Carmona Rodrigues: "Assunção Cristas tem tudo o que eu gostaria de ver em Lisboa"

O último candidato apoiado pela direita que venceu Lisboa - e que conseguiu a maior votação de sempre - apoia o CDS nas autárquicas do próximo ano. E acredita que Cristas terá um grande resultado
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Depois de duas passagens pela Câmara Municipal de Lisboa, como presidente - depois de conseguir o melhor resultado de sempre para o PSD (apesar de ser independente) -, em 2005, e nas eleições seguintes como vereador, e de ter estado no último governo de Cavaco, António Carmona Rodrigues não pensa voltar à política. É na carreira de professor universitário que se sente realizado. Mas ainda pensa a cidade como um autarca. Defende um poder intermédio entre o central e o autárquico para gerir com mais eficácia as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto - "a nível dos transportes, por exemplo, seria uma mais-valia". E vê em Assunção Cristas a líder ideal para Lisboa. Tanto que já lhe disse que apoiaria a sua candidatura.

Esteve na câmara como presidente e vereador. Como vê a evolução de Lisboa desde essa altura?

Tem coisas boas e más. Entre as primeiras, está a reabilitação urbana: até à crise de 2008, havia grande resistência, a tendência era deitar abaixo e fazer de novo. Agora existe, um pouco à boleia do alojamento local, do turismo, com os hostels - em alguns casos, por exemplo na Baixa, mais alojamento para turistas do que habitação -, mas também porque as empresas de construção começaram a especializar-se em reabilitar. Há uns anos, quando foi apresentado o plano da Baixa, a ideia era trazer mais pessoas para a cidade e acho que aí estamos um pouco afastados do caminho. Mas o edificado está mais bem arranjado e houve uma mudança de paradigma, isso é bom. Também o turismo cresceu, com todas as vantagens para a atividade económica. Mas depois vejo algumas coisas que me chocam: a quantidade de sem-abrigos nas Avenidas Novas, na Baixa...

Falta um plano de ação social?

A ação social continua a passar muito por levar a sopa aos pobres.

O que é que se pode fazer?

Desde logo, iniciativas que tragam mais inclusão, acompanhamento social e um maior desenvolvimento económico que permita trazer a essas pessoas oportunidades de ocupação, de se fazerem úteis. Não do ponto de vista paternalista mas de integrá-las na sociedade. Isso tem faltado - e é uma competência autárquica. Outros aspetos negativos são a sujidade e a criminalidade. Há muito tempo, ainda o Dr. António Costa era ministro da Administração Interna e eu estava na câmara, falou-se numa alteração do quadro da atuação policial em Lisboa que passaria por dar mais atenção não só a delitos económicos e do trânsito mas a essa pequena criminalidade... Não são coisas que os lisboetas gostam de ver na sua terra.

O afastamento das famílias da cidade também é um problema.

Sim, primeiro por causa da lei das rendas - que foi feita em 1968, num tempo em que não havia perspetiva de crise do petróleo, de inflação. A lei não acompanhou a evolução do mundo. Isso criou estagnação, durante muitos anos não se podia subir a renda, o senhorio não fazia obras... e tudo isso levou à degradação do património e a que as pessoas mais novas tivessem de procurar casa fora de Lisboa. Hoje há algum mercado de arrendamento, mas há outros fenómenos que não ajudam, como a quantidade de estrangeiros a comprar casa aqui, com algumas regalias fiscais. Isso traz, não direi investimento, mas capital e interesse sobre a cidade, mas está a inflacionar os preços.

Estão a subir demasiado?

Sim. Este movimento de chineses, franceses, brasileiros, é bom - sobretudo para quem vende - e sempre se faz umas obras, mas de repente a habitação no centro está proibitiva para os lisboetas. Não se ponderou até onde se devia ir.

Mas também não se pode fechar as portas dos bairros.

Não, mas também não se deve dar mais facilidades a um estrangeiro do que a um português. O caminho tem de ser socialmente equitativo. Finalmente, fruto da crise, temos um mercado de arrendamento - porque deixou de haver crédito e as pessoas começaram a arrendar. Ainda não é expressivo, mas é relativamente grande.

Agora está a voltar o crédito e, consequentemente, a compra.

Mas isso também é um pouco cultural. Há uma preocupação em canalizar as poupanças para a compra de casa - é um bem que fica -, mas com a atual mobilidade muitas vezes as pessoas não ficam ali a viver e isso favorece o arrendamento. Também é verdade que se construiu de mais. A primeira geração de PDM (Plano Diretor Municipal), nos anos 1990, não foi devidamente concertada a nível nacional e quando alguém se deu ao trabalho de contar os 300 PDM viu-se que havia capacidade no país para 30 milhões de pessoas. Hoje essas casas estão em fundos, bancos que ficaram com créditos de construtoras... Os PDM de primeira geração foram altamente lesivos do interesse nacional.

Voltando ao arrendamento...

A lei das rendas sempre ficou aquém do que devia. Nas rendas comerciais, nunca se resolveu a questão dos trespasses, que é surreal. Nas habitacionais, há duas vertentes: a parte do contrato entre o senhorio e o inquilino e a da resolução de conflitos, ou seja, o que se faz se uma das partes não cumpre. Noutros países, quando não se paga vai-se para a rua - é uma competência policial. Aqui é do tribunal: se algo corre mal são dez anos para resolver. Devia haver uma discussão de fundo sobre esta situação, que tem gerado dificuldades a muitos senhorios. Em grande parte, a reforma do arrendamento ainda está por fazer.

E como é que se traz mais famílias para Lisboa? Reservando parte dos edifícios para elas?

Antes de sair da câmara, eu apresentei um plano de reestruturação da EPUL - que teve o grande mérito de conseguir criar habitação para a classe média. Durante muito tempo em Lisboa o que se fez foi construir para ricos e para pobres. Isso é o pior que se pode fazer, é a descontinuidade social. O plano para a EPUL era para se virar para o mercado do arrendamento e reabilitação, e quando voltei à câmara como vereador, António Costa levou um novo plano que era exatamente igual ao meu - reconheceu que esse era o caminho para chegar a quem está no meio, entre pobres e ricos.

E não aconteceu nada.

Não só não aconteceu nada como depois de o plano estar aprovado desapareceu a EPUL. E não tenho visto ninguém preocupado...

Fernando Medina tem um plano para trazer jovens para a cidade.

Vamos ver se pega... não vejo como. Não é fácil fazer uma cidade assim, tem de se garantir que há condições de vida. Haverá sempre ricos e pobres e as pessoas têm tendência a vir para as cidades, mas não é barato. É a lei da oferta e da procura. Lisboa tem de ser uma cidade aberta, não pode ser de guetos. Eu nunca aprovei, enquanto estive na câmara, condomínios fechados. São a antítese do que deve ser uma cidade, é estarmos a pactuar com a falta de identidade de Lisboa. Na Lapa, nos Olivais, tivemos sempre o convívio de todas as classes. Fazer guetos é permitir que exista uma separação. Tem de haver espaço para todos, não podemos ser só casas de um milhão e bairros sociais ao lado. A Alta de Lisboa, que é ainda do tempo do engenheiro Abecasis, e outros projetos interessantes, até da EPUL e da CML, eram virados para este contínuo social. Agora não os vejo.

Houve uma grande diferença na gestão de Lisboa com António Costa e com Fernando Medina?

Há um traço comum: o aumento dos impostos é quase uma obsessão de deitar a mão a tudo. Mas na gestão do Dr. Costa pouco se fez - talvez para poupar dinheiro ou por medo de ser criticado... ou porque, como se diz, já estava mais preocupado com outras coisas. O Dr. Medina tem tido intervenção até de mais, parece que tem excesso de dinheiro. Mas também tem uma equipa que herdou e é natural que haja coisas em que não se reveja.

Há ideias que são dele.

O que eu acho é que as coisas não devem ser feitas assim de um dia para o outro. Na Segunda Circular, por exemplo: foi este executivo que fez há pouco tempo a revisão do PDM e o estudo preparatório de circulação e mobilidade consagra-a como via urbana de primeira importância para a circulação de parte da cidade mas que também interessa a muitos municípios envolventes. É uma via metropolitana. E de repente querem que se torne uma avenida?! Agora com a nova lei do IMI, se calhar quando houver árvores quem tem casa com vista para a Segunda Circular paga mais.

Quem vai apoiar nas eleições

Falta um ano para as autárquicas e ainda só se conhecem dois candidatos: Assunção Cristas e Fernando Medina. Da Dra. Cristas, com quem estive duas ou três vezes, tenho ideia de ser uma pessoa jovem, corajosa, que fez um trabalho excelente como ministra e de forma muito eficaz, sempre com uma postura muito prática e transparente, com energia. Preenche muito o espaço do centro-direita. Mais valia os partidos dessa área reconhecerem nela uma grande candidata. À esquerda, a geringonça terá dito que não ia unida. Tenho uma relação pessoal com o Dr. Medina, que sempre foi de uma grande atenção comigo, mas ainda está para ver que equipa vai levar - não será esta, de jovens que sempre só trabalharam no partido, são carreiristas partidários e, tirando Manuel Salgado, não trazem nenhum aporte. Mas a liderança é importante e quando se vota num candidato autárquico a imagem conta, a confiança, a personalidade contam - não é tanto o programa eleitoral que o partido prepara para a pessoa. Por isso revejo-me na candidatura de Assunção Cristas. E dei o meu nome para a apoiar.

O PSD ganhava em apoiá-la?

Não sei, não sou do PSD, nunca fui de nenhum partido.

Mas identifica-se com a direita.

Isso claramente, nunca votei na esquerda. Não é preconceito, é uma questão de valores, de princípios, ideologia. Mas acho que o PSD está a atravessar uma certa crise. Mesmo na câmara não se veem as posições do PSD nos últimos três anos... As figuras mais antigas estão afastadas... Não sei o que vai no pensamento do PSD.

Era vantajoso que o centro-direita de unisse?

Não sei, nem sei se Assunção Cristas estaria interessada nisso ou como o CDS o veria. O meu apoio tem.

Já falou com Cristas?

Sim, disse-lhe que poderia contar com o meu nome para apoiá-la.

Terá algum papel na campanha?

Não. Já dei o meu nome a Fernando Seara, nas últimas legislativas apoiei dois amigos do Partido da Terra, e manifestei o meu apoio discretamente. Já dei a cara por várias pessoas em quem confio quando me senti motivado a fazê-lo. E é o caso de Assunção Cristas, porque tem tudo o que eu gostaria de ver na câmara. Acho que ela vai ter um resultado muito bom, independentemente dos apoios que possa vir a ter.

O caso Bragaparques está arrumado, foi absolvido. Sente que finalmente acabou?

Foram nove anos, fomos três vezes a julgamento... E depois o acórdão foi arrasador relativamente à acusação. Como não podia deixar de ser, porque aquilo não tinha ponta por onde se pegar. Mas dá que pensar, porque é que tudo isto aconteceu e se a história ficou toda esclarecida.

Tem essas dúvidas?

Eu só lembro que a solução encontrada por nossa iniciativa para resolver o problema da valorização do Parque Mayer - que se mantém, porque o que se fez não é nada interessante para a cidade - foi apoiada na Assembleia Municipal com os votos a favor de PSD, PS, CDS, PPM e BE. Todos votaram a favor. E houve pessoas de outras áreas políticas da esquerda que escreveram em jornais, elogiaram a solução... Era tudo bom e passou a ser tudo mau. Mas vivo bem com isso. Não há nada como estar bem com a consciência.

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