Carlos Ramos. O adeus, os óculos, o silêncio sobre Serena e o ídolo Jorge Dias

Português colocou um ponto final na carreira como árbitro de cadeira na final do Estoril Open. Vai seguir carreira como juiz-árbitro.
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Carlos Ramos foi hoje homenageado pela Federação Portuguesa de Ténis, depois de se ter despedido de uma carreira de árbitro de cadeira. Fez o último jogo na final da 8.ª edição do Estoril Open, ganha por Casper Rudd no domingo passado. O juiz português confessou que o seu "coração continua na cadeira", mas o futuro será como juiz-árbitro.

Aos 52 anos (nasceu em Lisboa, em 1971), o árbitro português radicado em Lyon e sem redes sociais colocou a carreira em perspetiva. Pela primeira vez apitou um jogo de óculos. Assumiu uma fragilidade, reflexo de capacidades. Estava selecionado para apitar Roland Garros e era aí que pensava retirar-se (28 de maio a 11 de junho), porque afinal Carlos Ramos é uma figura incontornável no ténis mundial, mas ser designado para a final do torneio português ajudou-o a perceber que era em casa que queria terminar.

E não foi um favor que lhe fizerem. Os dois responsáveis por decidir quem arbitraria a final - os também portugueses Carlos Sanches e Rogério Santos - só souberam domingo de manhã, dia da final, que ele se iria retirar quando ele os informou que precisaria que a mãe e a irmã entrassem no court para a despedida.

Foi apenas o terceiro português a apitar o jogo decisivo da história do único ATP português, depois de Jorge Dias e Carlos Sanches. Foi o primeiro a dirigir a final dos quatro torneios que compõem o Grand Slam - Open da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open -, feito que apenas Alison Hughes conseguiu igualar até hoje. Esteve nas finais dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, da Taça Davis e da Fed Cup (atual Billie Jean King Cup).

Em conferência de imprensa no Complexo de Ténis do Jamor, onde decorre o Grupo II da Zona Europa-África da Billie Jean King Cup esta semana, Carlos Ramos explicou como o corpo já pedia a reforma da cadeira: "Era fundamental deixar enquanto estivesse a arbitrar ao nível de que gosto. Aos 52 anos, as coisas tornam-se mais frágeis. Com a idade e maturidade ganhamos algumas coisas, mas perdemos outras. Este foi o primeiro ano em que arbitrei o Estoril Open de óculos. É o reflexo das capacidades que começam a baixar, como a visão. Sentia-me com plena confiança e a ver a bola da mesma forma que antes, mas senti que é o momento certo. Estava a correr mais riscos de arbitrar a um nível que não me satisfaz e preferia decidir antes que me fosse imposto."

Apesar de ter feito história no ténis português e mundial, o mundo parece recordar melhor aqueles segundos de fúria de Serena Williams, após perder na final do Open dos Estados Unidos de 2018 para a jovem Naomi Osaka. A norte americana chamou-lhe "mentiroso" e "ladrão" após ter sido advertida por ter recebido indicações do seu técnico durante o jogo, algo que não era permitido na altura.

Mais tarde, o treinador admitiu a infração e a jogadora reconheceu que não teve uma postura correta, mas não esqueceu a afronta do juiz português afastado de qualquer encontro que envolvesse as irmãs Williams. Até porque tinha tido um problema idêntico com a irmã Vénus.

Os consagrados Nick Kyrgios, Andy Murray, Rafael Nadal ou Novak Djokovic também sentiram na pele o rigor de Carlos Ramos, que, "infelizmente" continua sem poder falar do incidente com Serena porque continua a ser funcionário da ITF (International Tennis Federation) e continua obrigado a cumprir um rigorosíssimo código de conduta dos árbitros, que o proíbe de falar de jogadores.

"Tive momentos muito bons mas também alguns maus. As consequências mediáticas quando cometemos um erro não são as mesmas quando fazemos bem. Tomei decisões menos boas mas sempre no pressuposto de fazer o melhor possível. Respeitar todos os jogos, pessoas. O ATP tem um regra muito rígida de não podermos falar...", lamentou, quebrando a regra apenas para dizer que o jogador que mais o marcou foi John McEnroe, embora nunca o tenho apitado.

Na despedida lembrou várias vezes o amigo e ídolo Jorge Dias, que o "fez sonhar ser árbitro", após uma carreira falhada no futebol como guarda-redes "por ser demasiado pequeno" e no ténis, "por ser um fraco tenista, com técnica, mas sem talento". Já estava apaixonado pelo ténis e começou depois como juiz de linha: "Quando entrei em campo no primeiro jogo adorei. O resto é história."

"E claro" que houve jogos em que "arbitrou mal e teve influência no resultado", que o deixaram "frustrado" e "triste", mas arbitrar um jogo de ténis é "estar na corda bamba", sob pressão e sujeito a decisões contestáveis como qualquer árbitro de qualquer outro desporto.

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