Carmona Rodrigues:"Não fui sondado para Lisboa pelo PSD. Em Sintra, sim"
Tem estado afastado da vida política, agora é o coordenador do programa de Marco Almeida, em Sintra, e mandatário de Assunção Cristas em Lisboa. Está de regresso?
Não. Isso significaria ser candidato numa lista, alinhar num partido político, não estou de regresso nesse aspeto. Resolvi, nestas autárquicas, apoiar duas pessoas que acho que têm projetos que merecem ser apoiados, o Marco Almeida e a Assunção Cristas. Como antes apoiei, nas legislativas, dois amigos que estavam no Partido da Terra, como há quatro anos apoiei um amigo do PS para a Câmara de Mafra...
Esse espetro vai do CDS ao PS, passando pelos independentes...
Exatamente. Não tenho problemas nenhuns em apoiar boas causas ou boas pessoas. É uma posição pessoal e cívica de participação.
Estes dois apoios não terão outra tradução depois das autárquicas?
Não estou fazer isto a pensar no day after. Estou a apoiar equipas que acho que merecem o voto dos eleitores.
Porquê Assunção Cristas?
Conheci-a como ministra - faço parte do Conselho Nacional da Água e ela era ministra da Agricultura e Ambiente - e vi que era uma pessoa de ideias muito claras, muito objetiva, trabalhadora e com muita vontade de resolver problemas de facto - e por isso é que me revejo muito nela. Não é estar por estar, como outros, que fingem que fazem ou fazem mais ações de cosmética. Ela gosta de mudar aquilo que não está bem. Vejo nela um discurso assertivo, muito empenhado, é muito conhecedora dos dossiers e muito na linha do que eu gostaria de ver em Lisboa.
Anunciou o seu apoio ao candidato do CDS muito antes de ser conhecido o candidato do PSD. Não pesou na sua decisão quem pudesse ser o candidato social-democrata?
Não, quando a Dra. Assunção Cristas se chegou à frente como candidata desde logo me revi na sua maneira de estar, no que apontou como prioridades para a cidade. Achei que era a pessoa certa para apoiar.
Foi sondado pelo PSD para a Câmara?
Só para Sintra. Saiu uma notícia a dizer que eu era a primeira escolha, mas não é verdade. É verdade que tive uma reunião com o Dr. Mauro Xavier [presidente da concelhia de Lisboa do PSD, que se demitiu quinta-feira], mas nunca me foi colocada a questão de ser candidato a Lisboa pelo PSD. Em Sintra, sim.
E disse que não...
Disse que não, como digo que não a tudo. Não está nos meus planos ser candidato ao que quer que seja.
Entretanto o PSD já tem candidata. Qual é a sua opinião sobre esta escolha do PSD em Lisboa?
Conheço a Dra. Teresa Leal Coelho há mais de 30 anos. Não vou falar da pessoa, mas da candidata a um cargo político. Tem peso no partido, é vice-presidente, não se pode dizer que o PSD não escolheu alguém com um peso expressivo no partido. Agora, o que se passa é que este é um cargo [presidente da câmara] que exige proximidade com a população e parece-me que ela parte um pouco tarde. Estamos a cinco meses das eleições, já não é tanto tempo assim, parece-me que ela parte com algum défice de conhecimento junto da população de Lisboa. Pese embora ter sido vereadora estes anos, acabou se calhar por dedicar mais tempo à Assembleia da República. O que eu sinto - e, passe a presunção, eu acho que sinto muito a "rua de Lisboa" - é que ela não é uma pessoa que esteja muito enraizada no conhecimento dos lisboetas. E isso é um grande handicap. Parece-me que o PSD devia ter começado mais cedo a preparar um candidato, tendo esse défice de proximidade. Se fosse uma pessoa já muito conhecida seria diferente, mas não é o caso da Dra. Teresa Leal Coelho. A principal dificuldade que ela vai ter, independentemente das ações de campanha que faça, é que vai já um pouco tarde para ganhar junto do eleitorado essa imagem de proximidade.
Acha que o CDS pode ficar à frente do PSD nas autárquicas de 1 de outubro?
Como apoiante da Dra. Assunção Cristas não acho, espero que fique à frente do PSD. E do PS. Estou empenhado em que tenha o melhor resultado possível, e o melhor resultado possível é ganhar.
E isso não seria mais fácil com uma coligação à direita? Seria o cenário mais desejável para estas eleições?
Não sei... Quando eu ganhei as eleições, e o Dr. Santana Lopes também, não fomos coligados com o CDS, não houve um entendimento pré-eleitoral. Essa análise numérica não é fácil de fazer, não é só somar. Nas autarquias, mais do que nas listas para a Assembleia da República, conta muito o fator pessoal.
Uma das grandes discussões que se tem levantado em Lisboa prende-se com o turismo. A cidade corre o risco de ficar demasiado turistificada?
Costumo dizer que Lisboa tem de saber ganhar o turismo sem perder os lisboetas.
E isso tem sido conseguido?
Não está a ser conseguido, especialmente nas zonas históricas. As câmaras, pelo menos as grandes - e estou a pensar em alguns instrumentos legais que as autarquias não têm - deviam ter os meios para fazer a política necessária para que isso não aconteça. Há alguma incapacidade das câmaras em controlar este crescimento turístico, que é desejável, mas não pode é prejudicar os lisboetas. Tem que haver aqui alguma habilidade em concertar as duas coisas. O que sinto hoje em dia é que em alguns bairros, sobretudo os bairros históricos, isto está a pender a favor do turismo e em desfavor da população local. E isso é mau. Lisboa está com a população mais ou menos igual à que tinha em 1925. Um dos maiores problemas da cidade, independentemente desta questão turística que se levanta agora, é a demografia, a perda de população e o envelhecimento da população. Com uma população que está a envelhecer, com poucas crianças e jovens, se em cima disso pusermos umas condições mais favoráveis para os turistas e menos para os lisboetas, obviamente começa a ser preocupante.
Uma das queixas que se ouve de forma recorrente, e que é apoiada nos números que se vão conhecendo, é o preço das casas, seja para arrendamento ou compra, que dispararam. Como é que se resolve o problema da habitação em Lisboa?
Acho que não se explicou bem porque é que se acabou com a EPUL [Empresa Municipal de Urbanização de Lisboa]. Hoje fala-se muito de populismo e eu acho que às tantas se entrou num certo populismo em relação às empresas municipais. É um facto que a determinada altura se terão criado demasiadas empresas municipais por todo o país. E em Lisboa também. Mas a EPUL foi criada ainda antes do 25 de abril. Teve, durante muito tempo, um papel muito importante em Lisboa, que foi construir para a classe média. Durante muito tempo o que é que se fez na cidade? Casas para pessoas com grande capacidade económica e habitação social. Foi a classe média que saiu de Lisboa, não foram nem os ricos nem os pobres. O papel da EPUL era o de tentar ser um moderador e um disciplinador do ordenamento do território, criando condições de habitação para a classe média. E criou bairros fantásticos para a classe média, os Olivais, Telheiras, tantos outros bons exemplos do que seria uma política de habitação promovida por uma empresa municipal, que beneficiava de um valor reduzido do terreno para poder promover o arrendamento a preços controlados.
Mas essas empresas ficaram muito associadas a clientelismos partidários, a gastos astronómicos...
Sem dúvida. Mas sabe quando é que quase todas elas foram criadas? No período de governação de esquerda em Lisboa, entre 1989 e 2001.
Uma das principais críticas que é feita a Assunção Cristas prende-se precisamente com a habitação, por causa da Lei das Rendas e dos despejos que estão a ser feitos em Lisboa. O que é que responde a essas críticas?
A Dra. Assunção Cristas responderá melhor do que eu, mas o que também está previsto nessa lei de arrendamento é a subsidiação de famílias e de pessoas mais carenciadas para suportarem essas rendas. Isso está previsto na lei. Não está previsto é no orçamento de Estado deste governo.
Que avaliação é que faz do executivo de Fernando Medina?
Há sempre coisas positivas e negativas. Ficou muito na retina das pessoas estas obras que foram feitas no Eixo Central. Muitas pessoas dirão que as coisas ficaram mais bonitas, e veem isso pela positiva. O que eu vejo é que a cidade não é só Eixo Central. Se formos à Musgueira, a Chelas, a certas zonas de Benfica vemos um grande abandono da cidade. Onde estão os lisboetas, não é onde estão os turistas nem as pessoas que vêm de fora trabalhar para as grandes empresas de Lisboa. São opções. O que também aconteceu, e acho que isso tem de ser realçado, foi um brutal aumento de taxas e impostos. Brutal. Em tudo: acho que não há taxa ou imposto municipal que não tenha subido. Isso é muito penalizador para os lisboetas. Dá dinheiro, com certeza, e é bom a Câmara de Lisboa ter dinheiro - se bem que a câmara nunca teve problemas de dinheiro. Há alturas em que se fala do assunto, há alturas em que não se fala, mas tomara todas as câmaras terem a saúde financeira de Lisboa. Mesmo sem este aumento de impostos.
Não foi isso que disse António Costa quando chegou à presidência da Câmara. Queixou-se bastante de problemas financeiros.
Isso é um papel que os políticos geralmente tendem a fazer. Temos de ser objetivos na análise das contas. Ele queixou-se... se calhar estava a preparar o terreno para aumentar as taxas e as taxinhas todas.
À distância de dez anos, como é que olha hoje para a sua presidência?
Foram tempos muito conturbados. Havia uma grande expectativa de mudança na cidade de Lisboa, que começámos a fazer em muitas questões... Há pouco perguntava sobre o executivo atual da câmara... Não estou a falar especificamente de Lisboa, mas às tantas há pessoas, ou executivos municipais, que ganham as eleições e, depois, gradualmente, se fecham atrás de uma cortina, que não chegam ao cidadão. Não é por caso que Lisboa foi classificada no número 137 numa lista de transparência que foi publicada.
Afinal, está a falar de Lisboa.
Também. O pior é haver uma perceção de que há os que mandam, que estão quase refugiados dentro do seu castelo e já não aparecem junto da população, parece que não têm tempo ou paciência. E parece-me que isso está a acontecer em Lisboa, há um retrair, um reagir mal quando as populações colocam questões. Se calhar é por isso que os independentes estão a ganhar protagonismo, é por assumirem uma posição mais verdadeira, são parte da população, são mais iguais aos outros.