Carta aos soldados da informação
Soldados à nossa maneira, fiéis à missão de informar, os jornalistas nem sempre são poupados em cenário de conflito armado. Por esse motivo, no longínquo 27 de dezembro de 2006 as Nações Unidas revisitaram o tema e aprovaram uma resolução para proteger jornalistas de guerra. O Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade uma resolução que protege e salvaguarda os direitos dos jornalistas, profissionais dos media e pessoas associadas que trabalham em áreas de conflito armado. Esta foi a primeira resolução específica sobre jornalistas que trabalham em quadro de guerra. Face à insegurança crescente no mundo dos media, na época foi importante que as Nações Unidas relembrassem aos Estados as suas obrigações. O problema é quando os Estados envolvidos, propositadamente, ignoram as regras internacionais e, tantas vezes, sem qualquer penalização.
A Resolução 1738, aprovada nessa altura, estabelece que os profissionais dos media que fazem a cobertura dos conflitos armados "devem ser respeitados e protegidos como civis". O seu equipamento e instalações são considerados "alvos civis" e "não devem ser atacados ou sofrer represálias". A mesma resolução da ONU apela ainda ao "respeito à independência profissional e aos direitos" destes trabalhadores. O Conselho de Segurança, ao abrigo da lei internacional e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, exigiu que "todas as partes dos conflitos armados cumpram as obrigações determinadas por lei", incluindo proteger todos os civis e punir infratores. Não se ficou por aqui e condenou também "todos os atos de violência, incluindo ataques intencionados" contra os profissionais dos media, responsabilizando as partes envolvidas do conflito e apontando a necessidade de "julgar os responsáveis".
O Conselho de Segurança - o mesmo ao qual hoje pertence a Rússia - sublinhou então a forte preocupação perante "a frequência dos atos de violência contra jornalistas e associados". Segundo o Comité Internacional de Proteção aos Jornalistas (CPJ), só nesse mesmo ano em que foi aprovado o documento pela ONU tinham morrido, em exercício de funções, 55 profissionais desta área, 32 dos quais no Iraque. Que herança querem a Ucrânia e a Rússia deixar aos seus/nossos filhos, nesta matéria?
A morte de mais um camarada, na função de repórter fotográfico, chocou ontem o mundo. O americano Brent Renaud, 51 anos, perdeu a vida ao ser atingido pelas forças russas. Tropas de Putin atingiram a tiro o veículo onde seguia, perto de Irpin. Um outro jornalista, Juan Diego Herrera Arredondo, que seguia com Renaud, foi atingido pelos tiros e levado ao hospital. O vencedor do prémio World Press Photo conta que estavam "a atravessar a primeira ponte em Irpin para ir gravar com outros refugiados a sair, íamos a conduzir um carro que alguém nos ofereceu para nos levar para a outra ponte. Atravessámos o posto de controlo e eles começaram a atirar sobre nós", explicou num vídeo enquanto estava numa maca no hospital Okhmatdyt. "O meu amigo Brent Renaud foi baleado no pescoço e deixado para trás e separámo-nos", relatou.
A morte do jornalista Renaud foi entretanto confirmada pela polícia de Kiev, culpando as tropas russas. Os Estados Unidos já reagiram. Em entrevista à CBS News, o conselheiro norte-americano para a Segurança Nacional, Jake Sullivan, garantiu que a administração de Biden tomará as "medidas apropriadas" em relação à morte de um cidadão norte-americano.
Mais um triste acontecimento que vem alimentar a escalada de tensão entre a Rússia e a América. Numa altura em que Vladimir Putin parece brincar às operações armadas mesmo nas barbas (ou nas fronteiras) dos países da NATO, esta ameaça à vida dos jornalistas e à liberdade de imprensa faz tremer ainda mais a atual e futura relação de Moscovo com o resto do mundo democrático ocidental.
Uma palavra final de incentivo a todos os colegas que estão no terreno e uma nota especial de apoio ao Pedro Cruz e ao André Luís Alves, enviados especiais a Kiev, cujas imagens e reportagens podem ser acompanhadas todos os dias na edição em papel do DN e a todo o momento em dn.pt.