Carolina Salgado. Lições, livros, Big Brother e o anonimato
Não será bem um caso de cherchez la femme, mas talvez mais, porventura, dirão os maldosos, de xexé e fêmea, tão numeroso e tão vasto - e tão estrelejante - tem sido o plantel amoroso com que o Dragão dos Dragões nos vem brindando no dealbar da sua existência, "uma vida de muito amor", nas enternecedoras palavras da revista Flash!, de 25/8/2022. Antes da actual companheira (bancária e Cláudia, 40 anos mais nova, apresentada aos sócios no Jantar de Natal da Comissão de Apoio à Recandidatura de Pinto de Costa, Dezembro 2017, e matrimoniada há pouco), houve Sílvia, amor antigo, tão fugaz como as tulipas, que fez o intermezzo entre a primeira mão de Fernanda, época 2012-2016, e a segunda, toda disputada em 2017, em dobradinha idêntica à de Filomena, ex-secretária com quem o Don Juan da Invicta foi casado duas vezes (antes da celebração do segundo enlace, e como convém, Jorge Nuno e Filomena desistiram de cerca de duas dezenas de acções judiciais que tinham interposto um contra o outro, mas nem isso pouparia Filomena do fatal destino: "Foi um balde de água gelada. Nunca houve uma conversa. Deixou-se fotografar em público com outra pessoa e saiu de casa. Soube que nos tínhamos divorciado ao mesmo tempo que toda a gente. Separou-se sem eu saber. Não sei como é possível uma pessoa ir a tribunal e a outra nem ser notificada?", Record, 10/1/2015). Houve também uma Liza, "brasileira de curvas perigosas que, durante o Verão, foi fotografada a fazer massagens ao presidente do FC Porto" (Flash!, cit.) e que, segundo a própria, vive agora "na miséria", isto apesar de o massajado, diz ela, ter prometido que lhe pagava a faculdade no país-irmão, além de uma pensão de alimentos. Para casar com Fernanda, 50 anos mais nova, o dirigente portista chegou até a deslocar-se ao terreno do adversário, mais propriamente a Touros, Rio Grande do Norte, terra natal da noiva, rica em areias quartzosas (a terra, não a noiva) e que, no cadastro agrícola de 2012, contava com 85.900 galináceos (galos, frangas, frangos e pintos), 10.500 galinhas e 7287 bovinos (o resto da estatística está na Wikipédia). Separaram-se quatro anos depois, tentaram reconciliar-se em 2017, não deu, sujou, e, a dado passo, o dragão tirou-lhe a casa e a mesada, consta que vultuosa, o que obrigou a empresária do calçado a fechar a sua loja de venda de sapatos online e a procurar alternativas profissionais fora do país. É hoje agente da FIFA em Madrid.
Algures no ano 2000, pelo cair do Outono, aconteceu Carolina. Poucos autores poderão gabar-se, como ela, de ter um livro com 14 edições inscritas no catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal. Na verdade, e apesar do título infeliz e egocêntrico, a sua autobiografia política, Eu, Carolina: a história verdadeira, saída em 2006, vendeu para cima de 150 mil exemplares, deixando a anos-luz, esmigalhaditos, nomes cimeiros das letras lusas, como José Rodrigues dos Santos, Miguel Sousa Tavares ou o novel Raul Minh"Alma. É claro que os milhares de compradores se precipitaram logo sobre a página 91 da obra, o imorredouro trecho em que a autora confessa que o seu companheiro sénior tinha sérios problemas de flatulência que o levavam a descuidar-se em cerimónias oficiais (só nessas?), ao que ela, em automatismo perfeito, de imediato acudia a acender um cigarrito, fazendo a mancha e a nuvem, e respondendo ele com um sorriso cúmplice, muito agradecido. Simplesmente, Eu, Carolina, redigido pela professora Maria Fernanda Freitas, é muito mais do que isso, e pode até ser lido como um romance de Agustina ou uma novela camiliana. Na primeira página, vemos Carolina de roupão, com um cão. Logo a seguir, a dedicatória assassina: "Ao Jorge Nuno, por tudo o que me ensinou. Sem ele, este livro nunca tinha sido possível." Nisso, tem razão. No resto, não sabemos.
Carolina Sofia Salgado nasceu às 12h50 do dia 14 de Março de 1977, minutos antes da sua irmão gémea, Ana, com quem, já adulta, andaria à tapona. Viu a luz na Avenida da República, Vila Nova de Gaia, na casa dos avós paternos, ele funcionário da câmara, ela operária da Fábrica Violas. Fez a primária na Escola do Marco, no Candal, depois estudou na Teixeira Lopes e na Secundária Almeida Garrett, antigo Liceu de Gaia. Adolescente irreverente, bailava e sonhava ao som de Brian Adams e Whitney Houston e era, já então, muito amiga dos animais, tendo chegado, inclusive, a levar um gatinho abandonado para a aula de Geografia. Aos 15 anos, apaixonou-se por Belmiro, dez anos mais velho, que trabalhava num stand de automóveis perto do restaurante do pai dela, o Davilina, em Gaia, ainda hoje aberto ("Bom Arroz de Cabidela!", assevera o TripAdvisor). Depois, seria abordada, num café onde estudava, por um indivíduo muito mais velho, de 40 anos ou mais, o qual, tirando partido da sua ingenuidade, a seduziu e a levou para Braga. O pai de Carolina ainda a conseguiu interceptar e internar num tenebroso colégio de freiras, também de Braga, o Instituto Monsenhor Airosa, onde Carolina sofreu muito e de onde fugiu para uma quintinha de Rãs e para os braços do amante, de quem teve dois filhos e com o qual chegou a trabalhar na sua empresa de segurança e cobranças difíceis, até separar-se dele com a ajuda da Virgem de Fátima, a quem rezou muito, saindo de casa com os filhos nos braços e dois cães de raça husky, estes à trela. Foi então viver para a casa da irmã, empregou-se numa empresa de promoções de marcas e produtos, a Uniellert, o que a obrigava a andar de hipermercado em hipermercado e não lhe dava o suficiente para refazer a vida. Uma colega, que andava sempre vistosa e luxenta, levá-la-ia até ao "Calor da Noite", um estabelecimento de diversão nocturna que tinha varões e colunas de som, a crer na notícia sobre a penhora do respectivo recheio publicada pelo Correio da Manhã, de 30/1/2013. Depois de uma entrevista sumária com o porteiro, o senhor Torres, e com o proprietário, o senhor Armando ("um homem muito caricato, bem-disposto e com um sorriso maroto, que me fazia lembrar o Quim Barreiros, se lhe tirarmos o bigode"), os quais lhe explicaram estar proibido o uso de jeans naquela casa distinta, Carolina passou para os quadros da empresa, em horário prolongado até às quatro da madrugada. À irmã, com quem vivia, justificava-se dizendo que trabalhava na bilheteira de um cinema.
No "Calor da Noite", "os clientes abraçavam todos os géneros de comportamento", diz Carolina, sem especificar os comportamentos abraçados, recordando tão-só os que, como ela, apreciavam poesia (um desses, estrangeiro, representante de uma marca internacional de desporto, levá-la-ia, inclusive, a uma casa de diseurs na Boavista, onde cearam caldo verde), outros mais amigáveis, como o Nelson, empresário e dirigente desportivo, e outros ainda bem brutos, como um empreiteiro conceituado, dono de uma grande firma, que julgava que "lhe era permitido dispor das pessoas a seu bel-prazer". Ao cliente de estreia, acabaria, aliás, por comprar o primeiro carro, um Opel Corsa. No resto, era feliz: numa semana no "Calor da Noite", ganhava mais do que num mês inteiro nos hipermercados.
Uma noite, conta a bicha, Carolina estava a dançar "o meu Sting" quando entraram portas adentro "o senhor Reinaldo Teles" e o presidente do FCP. Este último questionou-a sobre o que estava ela ali a fazer, possivelmente a última coisa que um cavalheiro deve perguntar a uma frequentadora de um bar de alterne, até por ser pouco provável que a mesma ali estivesse à espera do autocarro para a Cedofeita, de Nossa Senhora de Fátima ou da chave do Euromilhões. Depois, emendando a mão, Jorge Nuno apressou-se a dizer que ela era uma grande mulher e que aquele era um trabalho como outro qualquer, ficando nós na dúvida sobre se dançar ao som da música de George Matthew Thomas Sumner num pardieiro sito ao n.º 347 da Rua de Costa Cabral, Porto, poderá ser considerado um trabalho e, mais ainda, um trabalho como outro qualquer. Já ela, de seu lado, muito orgânica, participou no diálogo com "as pernas a tremer" e um "frio no estômago", quiçá porque no "Calor da Noite" poupavam no aquecimento. Ele deu-lhe um autógrafo, garatujado num ticket de caixa arranjado às pressas, e, dias depois, quando dançaram os dois, três músicas de uma assentada, as mãos de ambos transpiravam e as pernas, também de ambos, tremiam. Tudo isto se processou, garante a revista Flash!, "sob o olhar atento das colegas do espaço."
O que se passou a seguir seria acompanhado também pelo olhar atento, mas de um país inteiro, já que, gostemos ou não, todos nós somos colegas de Carolina e Jorge Nuno neste mesmo e nosso espaço, um bar de alterne chamado Portugal. Nas primícias do romance, ele levou-a a ouvir fados a uma casa perto da Sé, ligava-lhe a toda a hora, mandava-lhe flores campestres, as de que ela mais gostava, escrevia-lhe bilhetinhos "Giorgio loves Carolina" (sem qualquer intuito ofensivo, menos ainda difamatório, limitamo-nos a recontar o que ela escreve e que muitos leram). Em Compostela, no Hostal dos Reyes Católicos, dormiram a primeira noite juntos, depois de visitarem a catedral e de um jantar de paella. Tempos depois já estavam a viver juntos na casa de Reinaldo Teles, na companhia do cão Dragão e da gata Tucha. Pelo Verão, iriam até Marbelha num Mercedes descapotável, recém-comprado, ficando hospedados no Hotel Meliá Maria Pita, garante-nos Carolina, isto apesar de tal estabelecimento hoteleiro, por sinal de 4 estrelas, se encontrar sediado na Corunha, um pouco mais a norte. Noutra ocasião, estiveram em Marraquexe, "uma cidade cor de laranja" e, noutra ainda, em Sevilha, "uma das terras mais emblemáticas da Andaluzia", frase enche-chouriços que não deslustra nem mancha as páginas do best-seller de Carolina Salgado, mulher que se orgulha de, na capital do país, conhecer apenas e tão-somente o Hotel Altis, mais precisamente a sua suite 1012, onde sempre ficava hospedada. Em 2003, João Paulo II recebeu-os em audiência, mas, por desgraça das desgraças, ela, de tão siderada, não conseguiu perceber o que o Santo Padre então lhe disse ao ouvido, por certo coisas lindas. No Museu do FCP, e em modo estalinista, Carolina seria rasurada na foto com o Papa, mas ela repôs a verdade nas redes, com a imagem na íntegra e a valente legenda: "A mim ninguém me apaga". É facto.
Além de Karol Wojtiła, de Lili Caneças e de Carlos Castro (estes dois últimos numa festa de Carnaval no Casino Estoril), Carolina conheceria outras "pessoas influentes da nossa sociedade", como o senhor Reinaldo Teles, que até a levou a fazer o exame de código na DG de Viação, o doutor Lourenço Pinto, que a tratava por "filha" (e ela gostava), o senhor Joaquim Oliveira, "proprietário de um grande império ao nível dos media", "muito culto, humano, bem-educado e de diálogo fácil", ou o doutor Póvoas, famoso nutricionista, dono de um grande zoológico, que terá intrigado contra ela, a favor de Maria Elisa.
No apogeu do amor, ela cortava as unhas dos pés e os pêlos das orelhas do líder azul e branco, esfoliava-lhe a pele das costas, fazia-lhe cafuné, acariciava-lhe o lóbulo da orelha, renovou-lhe o guarda-roupa, para condizer com o dela, e até lhe ofereceu um ouricito-cacheiro de peluche, enorme, descomunal, comprado no Toys "Rus" e mandado entregar de surpresa na SAD do FCP, para gáudio do presidente, que adorava muito animais e até sonhava ter 101 cockers, como no filme da Disney, dizia. Para marcar território, Carolina mandou mudar a "pastilha que revestia a piscina" na casa de Moledo e foi aí que os dois, estando entretidos na brincadeira, ele fazendo de Lobo Mau, ela de Capuchinho, deixaram esturricar um polvo na assadeira, que ainda assim deglutiram ("apesar de duro e crestado, pareceu-nos óptimo porque estávamos a comê-lo juntos e isso era o mais importante"). Enquanto isso, a gata Tucha, armada em porca, pariu uma extensa ninhada, não sem antes ter defecado dentro da viatura, em cena dantesca doméstica, descrita em pormenor escusado: ao primeiro odor, nauseabundo, ela suspeitou logo dele, o eterno gambá, mas, com as crianças a protestar aos gritos no banco de trás, concluíram ter sido gata afinal, o que obrigou Jorge a parar numa área de serviço para comprar toalhitas - e Carolina a limpar.
Houve depois uma coisa chamada "Apito Dourado", através da qual o país ficou a saber que existem árbitros celíacos, cuja dieta é toda composta de fruta, e que começou em Abril de 2004 e que, no ano seguinte, já tinha 17 mil páginas e, no outro a seguir, 81 certidões extraídas para diversas comarcas, terminando, muitos anos depois, com tudo absolvido e devidamente ressarcido. O romance entre Jorge e Carolina acabaria por não resistir à tormenta, mesmo que ela assevere tê-lo sempre apoiado nas horas mais difíceis, tratando-o por "dragão-mor", entre outros mimos, como uma manifestação dos Super-Dragões à porta do Tribunal de Gondomar, pronta a invadir o edifício e a libertar o presidente se acaso este fosse detido pelo juiz do processo.
O segundo livro de Carolina, sintomaticamente intitulado Descida ao Inferno, de 2011, não teria, de modo algum, o mesmo sucesso da sua obra-prima, ainda que estivesse cheio de pormenores muito pícaros, dignos de um grande thriller, contados com muita maldade, em escusada tentativa de assassinato de carácter: uma perseguição automóvel na autoestrada Gaia-Lisboa; o boato de que Carolina teria um caso com um inspector da equipa de Maria José Morgado; envelopes com fotografias de futebolistas em cenas de sexo, entregues em casa de Pinto da Costa, enquanto este assistia a um filme porno; orgias de jogadores numa "casa amarela"; doping e medicamentos contra a disfunção eréctil; um sinistro plano da claque do FCP para raptar e matar a águia Vitória, do Benfica; o fato de banho azul-bebé que, nas vésperas de partirem para o Algarve, ela lhe comprou na Bennetton do Arrábida Shopping; a cruciante preparação de uma retoscopia, com ele prostrado no chão de uma casa-de-banho; o escaldante caso de Carolina com um político do norte; um misterioso acidente automóvel, quase mortal; uma tremenda coça no doutor Bexiga, autarca; o esbardalhanço da pintora Eugénia, esposa do doutor Sardoeira Pinto, que se estatelou na zona VIP do novo Estádio das Antas, na cerimónia de inauguração, espalhando as pipocas todas pelo chão; um papagaio que Carolina ofereceu ao amado, no Natal de 2004, e que, de tão traumatizado com o que viu e ouviu, deixou pura e simplesmente de falar ("o dono não falava com ele o bicho murchou"); os filmes que viram juntos, como o Cyrano ou o Guarda-Costas, com Jorge Nuno, et pour cause, a deliciar-se com a cena de Shrek I em que o ogre solta gases na banheira; uma mensagem SMS, muito ríspida, a ordenar a Carolina que metesse certos documentos ânus acima; a traição da irmã gémea, recompensada com uma moradia de luxo em Famalicão.
Em 2007, Eu, Carolina seria adaptado ao cinema, no filme Corrupção, do doente benfiquista João Botelho, mas a redactora do livro, a professora Fernanda Freitas, não gostou da fita e meteu um processo, que perdeu, a pedir 100 mil euros por sonegação de direitos de autor. Em 2010, Carolina seria condenada a quatro meses de prisão, com pena suspensa, por difamação e, note-se, Pinto da Costa foi absolvido da acusação de lhe ter dado duas bofetadas, sendo Carolina condenada também por ter retirado 30.300 euros de uma conta bancária. No ano seguinte, Carolina seria indemnizada por uma mulher que a agredira à porta do Tribunal de Gaia (mulher que, em 2015, numa rixa com um tio, que lhe atirou um expositor para cima num supermercado de Gaia, acabou agredindo a agente da PSP chamada ao local) e seria a vez de a sua irmã gémea, Ana, ser condenada por difamação agravada a Maria José Morgado. Em 2013, Carolina Sofia Salgado tirou uma fotografia ao lado de Eusébio, entrou no Big Brother VIP, foi expulsa da "casa" em compita com Zézé Camarinha e apresentou ao mundo um novo namorado, Nuno ("estas coisas acontecem, não estava à espera"). Depois, eclipsou-se das notícias, permanecendo tão-só nas redes, como nós, os comuns mortais.
Prova de vida (11) faz parte de uma série de perfis de verão
Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.