Carlos Paião soube a pouco

Depois do tributo musical, na última edição do Festival da Canção, os músicos João Pedro Coimbra e Nuno Figueiredo voltaram à obra de Carlos Paião, num disco que recupera alguns dos maiores êxitos - e não só - deste cantor e compositor, desaparecido há 30 anos
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Tinha apenas 30 anos quando morreu, em agosto de 1988, num violento acidente automóvel que muito comoveu o país. À época, Carlos Paião era um dos cantores mais populares do país, famoso pelas aparições no Festival da Canção, mas também pela atividade como compositor para outros artistas. "Apesar de ter partido muito cedo, deixou uma obra composta por centenas de canções, o que atesta bem a sua capacidade de trabalho", lembra o músico João Pedro Coimbra, dos Mesa e um dos mentores do projeto Paião, desenvolvido em parceria com Nuno Figueiredo, dos Virgem Suta.

Os dois conheceram-se nos bastidores do Festival da Canção de 2017, vencido por Salvador Sobral e no qual ambos participaram como compositores. Enquanto esperavam pelos resultados da votação, João Pedro e Nuno falavam sobre as respetivas canções com o jornalista Nuno Galopim, um dos organizadores do concurso, que os desafiou, logo ali, a recriarem um dia a obra de Carlos Paião. "Foi engraçado, porque era algo que já tinha pensado em fazer, mas sem nunca fazer grandes planos sobre isso", confessa Nuno, assumindo-se ao DN como "um verdadeiro fã" de Carlos Paião. "Quando era pequeno ouvi muito a sua música, por influência de um familiar meu, que o adorava", lembra o músico. Há uns anos, Nuno tirou mesmo "algum tempo para ouvir e estudar toda a sua obra", e foi assim que lhe surgiu a vontade de um dia fazer algo com a música de Carlos Paião. "Tem letras incríveis, que misturam o popular com o moderno de uma forma única. E depois tem sempre uma fina ironia que é mesmo a minha cara. Identifico-me muito com esse lado dele e de certa forma tento fazer o mesmo na minha música", assume.

O projeto começou finalmente a tomar forma no final do ano passado, quando a RTP os convidou para conceberem um espetáculo de tributo a Carlos Paião, para ser apresentado durante as semifinais do Festival da Canção deste ano. "Foi muito engraçado, mas soube a pouco, pois só tocámos seis canções e mesmo assim apenas excertos", reconhece João Pedro. Ou como sublinha o parceiro, "foi um ano de trabalho reduzido a pouco mais de dez minutos". Ficou portanto de imediato decidido editar um disco com o material que tinha ficado de fora.

À dupla juntou-se ainda Marlon (os Azeitonas) e Jorge Benvinda (Virgem Suta), que com a cantautora Via formam estes Paião, um grupo formado por músicos de diferentes formações, reunidos para recriar a obra de um artista já falecido - tal como aconteceu há uns anos com os Humanos e a música de António Variações. "Foi difícil arranjarmos tempo, porque somos todos de bandas diferentes e, à exceção do Jorge, nunca sequer tínhamos estado juntos", afirma Nuno, sublinhando em seguida que, hoje, já funcionam como um verdadeiro grupo. "Sentimos uma grande união e gostamos muito de estar uns com os outros." Até já há alguns concertos marcados, estando as primeiras apresentações ao vivo agendadas para os dias 1 e 2 de fevereiro, respetivamente na Casa da Música, Porto, e no Cineteatro Capitólio, Lisboa.

O critério para escolher os temas a incluir no disco começou por ser bem simples, "os que melhor pudessem ser defendidos ao vivo", como recorda João Pedro, para quem Carlos Paião era "um verdadeiro mestre" na arte de escrever canções. O disco é composto por 11 faixas, entre as quais êxitos como Pó de Arroz, Cinderela e Playback ou o menos conhecido Zero a Zero, com um "teclado à Kraftwerk" que tanto impressionou João Pedro Coimbra.

O alinhamento inclui também temas escritos para outros artistas, como a Canção do Beijinho, popularizada por Herman José, ou O Senhor Extraterrestre, transformado em clássico por Amália Rodrigues, "embora na altura fosse uma canção bastante arriscada para ambos", como assinala João Pedro Coimbra. "Ele conseguia escrever canções pop perfeitas e com conteúdo. Também por isso foi muito interessante perceber toda a teoria musical por trás destas composições, em que tudo bate certo", diz o músico, realçando ainda "o dom da palavra" de Carlos Paião. "Não só conseguia escrever letras incríveis como as encaixava de forma perfeita nas melodias. Parece bastante fácil, esse modo como tudo bate certo, mas é precisamente o que dá mais trabalho. É preciso muito talento para o conseguir fazer." Mesmo assim, João Pedro considera que "Carlos Paião sofre de uma enfermidade que atinge muitos compositores pop, nem sempre são levados muito a sério". Já Nuno aponta "o estigma e o preconceito que confunde pop com popularucho" para justificar "alguma falta de reconhecimento" em relação à obra de um dos mais profícuos compositores da música portuguesa. Mas, no final, o que realmente conta são mesmo as canções, e essas, como lembra João Pedro Coimbra, "não só perduram no tempo como continuam tão boas como há 30 anos".

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