Carlos Moedas: "Faria todo o sentido que o metro fosse gerido pela Câmara Municipal de Lisboa"

Foi comissário europeu da Investigação, Inovação e Ciência e é há dois anos presidente da autarquia lisboeta, pelo PSD. O edil promete aumentar o orçamento para ajudar mais famílias na habitação e, nos transportes, defende que a câmara tem de gerir o metropolitano e a Carris.
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Quando chegou à Câmara de Lisboa disse que ia ter a hipótese de lidar diretamente com as pessoas. Dois anos depois, à frente de uma câmara com uma dimensão maior do que a maioria dos ministérios, já consegue dizer se é mais eficaz como membro de um Governo, como comissário europeu ou como autarca?
Hoje tenho a certeza de uma coisa concreta na minha vida: de certa forma, aquilo que estou a fazer na vida é aquilo que mais gosto e em que tudo se conjuga. Conjuga-se aquilo que aprendi no Governo com aquilo que fiz na Comissão Europeia, porque a cidade, no fundo, é isso mesmo, é ter a capacidade de inspirar as pessoas através de um sonho - o que faço através da inovação, da tecnologia, da cultura -, mas ao mesmo tempo tratar de resolver os problemas simples das pessoas, com uma proximidade muito grande. Penso que até nestes dois anos consegui mais do que a proximidade, tenho uma certa intimidade com as pessoas na rua. As pessoas aproximam-se de mim para resolver, às vezes, os problemas que parecem pequenos para uns, mas são muito grandes para outros. E conto muitas vezes as histórias que me vão acontecendo, desde um rapaz que encontrei que não tinha casa e dizia que não tinha nada, que precisava de uma casa e perguntei-lhe se já tinha concorrido às casas. Ele disse "não, eu não sei fazer isso". Então venha comigo à Câmara, disse-lhe eu. Ele concorre à casa com a transparência total, através do programa da Câmara e é lhe atribuída uma casa. E esses são os momentos talvez mais fortes, quando tenho esses segundos de dar a chave de uma casa a uma pessoa que merece, quando consigo resolver o problema a alguém que na rua me diz que tem lixo à porta e, portanto, a vida do presidente da Câmara conjuga muitas das valias que fui aprendendo ao longo da minha vida, com aquilo que é a capacidade de fazer, que para um engenheiro, que é a minha profissão de base, me preenche.

Mas sente-se mais eficiente como autarca?
Fiz muitas coisas na vida, mas nunca imaginei um dia ser presidente da Câmara de Lisboa. E hoje sou e sinto-me muito feliz de o ser, com uma responsabilidade e um peso nos ombros muito grande porque, como diz, Lisboa é realmente única como cidade, é uma dimensão que não tem nada a ver com outras cidades, com uma responsabilidade do dia a dia muito forte, porque qualquer coisa que acontece, a culpa só pode ser do presidente da Câmara. O presidente da Câmara tem de estar e tem de assumir, muitas vezes, até problemas que não são seus, que não são da Câmara Municipal, mas ele assume e faz. Mas aquilo que nestes dois anos inspira é a capacidade de chegar a casa e pensar o que é que fiz hoje, de concreto, para mudar a vida das pessoas.

Disse ainda há pouco que a sua relação na resolução dos problemas não depende só de si, muitas delas dependerão também do Governo. O PSD e os outros partidos da oposição insistem num discurso de caos e desgoverno do Executivo de Costa. Como é que o autarca Carlos Moedas se relaciona no dia a dia com o Governo?
Em primeiro lugar, um autarca tem de se relacionar sempre e institucionalmente muito bem com o Governo e com diferentes partes do Governo. Aquilo que critico no Governo é a política deste Governo no sentido de um País que estagnou. Isso já o disse várias vezes, mas não implica um relacionamento institucional e com vários ministros do Governo. Por exemplo, assinámos em Lisboa, neste momento, mais contratos em habitação com a União Europeia e com o Governo do que muitas grandes cidades europeias. Assinámos 560 milhões. Isso é um agradecimento à União Europeia e também à relação com o Governo. Por exemplo, não estou de acordo com o pacote Mais Habitação, mas trabalho com a ministra da Habitação todos os dias e ela tem a capacidade e o pragmatismo de também trabalhar comigo, e trabalharmos bem e conseguirmos mais habitação para os lisboetas, no concreto. Outro exemplo, com o ministro da Administração Interna, também trabalhamos muito bem, porque temos problemas muito concretos: se há uma manifestação, se há um problema na cidade, a Polícia de Segurança Pública tem de trabalhar com a Polícia Municipal. Portanto, a minha relação de um para um com os vários ministros, não só é institucional como é necessária. Outra coisa é estar de acordo com a política do Governo, isso é muito diferente.

E em Lisboa falamos muito de habitação, aliás é um problema para os portugueses, para as famílias portuguesas. Qual é que acha que seria a solução imediata, uma vez que também não concorda com o programa Mais Habitação, para resolver o problema dos lisboetas e daqueles que precisam de viver em Lisboa e não conseguem?
A resposta numa palavra, neste caso num verbo, era fazendo. Ou seja, o problema da habitação não tem uma varinha mágica para se resolver e um presidente da Câmara tem de resolver os problemas. Aquilo que vi quando olhei para o problema da habitação foi que, nos últimos 10 anos, pouco se fez. Falou-se muito, muitos planos, muitas leis, mas fez-se pouco. A primeira medida tomada neste executivo foi olhar para as casas vazias nos bairros municipais. Tínhamos duas mil casas vazias e, num ano e meio, mais ou menos, recuperámos 700. Portanto dei 1300 e muitas chaves aos lisboetas que pagam a sua renda, uns pagam mais, outros menos, segundo aquilo que podem. Dessas, 700 foram casas que era apenas ser pragmático, era entrar na casa, pintar a casa, pôr as janelas, pôr a porta e dar a chave, mudando a vida dessa família. Como é que ajudamos um professor ou um enfermeiro a vir para Lisboa? Abrimos agora um concurso para ajudar os professores que vêm para Lisboa deslocados, em que lhes pagamos uma parte da renda.

Isso é suficiente?
Temos que fazer mais, mas nunca será totalmente suficiente. É um problema de tal ordem grande que temos de fazer mais e mais e mais. Mas sabemos que teremos sempre uma frustração, porque há sempre alguém que não conseguimos ajudar. Neste momento já estamos a ajudar 800 famílias a pagar a renda, ou seja, quando a renda é mais de um terço do rendimento da família, estamos a pagar a diferença. E estamos agora a querer, pelo menos, chegar às mil famílias e ainda faremos mais. Porei mais orçamento do que for necessário para ajudar mais famílias. O problema da habitação tem de ser visto não com uma solução única, mas como muitas soluções que temos de implementar, mas sobretudo fazer e não haver muita retórica. Acho que os portugueses estão cansados da retórica na política, estão cansados de certa forma de ouvir promessas.

Mas teme que desapareça de Lisboa o verdadeiro lisboeta?
Primeiro, vamos entrar nos princípios da minha vida, porque Lisboa é uma cidade aberta, quem chega a Lisboa é lisboeta, há lisboetas que vieram de outras cidades - é o meu caso. Há lisboetas que vieram de outros países, de outros continentes. O presidente da Câmara de Lisboa será sempre um defensor dessa diversidade, mas exige tratar as pessoas com dignidade e, portanto, temos de conseguir receber as pessoas em Lisboa com dignidade.

Portanto, não deixar de fora os lisboetas que têm menos dinheiro para só deixar entrar aqueles que têm mais dinheiro, é isso?
Também. E ter sobretudo a capacidade de dizer que para ter uma Lisboa do futuro, preciso de investir 10 vezes, 20 vezes mais na área social do que noutras áreas. Ser presidente da Câmara é ser, de certa forma, um ministro da Área Social, alguém que está aqui para ajudar as pessoas. Porquê? Porque a minha experiência até de ter vivido nos Estados Unidos, ter vivido em Inglaterra, é que há cidades que se perdem porque não cuidam das pessoas. Temos investido, e ninguém ainda tinha investido o que nós investimos nas pessoas em situação de sem-abrigo. Atualmente, ajudamos mais de mil pessoas entre acolhimento, entre programas com essas pessoas, temos 400 apartamentos para que essas pessoas possam viver numa casa - um programa que chamamos Casa Primeiro -, porque a casa é a dignidade da pessoa. Que orgulho nas equipas que tratam das pessoas em situação de sem-abrigo, que têm todo o meu apoio, sobretudo têm o orçamento que criámos exatamente para a ajuda destas pessoas e, portanto, estes programas sociais são a matriz da minha governação de Lisboa. Mas depois a cidade tem de ser também criar o sonho para aqueles que querem crescer dentro da cidade, os inovadores, os empreendedores, os promotores. Todos esses precisam de sonho, precisam que estejamos do lado deles, mas precisamos é de cuidar da sociedade no geral e é isso que tento fazer todos os dias.

Fechando aqui o capítulo da recuperação da habitação, em todo esse cenário que retratou, dos apoios que estão a ser dados, da recuperação que é feita, do património que já existe, de outro património que possa vir a crescer, se neste momento todo o património da Câmara de Lisboa, seja dentro da cidade, seja fora, está a ser disponibilizado para habitação social ou para arrendamento?
Todas as casas nos bairros municipais. Só para ter uma ideia, a Câmara Municipal é um dos maiores proprietários imobiliários do País, temos 22 mil apartamentos em Lisboa.

Confirma que também fora?
Sim, acontece também às vezes ser fora de Lisboa, mas em Lisboa construímos este ano mil. Dentro desses bairros municipais havia ainda muitos [apartamentos] vazios, temos de os recuperar. Ontem, numa reunião, uma senhora disse-me mais dois sítios onde viu dois prédios da Câmara que estão vazios. Vamos remodelar, vamos fazer, mas há sempre exemplos porque a Câmara tem muito património imobiliário e muitas vezes foi abandonado durante anos. Temos de o reconstruir, temos de ter capacidade para isso, esse é o meu objetivo. O património que a Câmara tem é de tal ordem e tem uma capacidade grande de se transformar. Mas há muito [outro] património que é do Estado. Repare, há uma parte de cima do Beato, que é a ala norte da Fábrica de Unicórnios, que estava prometida à Câmara Municipal de Lisboa, no executivo anterior, e que agora, de repente, o Governo transmitiu que já não iria ceder. O que é pena porque tínhamos um projeto ali. Olhe, para as pessoas em situação de sem-abrigo, com a inovação social, porque as pessoas em situação de sem-abrigo não é só ter uma cama, é ter condições, projetos que as façam voltar a viver com interesse pela vida. Portanto, espero que o Governo acabe por reconhecer isso e por nos ceder toda aquela zona norte, que são vários hectares, para que possamos construir e para que possamos ter também um projeto de inovação social.

Só para ficarmos com uma ideia, a Câmara Municipal de Lisboa tem identificado todo o património imobiliário que tem e todas as habitações? Sabem exatamente onde estão e a situação de cada um deles?
Sabemos neste momento. A vereadora Filipa Roseta fez um trabalho que é a Carta Municipal de Habitação, que infelizmente não foi aprovada pela oposição - espero agora, em negociações, conseguir aprovar -, em que identificámos exatamente que terrenos temos, quais são devolutos, estas duas mil casas devolutas que foram identificadas e que já recuperamos 700, e muitas zonas da cidade que tiveram anos e anos abandonados e que agora finalmente conseguimos aprovar obras para mudar a situação. Falo da Quinta do Ferro [junto à Feira da Ladra]. Conseguimos ao fim de 40 anos aprovar. Já estamos nos projetos de execução, até confirmei com a vereadora antes de vir, vamos começar obras já agora em 2024. No Casal do Pinto, ali atrás das Olaias, inaugurámos agora uma creche e vamos ter um espaço verde, vamos ter mais habitação acessível, aprovámos as obras para a urbanização. Podia dar-lhes muitos mais exemplos daquilo que tem sido ir à Lisboa abandonada, conseguir desatar os nós dos problemas, falar com as pessoas, pensar com elas a cidade e aprovar os projetos. Tenho falado até pouco desta parte, sobre aquilo que tem sido feito em termos de visão de cidade, em termos do urbanismo na cidade, que é desenvolver a Lisboa esquecida. E se conseguimos fazer isso temos aqui hectares e hectares. Só entre o Casal do Pinto e a Quinta do Ferro, são 34 ou 35 hectares no centro da cidade e, portanto, são projetos que finalmente andaram.

A Carta Municipal de Habitação foi reprovada pela oposição. Olhando de fora, no dia a dia, a maior cidade portuguesa não parece ter oposição. Sente que tem oposição na Câmara? Como é a relação com os outros partidos?
Sentir sinto, todos os dias, e sobretudo nas reuniões da Câmara Municipal, e isso nunca vou conseguir perceber, porque venho de uma escola - talvez aí mais europeia - em que as reuniões na Europa são preparadas, os tempos de palavra são, e bem, reduzidos ao tempo que é necessário para dizer e não o tempo para fazer teatro. Quando estou nove horas ou dez horas numa reunião de Câmara, porque a oposição está ali a bater no contra, sabe o que é que penso? Que, no tempo que estou ali, podia estar na rua com as pessoas, a ver onde é que estão os problemas e muitas vezes isso é frustrante. Portanto, ter oposição, tenho. Penso é que é uma oposição que está um bocadinho... Por exemplo, o Partido Socialista só tem três vereadores, isto é quase histórico. Depois, formações como os Cidadãos por Lisboa têm três também, igual ao PS. Portanto, temos aqui uma fragmentação, ou seja, uma oposição com uma certa fragmentação. O dia a dia é difícil e é bom. Muitas vezes as pessoas perguntam porque é que isto não aconteceu e a pessoa diz que não aconteceu porque estão em minoria, porque há determinadas decisões que eu não consigo. Repare, vou dar um exemplo para as pessoas perceberem que estas coisas não vale a pena falar em redondo. A gestão imobiliária de uma Câmara é comprar e vender, muitas vezes vendem-se edifícios, compram-se outros para fazer habitação acessível. Todos os presidentes da Câmara podiam vender e comprar. A oposição embarga-me e não me deixa gerir o imobiliário. Se tiver um edifício que preciso de vender, não me deixam vender e, portanto, não deixa comprar. Há soluções de habitação que podia estar a fazer que não são admitidas pela própria oposição. Devo ser o único presidente da Câmara no país que não consegue vender muitas vezes um imóvel, um imóvel que faria sentido vender porque tudo isto é uma gestão da própria gestão, não é político, é uma gestão patrimonial normal.

Mas isso impede-o de comprar?
Impede porque não há dinheiro para comprar, o dinheiro não aparece. Aquilo que se faz numa Câmara, às vezes, é vender-se uma coisa para comprar outra. Mas por outro lado, quando olho para aquilo que tivemos, nestes dois anos, acho que mesmo nesta posição fizemos muito todos os dias, fizemos coisas que são únicas na Europa. Olhe, por exemplo, os transportes públicos gratuitos que atualmente temos e que permitem que 90 mil pessoas andem por Lisboa sem pagar - 90 mil pessoas é 20% da população de Lisboa que não paga transportes e o mais interessante é que me acusavam, diziam que não, que as pessoas não iam ter o passe gratuito. A procura, ou seja, o número de pessoas com os novos passes foi o dobro. Ou seja, dessas 90 mil só 45 mil eram os antigos clientes. Portanto, há mais de 45 mil pessoas que quiseram ter passe. Toda a teoria por trás, que era dizer não, as pessoas têm o passe, é gratuito, mas não andam ou continuam a andar de carro, não é tão verdade.

Mas ainda assim há muitos carros, há demasiados carros na estrada. Há alguma política restritiva que esteja a pensar aplicar nesse sentido, aproveitando que os transportes agora têm mais utilização?
Infelizmente, na mobilidade e no ambiente, [há] ideologias políticas que me atacam, mas talvez tenha sido aquele que fez mais nos últimos anos no sentido de aumentar a mobilidade e reduzir o número de carros. Agora, fi-lo de uma maneira participativa. Por exemplo, anunciei há poucos dias que a rua da Prata ficará fechada ao trânsito, ninguém o tinha feito antes. Portanto, fechar a rua da Prata está anunciado.

Isso resolve um problema ou faz um problema?
Não, tudo isso é um plano de haver menos viaturas na Baixa. O que é que fizemos? Fizemos primeiro uma criação de uma zona da Baixa onde dizemos às pessoas que só os residentes ou quem vier para a Baixa é que vem para aqui. Quem não vier para a Baixa tem de dar a volta. Para isto funcionar - e é preciso que a Comissão [Nacional de Proteção] de Dados me aprove isso -, tenho de ter câmaras para filmar as matrículas e ver se as pessoas são residentes ou se têm, ou vêm para a Baixa para fazer compras ou para os restaurantes. Isso é um problema que estou a resolver com a Comissão de Dados, que até agora na Câmara toda a gente dizia que era um problema impossível. Em Madrid é através dessas câmaras, portanto, em Lisboa também se terá de fazer. Com isso, o que é que podemos fazer? Evitar, por exemplo, que os carros com mais de 10 anos entrem no centro da cidade. A poluição criada pelos carros antigos é 90% da poluição automóvel. E outra coisa que fiz muito interessante com as tecnológicas, foi que, e não devia dizer isso porque as pessoas depois vão fazer o contrário, estou aqui a dizer um segredo: atualmente, se vier de Algés e for para o Parque das Nações e puser no Waze ou no Google - que as pessoas utilizam muito -, vão seguir o caminho pela Infante Santo e não a passar pela Baixa. E as pessoas vão distraídas e seguem. Isso tem evitado muito trânsito que vinha para a Baixa, sem ter aqui um comportamento de estar a parar as pessoas, temos conseguido. Em termos de mobilidade, temos estado a mudar o paradigma gradualmente. Obviamente que a extrema-esquerda diz que não, não pode ser gradual, tem de ser tudo, fecha tudo, não é assim. Acho que isso só cria fricção na sociedade.

E as paragens à porta das escolas, por exemplo, eliminando os carros pode ser produtivo para que os pais tenham menor tendência para levar os filhos de carro à escola e utilizem outros meios, ou não?
Isso é uma proposta, aliás, que foi ontem falada pelo Partido Livre na Câmara Municipal de Lisboa. Estou muito à vontade com essas propostas. Primeiro, porque concorremos à Bloomberg e ganhámos um projeto de 400 mil euros para fazer a ligação de ciclovias às escolas, aquilo a que chamamos a última milha, que é o chegar à escola. Estamos a fazer isso em muitas escolas, temos um comboio de bicicletas que já está a funcionar também em muitas freguesias, e temos algo que gostava que os lisboetas soubessem, que é o amarelo. O amarelo é, no fundo, um instrutor que leva as crianças à escola de autocarro de bairro. Temos muitas carreiras de bairro. Já estamos em seis freguesias e vamos continuar a aumentar. Projetos como esses têm de ser vistos e estudados, foi apresentado ainda ontem e em Paris tem havido experiências nesse sentido. Portanto, vamos estudar, vamos olhar, mas temos muitos, muitos projetos no sentido de aumentar essa mobilidade e de dar mais espaço às pessoas para chegarem à escola com os filhos. Agora, como sabem, e tenho essa experiência, vivo ali ao pé de uma escola, e os pais lisboetas gostam de levar os filhos mesmo até à porta.

Os lisboetas gostam, os outros também, de certeza...
Mas isso mostra algo que é importante nesta discussão toda sobre a parte climática. Só podemos mudar o paradigma, se o mudarmos com as pessoas. E esse mudar com as pessoas é dar incentivos às pessoas. Esse incentivo tem de ser sentido no bolso das pessoas. Se lanço os transportes públicos gratuitos, as pessoas sentem que não pagaram aquele dinheiro e que estão a trabalhar em prol do ambiente, e as pessoas vão, fazem isso. Quando lancei a ideia das lâmpadas LED, ou seja, lâmpadas que consomem 80% menos que as lâmpadas normais na cidade, as pessoas aderiram porque é poupança. A transformação climática tem de passar sempre por ideias que levem as pessoas a preferir a escolha que, no fundo, é mais barata. As pessoas vão sempre para o mais barato.

Mas é preciso uma aculturação.
É preciso uma sensibilização. E essa sensibilização é um trabalho muito importante a fazer. Em Lisboa, vejo isso porque vivi em várias cidades, há muito trabalho ainda para fazer nesse sentido. Senão, estamos a pôr uns contra os outros e o resultado é muito pior. Aquilo que se viu ontem [na segunda-feira] com os ativistas a atirar tinta para cima do ministro [do Ambiente, Duarte Cordeiro], é muito aquilo que hoje está a acontecer na nossa sociedade. Por um lado, temos os extremos, da extrema-direita, os populismos, mas depois agora também temos algum ativismo que em vez de resolver, ainda prejudica. Não podemos, neste momento, estar a criar uma geração com pânico do futuro. E falo com muitos cientistas, temos de acelerar a transição e ser abertos na discussão. Não dizer que há uns que são os maus, ou seja, não vamos atirar tinta para cima de uns porque eles são maus, isso não faz sentido. Todos nós, e aqui falo mesmo como Carlos Moedas, acima dos partidos políticos, queremos lutar para transformar, há uns que querem de uma maneira, outros de outra. Acho que o erro é querer pôr as pessoas em fricção, umas contra as outras. No outro dia, no dia sem carro, fui de bicicleta e nunca fui tanto atacado pela extrema-esquerda, que adora bicicletas. Mas como era eu a ir de bicicleta, nas redes sociais já era um burburinho. Por acaso, até ando de bicicleta. Não, mas o Carlos Moedas não pode andar de bicicleta e isto é o pior que pode acontecer. Realmente, quando o ativismo se torna de tal ordem ideológico que há uma extrema-esquerda que diz, não, não, não, o Carlos Moedas tem a coragem de aparecer agora aqui de bicicleta!? Isto não é ele, somos nós.

É uma apropriação das bandeiras que não seriam suas...
Exatamente, mas qual bandeira? Isto é para todos? É para o nosso futuro? É para os nossos filhos? Isto não é bandeira de ninguém. Isto não é bandeira da extrema-esquerda.

Há aqui um outro tema fraturante, também importante na cidade de Lisboa, que tem a ver com a saúde. A Câmara de Lisboa está tranquila com as mudanças na saúde, a chegada do hospital de Todos os Santos e o fecho dos velhos hospitais? O Plano Diretor Municipal vai mudar?
Em primeiro, acho que pedimos a todos os santos para que isto aconteça, já há 20 anos que se fala no hospital e tenho estado em contacto, aliás, com o ministro. Penso que o que se está a passar é que a descentralização não foi bem feita e ao não ser bem feita as câmaras municipais receberam responsabilidades sem ter os recursos, muitas vezes para as assumir. E a Câmara Municipal fica como culpada muitas vezes de tudo o que acontece na saúde ou na educação. Também podia contar o caso de Marvila, em que temos um novo centro de saúde e depois as pessoas têm de ir para lá às quatro da manhã porque não há médico. A culpa é da Câmara Municipal, mas a descentralização ficou a meias tintas, ficou uma descentralização que é um bocadinho da Câmara e é outra parte do Governo, e isso acho que nunca vai funcionar, porque o cidadão não quer saber de quem é [a responsabilidade], o cidadão quer saber que há um responsável e ele tem de resolver. Se o presidente da Câmara só pode construir o centro de saúde, mas depois não tem capacidade nem de recrutar, nem de contratar aqueles que lá estão, só podem ser os operacionais e não os médicos, fica com metade das culpas e depois há um passa culpas.

E nas escolas é igual...
Investimos nos últimos cinco anos 60 milhões em tudo o que é escolas. Há 15 milhões que o Estado nunca nos pagou, que é o dinheiro que deveria vir do Estado e que nunca cá chegou. Só em recuperação. Num ano, limpámos todas aquelas que tinham amianto, já não há amianto em escolas de Lisboa. E estamos a investir, só este ano, 30 milhões nas escolas. Em investimento a fazer em escolas e creches, são 100 milhões até 2026.

E na saúde vai ser mais difícil fazer essa transição, esse assumir de parte da despesa?
Gato escaldado de água quente tem medo. Nas escolas fizemos essa transição e agora não temos os recursos, portanto, é a Câmara que acaba por assumir. Na saúde, tenho muitas dúvidas se vou assinar ou não o auto de transferência sem ter segurança, mas já falei com o senhor ministro.

O prazo acaba agora, certo?
Sim, mas Lisboa tem os seus prazos, tomamos o nosso tempo e estamos a falar com o ministro. Acho que aqui, Lisboa, pela sua dimensão, merece um tratamento de um para um com o ministro e trabalharmos os dois. Mas tenho de ter a certeza disso, senão não vou assinar um auto de transferência na saúde. Para mim isso está fora de questão. Repare, por exemplo, nos transportes, que é interessante e penso que é importante ter esta ideia. Recebo todos os dias queixas do Metro, por exemplo. Como é que as pessoas percebem que o Metro de Lisboa é do Governo e a Carris é da Câmara de Lisboa? Primeiro toda a gente acha que o Metro também é da Câmara e, portanto, as queixas vêm para o presidente da Câmara. Não faria sentido, de uma vez por todas, se queremos falar numa mobilidade em conjunto, que o Metro também fosse responsabilidade da Câmara Municipal? Telefonam-me a dizer que as escadas do Metro não funcionam, lá tenho de telefonar ao presidente do Metro, mas não sou eu que tutelo, Por acaso, tenho uma ótima relação com o senhor presidente do Metro e ele atende sempre o telefone e lá tentamos resolver, mas teria todo o sentido que o Metro fosse gerido pela Câmara Municipal de Lisboa. Num discurso, pedi ao senhor primeiro-ministro que o Metro, pelo menos, tivesse um administrador que fosse da Câmara para fazer essa ligação. O senhor primeiro-ministro não me respondeu ainda e percebo que a política é a política, mas temos de ir para cima da política. Para termos uma visão de conjunto dos transportes em Lisboa, temos de ter o Metro e a Carris. Portanto, acho que há aqui muito na cidade que tem de ser pensado de uma maneira diferente e a Câmara Municipal tem capacidade para o fazer. E se é para assumir as culpas, então assumi-las por inteiro.

Jorge Sampaio foi Presidente da República 10 anos, depois de ser presidente da Câmara seis anos. Santana Lopes e António Costa foram primeiros-ministros - Costa ainda é. Quem é que acha que está mais perto de ser primeiro-ministro de Portugal? Fernando Medina ou Carlos Moedas?
Diria Luís Montenegro, estará muito mais perto porque é o líder do maior partido da oposição.

Que não foi autarca, por acaso...
E penso que é muito importante ser autarca em todos os aspetos, até porque quando a pessoa está a governar uma cidade da dimensão de Lisboa - que é maior do que alguns países da Europa, por exemplo, o Luxemburgo -, para mim, é uma felicidade. Por Lisboa passaram pessoas de grande craveira que foram presidentes, que foram primeiros-ministros, mas Carlos Moedas gosta profundamente de ser presidente da Câmara de Lisboa.

E não tem esta ambição de ser primeiro-ministro?
Penso que há algo que me diferencia de muitos políticos e digo isto com muita humildade. Não consigo estar a pensar daqui a dois anos ou daqui a quatro anos. Estou no momento e estou a fazer. E há muitos políticos que estão sempre a pensar onde é que vão ser daqui a dois anos e se vão candidatar. Não sou assim.

Não tem um plano de poder?
Nunca tive. Aliás, nunca tive nenhum plano, porque gosto mesmo de servir as pessoas. Nunca pensei ser Comissário Europeu. Nunca pensei ser presidente da Câmara de Lisboa. Ou seja, não nasci para isso, não foi com um plano de agora faço isto para depois fazer aquilo. Aliás, devo ser dos poucos comissários europeus que depois é presidente de câmara. Aliás, dizia isso noutro dia num grupo com os meus colegas. Fui de baixo para cima, porque para cima é mesmo aqui, é com as pessoas. A minha ambição realmente é Lisboa. Acho que tenho tanto trabalho para fazer neste mandato que nem tenho como estar a pensar no futuro. Mas penso que as pessoas estão muito cansadas desta governação e, portanto, Luís Montenegro, a sua liderança e o PSD, obviamente, estão bem posicionados para esse futuro que tem de ser de mudança. E Lisboa aí foi um farol de que era possível uma alternativa.

Todos julgavam que era impossível, não é?
Sim, acho que quando ganhei naquela noite, a alegria que as pessoas tinham não era pelo Carlos Moedas, era uma alegria de dizer "é possível uma coisa diferente, é possível", 14 anos depois com a Câmara sempre do Partido Socialista. O que acho que atualmente é um dos problemas é que, muitas vezes, uns dizem que o que estou a fazer é uma coisa que era do presidente anterior. E digo: mas vocês pensam que isto é vosso? Ou seja, as ideias eram do PS? Não, as ideias ou são boas ou são más, são para as pessoas. E há umas que estou a fazer que vinham de trás e há outras novas que estou a fazer em que vocês nunca tinham pensado. Mas é essa a ideia. E as pessoas naquele momento acreditaram nisso. E penso que há um farol de mudança na cidade, que é também um farol de esperança no País de que é possível, porque há uma altura, antes da eleição de Lisboa, em que as pessoas já achavam que era totalmente impossível, que o País ia continuar neste quase partido único. E isso é muito mau para a democracia.

E Luís Montenegro pode trazer essa mudança para o País, como diz que trouxe Carlos Moedas para a cidade de Lisboa?
Penso que ele está a fazer esse trabalho. E esse trabalho de líder da oposição é muito difícil. É um trabalho de ir de terra em terra. E, por exemplo, Luís Montenegro está a ir exatamente por esse País fora a falar com as pessoas. O País é isso mesmo. E ele está a trabalhar. E penso que ele está a fazer um excelente trabalho. Podem criticá-lo porque estava nas ilhas durante as eleições, mas é bom que o presidente do partido esteja no País. Ele está a fazer esse trabalho. E a política é também isso, é estar presente no País. Ele está a fazê-lo muito bem e, portanto, sem dúvida que é aquele que está mais bem posicionado para ser o próximo primeiro-ministro.

Sobre o Chega, está convencido com aquilo que Luís Montenegro disse? Para si é taxativo?
Não governo com o Chega. Repare, digo sempre que há muita gente que vota no Chega que não vota por questões ideológicas. Vota porque estão desesperados e fartos dos políticos. O voto dos descontentes. E temos de falar com essas pessoas fazendo, no concreto, resolvendo no concreto, porque essas pessoas votam naquele partido por esse desespero. Mas não governo com o Chega. Em Lisboa isso nunca acontecerá. Sobre aquilo que Luís Montenegro disse, estou totalmente de acordo.

Quem é que deveria ser o cabeça de lista do PSD nas próximas europeias? Quer dar aqui alguma proposta?
Tem de perguntar ao líder do partido, é ele quem faz essas escolhas.

Não dá bitaites a Luís Montenegro?
Não, não. Por acaso, penso que esse tipo de escolhas só mesmo se ele me perguntasse. E se me perguntasse, a minha resposta seria que há muita gente de qualidade que pode ser candidato ao Parlamento Europeu. Tem de ser alguém que tenha uma faceta internacional. No Parlamento Europeu tem de se dominar bem línguas, porque apesar das traduções, apesar de tudo isso, é importante trabalhar em várias línguas. É um perfil técnico que é muito importante e não deve ser descurado. E isso é aquilo que posso um bocadinho transmitir a Luís Montenegro, se ele me perguntar, que é falar um bocadinho desse perfil de pessoa, mas penso que há muitos bons candidatos na nossa área política.

É uma eleição que vai além do Parlamento Europeu, quando acontecer?
Todas as eleições vão além delas próprias. São muito importantes. Tenho o sentimento que será uma eleição com muito bons resultados para o PSD.

Decisiva para Luís Montenegro?
Isso é a ele que tem de perguntar, ele é que é o líder do partido, mas penso que com o cansaço com que as pessoas estão, o PSD pode ter aqui uma grande ambição. Como militante do partido e como antigo Comissário, o que posso ajudar é a explicar um bocadinho como é que funciona toda a esfera europeia, mas como eu há outras excelentes pessoas no PSD que também conhecem muito bem o Parlamento Europeu, como o Paulo Rangel, que é um fantástico político e que tem uma experiência enorme no Parlamento Europeu.

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