Casa de Garrett teve propostas de classificação

Publicado a
Atualizado a

Após a morte de Almeida Garrett, a 9 de Dezembro de 1854, Gomes de Amorim, seu dedicado amigo e biógrafo, manifestava o desejo "de se conservar intacta" a última casa do escritor, "constituíndo-se, assim, um Museu Garrett". Ao longo de 150 anos, outras propostas de idêntico alcance se produziriam, nelas se incluíndo a da sua classificação. Em vão, como podemos constatar desprovida de qualquer protecção, como o está quase toda a arquitectura corrente de Oitocentos em Portugal, a última casa de Garrett, na Rua Saraiva de Carvalho, a Campo de Ourique, não só não foi reconhecida nos nossos dias, como volta a conhecer, de forma recorrente, a ameaça de uma perda irreversível.

Num extenso artigo publicado, em 1939, na revista Olisipo - "Casas onde, em Lisboa, residiu Almeida Garrett" -, Henrique de Campos Ferreira Lima recorda algumas dessas propostas, que redundariam numa sucessão de oportunidades perdidas. A par da de Gomes de Amorim, que conhecia a casa melhor que ninguém e dela deixou pormenorizadas descrições, "também o ilustre escritor João Grave se referiu à sua adaptação a museu" na revista Atlântida, de 1916. Antes, porém, escreve Ferreira Lima, "por várias vezes foi apresentada a sugestão" para que a última casa de Garrett "fosse considerada monumento nacional" em 1874, em 1881 (neste caso por proposta da Real Associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses), em 1900, em 1904. Pelas vicissitudes da sua vida e "gosto pelas mudanças", Garrett residira em várias casas, escreve Ferreira Lima, mas foi por esta, "supondo que, talvez, seria aquela onde por mais tempo se fixaria, que teve maiores preocupações, sucedendo-se as cartas com minuciosas instruções" sobre a forma como pretendia vê-la decorada. Circunstância que Gomes de Amorim, uma vez mais, registou passo a passo.

quadro recorrente. No início dos anos 70, o Diário Popular desencadeava uma campanha em defesa do imóvel, ameaçado de demolição para dar lugar a "prédios modernos de habitação", então no quadro de "um plano camarário" "Destruir a casa onde Garrett morreu é atentar contra a sua memória", lembrava o jornal, num período em que o betão armado estava já "a invadir tudo, como a chaga que revela a doença, a febre do lucro, a miragem de um progresso deslizando na má direcção".

A 22 de Setembro de 1971, uma reportagem de Maria Armanda dava conta dos usos dados à casa do escritor a Manalco - Manufactura de Confecções adquirira o edifício em 1961 e os seus funcionários viam-se agora a braços com uma transferência para fora de Lisboa. Seguia-se um inquérito, de absoluta actualidade: Palma Carlos defendendo a sua conversão em casa-museu e centro de estudos do século XIX, com o aplauso de Ferreira de Castro e de Amélia Rey-Colaço; José Gomes Ferreira lembrando como, em Sevilha, "não havia casa ou recanto a que Cervantes se tivesse referido nas Novelas Exemplares que não estivesse marcado com uma lápide evocadora"; José-Augusto França sublinhando a conveniência de "estudar a possibilidade de obter da Universidade de Coimbra, detentora do rico espólio literário e documental de Garrett, o seu depósito" na há muito sonhada casa-museu.

O futuro da última casa de Almeida Garrett deverá ser analisado amanhã, em reunião do Conselho Consultivo do Ippar, no que poderá constituir uma derradeira oportunidade para a salvar.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt