Carminho no FMM: "O fado também tem umas letras muito machistas às vezes"

A Garota Não e Carminho deixaram mensagens de mudança no palco do castelo de Sines.
Publicado a
Atualizado a

São 18h15 e o termómetro marca 22 gaus dentro das paredes do castelo de Sines. Depois do discurso de abertura do presidente da cãmara, Nuno Mascarenhas, A Garota Não sobe ao Palco do Castelo recebida com uma salva de palmas.

"Não gosto de apressar o tempo, mas estava desejosa que este dia chegasse", confessa ao público Cátia Oliveira. A sua "viagem" musical percorreu os seus dois álbuns Rua das Marimbas n.º 7 e 2 de abril.

A Garota Não canta canções de intervenção e aborda várias questões como a problemática da habitação ou a violência doméstica. "Ter uma preocupação de conjunto acrescenta-me muito enquanto ser humano e eleva-me para outro lugar onde sou mais do que uma Cátia, que nasceu no bairro 2 de abril. Sou uma cidadã de um lugar, de um país que tem uma constituição com uma série de direitos, que não estão a ser cumpridos, e que nós temos que fazer cumprir", explica a artista no backstage do festival.

"Tenho aprendido que há muitas pessoas a querer o mesmo que eu. Que há muitas pessoas a querer que a violência doméstica seja sanada", acrescenta.

No palco a cantora protagonizou um momento comovente quando começou a mostrar nas folhas de um caderno os nomes das mulheres mortas em 2022 escritos a tinta preta..

"Há mulheres que chegam a mim e dizem eu nunca fui vítima de violência doméstica, mas ver os nomes daquelas mulheres faz-me sentir parte de um todo que quero mudar, que eu quero transformar. Mas depois há as outras mulheres, que são as vítimas de violência doméstica, que também chegam a mim e dizem: eu não estou nesses nomes, mas sou uma dessas mulheres", conta.

Cátia Oliveira [A Garota Não] destaca o amor e o respeito por todos os elementos envolvidos na execução do festival de Sines. "Quando cheguei ao festival uma das coisas que para mim é sinónimo de amor é ver os trabalhadores nos seus uniformes. Trabalhadores esses, que normalmente são muito secundarizados, estavam a comer no sítio onde os artistas comem, no sítio onde a comunicação social tem acesso, num sítio que é nobre. Eles não estão num segundo pavilhão a comer num sítio fechado sem janelas, estão aqui a comer connosco no castelo, isto para mim é a amor e é respeito", descreve.

A partir das 21 horas é necessário bilhete para assistir aos concertos que se realizam dentro do Castelo - até lá os eventos são gratuiros.

Um desses concertos foi o de Carminho. A sua primeira vez no Festival Músicas do Mundo escolhida para apresentar a sua música, sobretudo o seu último trabalho de originais: Portuguesa.

"Uma das características do fado que mais me fascina e me faz ter uma paixão e uma vontade inesgotável de o praticar é o facto de, tradicionalmente e culturalmente, podermos trocar as letras dos fados", disse a fadista em palco.

"E isso quer dizer que a cultura do fado, a musicalidade e as suas melodias podem ser trazidas pelo tempo, e eu posso ser quem sou. Posso cantar o que quero e aquilo que eu sinto", completa.

Ao fazer uma breve descrição da forma como cria o seu reportório Carminho explica como surgiu a música Os Rouxinóis do Mondego. "Ao procurar esses poemas encontrei umas quadras que diziam assim: "não vás à fonte sozinha que os rouxinóis do Mondego ao verem-te tão coradinha ficam em desassossego". Comecei a fazer uma música, um fado tradicional, mas depois comecei a cantar e começou a maçar-me, não sei bem porquê, depois percebi que as letras desse fado são muito machistas", critica a artista.

"Isto não é a tentativa da revolução, porque eu gosto muito da história do fado, são 200 anos de herança que me ajudam e que me dão pistas para continuar, mas há coisas que nós devemos deixar num tempo que foi outro e acho que há certas letras que não se podem trazer para o futuro", justifica. "E agora quem vai à fonte são eles, os homens, e não lhes fica nada mal ir à fonte. Portanto : não vás à fonte sozinho que os rouxinóis do Mondego ao verem tão coradinho ficam em desassossego", dando o mote para a música seguinte.


Para Carminho o fado tem um lugar muito importante nas músicas do mundo. "Historicamente termos feito composto, cantado e tocado música de uma determinada maneira, com um ritmo específico, com uma assinatura tradicional muito identitária e isso acaba por ser muito bonito perceber que cada país se define de uma forma bastante distinta", afirma a fadista.

O festival continua até dia 29 e esta noite de quinta-feira, sobem ao palco do castelo Rita Vian, Gilsons, Bab L'Bluz, Tinariwen e Alright Mela meets Santoo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt