamente com a Companhia União Industrial. Entrona CUF antes do matrimónio. Tinha 23 anos e recebia um ordenado de 200 escudos. "Manuel chegaria ao altar já como administrador da empresa". Casaram com separação total de bens e rendimentos presentes e futuros a 28 de Maio de 1919.
Desta união vão nascer quatro filhos. A primeira, Maria Cristina, em 1920, seguindo-se um ano depois Jorge e em 1922 Amélia. José Manuel, quarto e último filho do casal, só nasceria em 1927. Jorge e José Manuel garantiram a sucessão de Manuel de Mello, que acabou por ficar para a história com um papel diminuído , de transição entre Alfredo da Silva e os netos, Jorge e José Manuel. Miguel Figueira de Faria quis repor a condição de grande empresário a Manuel de Mello. "Foi injustamente esquecido" e pretende-se com este livro "tornar visível um elo invisível". Afinal foi com ele que o apelido Mello se tornou sinónimo de empreendedorismo.
Exílio de Alfredo da Silva
Foi Manuel de Mello que comandou a CUF, ainda que sob olhar atento do sogro, no período em que Alfredo da Silva teve de se exilar fora do país, com o fim da governação de Sidónio Pais, que tinha apoiado. Manuel de Mello sentia-se bem a comandar a empresa, ainda que pretendesse mais autonomia.
"Pouco sabemos sobre o papel de Manuel de Mello no período de ausência de Alfredo da Silva, de Portugal (...). A correspondência trocada entre Manuel de Mello e o sogro neste período mantém-se desconhecida". Sabe-se que Manuel de Mello foi por várias vezes a Madrid e Paris dar conta da evolução dos negócios e receber instruções. "O industrial queixava-se, frequentemente, de que os negócios da CUF corriam mal" e dizia "a CUF precisa de mim". Por isso, arrisca a vinda a Portugal num período mais conturbado. Segundo a biografia, "Alfredo da Silva não prescindia da liderança nem tão-pouco deixava transparecer que Manuel de Mello pudesse, de algum modo, suprir a sua ausência". Alfredo da Silva regressou em 1927. "Rotinado na ausência do sogro desde 1920, o contexto da sua acção seria agora diferente, retomando práticas precocemente interrompidas logo após a sua entrada para a empresa. Manuel tinha, agora, 32 anos e havia ganho uma inevitável autonomia". No entanto, sogro e genro não entraram em conflito. Pelo contrário, a crise que se iniciava no grupo CUF solidificou um clima de solidariedade entre ambos. "A essência telúrica, impetuosa e intuitiva de Alfredo da Silva encontrava no carácter reservado (prudente), observador e diplomático de Manuel de Mello o melhor complemento." Passaram por vários apertos lado a lado e por isso quando Alfredo da Silva foi sendo tolhido pela doença, Manuel de Mello com naturalidade foi assumindo a liderança do grupo. Alfredo da Silva morreu em Agosto de 1942. Manuel de Mello fez por nunca se esquecer a importância do industrial. Em Março de 1943, assumia plenos poderes na CUF e não teve tarefa fácil, com sucessivas greves motivadas já por questões políticas, mas também por paragens na produção motivadas pela escassez de matérias-primas no decurso da Segunda Guerra Mundial. Manuel de Mello despediu funcionários, mas também foi ele que propôs aumentos salariais. "Terminada a guerra, as actividades do quadrado empresarial do grupo correspondia, assim, a uma fase de prometedor crescimento. Como manifestação de um novo conceito de gestão, Manuel de Mello iria introduzir algumas alterações na organização do grupo" e "iniciou um processo de transformação tecnológica, tendo em vista prosseguir a diversificação da sua produção industrial". Manuel de Mello alargou o espectro de acção do grupo. 15 anos à frente da CUF, tinha desenvolvido a área de transportes, ampliando a Sociedade Geral, criando a Soponata, lançando um conglomerado para a navegação aérea (incluindo a fundação da TAP), adquirindo a Companhia Nacional de Navegação. Na indústria, lançara a União Fabril do Azoto, a União Fabril Farmacêutica, renovara a concessão da Tabaqueira. Transformara a Casa Bancária José Henriques Totta em banco.
E já introduzira os filhos na administração do grupo, e a eles "cede o passo", lembra Miguel Figueira de Faria. Por personalidade, mas também porque a doença de Parkinson atravessou-lhe o caminho. O ano de 1958 acabaria por trazer-lhe maiores dissabores. No espaço de três meses, morreram o irmão mais velho, a mulher - cujo nome ligou-o a uma fundação - e a mãe. "Manuel nunca mais abandonara o luto." O grupo CUF continuou a crescer, já com uma presença reforçada dos dois filhos. A Lisnave foi o último projecto empresarial a que o nome de Manuel de Mello ficou ligado.
Faleceu em Outubro de 1966, deixando uma mensagem de união. "Que se mantenham sempre amigos, protegendo-se e ajudando-se mutuamente e unidos mantenham a obra do vosso avô, como eu sempre procurei fazer o melhor que soube e pude."|