O ex-jornalista e historiador Carlos Mesa era vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada quando, após protestos generalizados e greves gerais, o presidente boliviano foi obrigado a deixar o cargo. Mesa assumiu então o poder, em outubro de 2003, mas também não concluiu o mandato, demitindo-se em junho de 2005. .Nas eleições de dezembro de 2005, foi eleito Evo Morales, que continua na presidência e procura em outubro um quarto mandato consecutivo, apesar de ter perdido um referendo sobre o levantamento da limitação de mandatos. Carlos Mesa é candidato nas mesmas eleições, surgindo em segundo lugar nas intenções de voto. .Falou ao DN à margem das Conferências do Estoril, que decorreram entre segunda e quarta-feira no Campus da Nova SBE em Carcavelos. .Catorze anos depois de ter deixado a presidência, procura voltar ao poder. O que mudou nestes anos e porque acha que tem o que é preciso para vencer o presidente Evo Morales? Porque acredito que o projeto de Morales, que se iniciou com alguns elementos positivos, sobretudo relacionados com a inclusão, extraviou-se completamente. Está dominado pela construção do próprio poder, para conseguir mais poder. Tem um vínculo muito forte com a corrupção e tem um projeto de reeleição indefinida ilegal, que desconhece o voto popular boliviano. A minha impressão é que a Bolívia tem de trabalhar duramente para recuperar os valores democráticos. A nossa proposta é de uma democracia do século XXI, uma democracia com independência de poderes, alternância no poder, uma recomposição do sistema judicial, que está totalmente desvalorizado, e uma recuperação de uma polícia totalmente penetrada pelo narcotráfico. No âmbito económico e social, a Bolívia vai enfrentar uma desaceleração económica que requer respostas de diversificação económica e políticas sociais. Tem de ser mais diretamente focada nos temas mais sensíveis..Considera ilegal a candidatura de Morales a um quarto mandato, depois de o presidente ter perdido um referendo precisamente sobre a alteração constitucional que levantava o limite de mandatos. Com a sua candidatura não está a legitimar uma eventual vitória do presidente? É um falso dilema. Entendo a lógica da pergunta, mas acho que a única forma de travar um governo autoritário é ganhando-lhe democraticamente. Se te retiras do processo eleitoral, estás a permitir que Morales concorra sozinho, volte a controlar os dois terços do Congresso e continue a aumentar o autoritarismo e o controlo de poderes. Mesmo sabendo que se trata de uma eleição complexa, de uma eleição desigual, a nossa lógica é que podemos ganhar-lhe nas urnas e podemos fazer uma defesa democrática do voto e uma fiscalização democrática do voto..E não seria melhor uma oposição unida para derrotar Morales? Há várias questões que explicam o nosso caminho. Primeiro, desde o ponto de vista da intenção de voto é claro que há dois candidatos com opções reais de ganhar a presidência e eu sou o candidato da oposição que tem a preferência de voto. É uma aliança com o eleitor em função de ele acreditar que nós somos a opção. Segundo, estamos abertos a um espaço de unidade em âmbitos muito amplos de defesa geral da democracia. Terceiro, se a unidade teve dificuldades foi por uma lei arbitrária de organizações políticas que acelerou e adiantou o processo de eleições primárias, que não existia na Bolívia e que não pode ser preparada atempadamente. Cortou tempos para as alianças e hoje dificulta a possibilidade de os candidatos que deixem de o ser, não estejam no boletim de voto. É um tema que limita profundamente a possibilidade de os candidatos pequenos somarem-se a outras candidaturas..Mas seria possível um acordo entre a oposição? Penso que há dois objetivos. Um, que é a construção da democracia de verdade. E segundo, que haja elementos comuns no programa e no projeto de governo. Creio que existiria essa possibilidade, mas esta dificuldade é uma dificuldade concreta..Disse que o projeto de Morales começou com alguns elementos positivos. Em que momento é que acha que houve a rotura? O poder total corrompe totalmente e esse é um fator muito importante. A continuidade de 14 anos acaba por degradar e envelhecer qualquer projeto político. No íntimo acho que o governo de Evo Morales foi sempre autoritário, foi sempre centralista, e manejou a política em relação de amigos/inimigos, ou estás comigo ou estás contra mim, destruiu o pluralismo e não construiu um novo sistema de partidos, porque acreditava na hegemonia de um partido único. Apesar de alguns elementos de carácter social interessantes, a própria base do projeto estava doente desde o início. O acreditar que vens de uma revolução quando, na realidade, estás vinculado ao voto popular. Foi um aspeto terrivelmente distorcionário desde o princípio do objetivo de longo prazo de Morales..Mas você foi nomeado para um cargo por Morales, verdade? Entre 2014 e 2018, fui o representante da Bolívia para explicar ao mundo a "causa marítima" [processo que opõe a Bolívia ao Chile, referente a uma saída para o mar, no Tribunal Internacional de Haia]. E fi-lo, fui claro com o presidente, expressando-lhe a minha oposição ao seu governo, com a lógica que me parece válida na Bolívia, em Portugal ou na China. A de que a política de Estado está acima dos interesses partidários e dos interesses políticos e ideológicos. E o tema do mar é a causa mais importante que a Bolívia tem na sua história, por isso considero que fiz o correto e que foi clara a minha ação exclusivamente referida na questão da saída para o mar..Durante anos assistimos na América Latina a uma onda de esquerdas, na qual entra Morales, e agora uma onda de direita. Falou da política de Estado e da política ideológica. O presidente confundiu as duas? A minha impressão é que nesta altura a definição de esquerda e direita é uma definição do século XX, não do século XXI. A defesa do meio ambiente é de direita ou de esquerda? O presidente Morales tem um discurso ambientalista e uma realidade de ação antiambientalista muito clara, atacando parques nacionais e deteriorando-os. Não respeitou a consulta aos povos indígenas que são, teoricamente, os mais importantes no seu governo. Do ponto de vista da construção de uma economia razoável, de uma macroeconomia gerida responsavelmente, é de direita ou de esquerda? Penso que a definição é complexa. A Bolívia vive, na realidade, um governo com um domínio de empresas de Estado, mas a aplicação de um capitalismo aberto e completo de uma sociedade capitalista, que pensa de maneira capitalista, e o governo tem alianças muito importantes com setores empresariais. É muito difícil a caracterização. Nesse sentido, penso que o problema não está aí. O problema está na identificação do poder numa só pessoa. Acreditar que uma pessoa é que representa o processo político, que sem ele o país não funciona, é de uma visão caudilhista e inaceitável numa democracia..Tentava pôr a Bolívia num contexto regional. O presidente Morales é um dos que continua a apoiar o presidente Nicolás Maduro. Como é que os bolivianos veem essa situação? A Bolívia está inscrita numa lógica de países como Cuba, Venezuela, Nicarágua... Se o governo do presidente Morales apoia militantemente a ditadura da Venezuela, está a dar uma ideia de qual é o modelo político em que acredita. Não do modelo económico, que já é um desastre. Mas quem vê essa realidade dá-se conta desse alinhamento ideológico, num sentido muito abstrato. Parece-me que os bolivianos têm consciência de que o governo de Morales, apoiando uma ditadura absolutamente ilegítima e brutal com o seu povo, não pode ser uma proposta que podemos aceitar como boa e como modelo a seguir..Isso vai ter um impacto nas eleições? Acho que sim. O caminho político de alinhamento do presidente Morales com uma corrente que é basicamente antidemocrática vai gerar uma reação dos eleitores, que tem que ver além do mais com as expectativas de um eleitor que, mais além do que opine sobre o governo Morales, está cansado. A ideia de que há demasiada injustiça, demasiada insegurança, demasiado estancamento económico, demasiada corrupção e demasiado autoritarismo..A situação na Venezuela tem um impacto direto na Bolívia? A imagem do governo de Maduro é péssima, incluindo entre aqueles que poderiam estar mais próximos de Morales. Além disso, se Maduro sai como todos esperamos e dá lugar à legitimidade do voto antes das eleições bolivianas, isso pode gerar um impacto. Porque o presidente Morales, de maneira insistente e na minha opinião míope, continua na linha de apoiar Maduro de maneira total, sem matiz, e isso não é aceitável..Durante anos tivemos Lula ou Hugo Chávez como grandes líderes da América Latina. Neste momento, quem é o líder político da América Latina. Há algum? Isso é um problema. Há dois países gigantes da América Latina, o México e o Brasil, que estão em posições ideológicas distintas. Mas nenhum deles, neste momento, faz valer o peso lógico da sua própria influência. A América Latina vive um momento de transição, com uma grande desorientação sobre o caminho a seguir. O que impuseram Chávez e Lula, que funcionou negativamente porque o resultado final foi muito mau, não foi substituído por uma proposta de construção, que provavelmente mais além da liderança económica, devia construir-se um modelo plural, entre iguais, reconstruindo um processo de integração política e económica não baseada no que um ou outro pensam. E se um não pensa igual, então não podemos estar juntos. Podemos estar juntos. A única condição para mim, na América Latina, é democracia real, respeito ao voto popular. Se é assim, tenho de ter respeito e consideração por um vizinho que possa pensar de forma diferente, mas com o qual podemos partilhar interesses..Como vê o governo de Jair Bolsonaro no Brasil? Para lá da posição pessoal, eu respeito profundamente um governo eleito por um voto popular, inquestionavelmente por um voto limpo e transparente. O que o presidente Bolsonaro planeia a médio e longo prazo é ainda uma pergunta que não foi respondida. Os primeiros meses de governo do presidente Bolsonaro foram complexos, ele ainda está num processo de ajuste, e eu acredito mais nos atos do que nas palavras. É preciso julgar este governo, quando estiver assente, e como desenvolve as suas relações com a América Latina, com toda a expectativa que isso implica. O Brasil é um vizinho direto. A fronteira entre a Bolívia e o Brasil é a maior na América do Sul e, para nós, o Brasil é um sócio estratégico, fundamentalmente ligado à exportação de gás. Portanto, o que passa no Brasil tem uma grande importância. E acreditamos que é preciso gerir dentro de uma linha de respeito e de boas relações. Há um tema complexo que é a renegociação do contrato de venda de gás ao Brasil, que termina neste ano, em outubro, e é preciso renová-lo. E isso tem uma implicação importante para a economia do país. O nosso desejo é que a relação seja fluida e de mútuo respeito.
O ex-jornalista e historiador Carlos Mesa era vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada quando, após protestos generalizados e greves gerais, o presidente boliviano foi obrigado a deixar o cargo. Mesa assumiu então o poder, em outubro de 2003, mas também não concluiu o mandato, demitindo-se em junho de 2005. .Nas eleições de dezembro de 2005, foi eleito Evo Morales, que continua na presidência e procura em outubro um quarto mandato consecutivo, apesar de ter perdido um referendo sobre o levantamento da limitação de mandatos. Carlos Mesa é candidato nas mesmas eleições, surgindo em segundo lugar nas intenções de voto. .Falou ao DN à margem das Conferências do Estoril, que decorreram entre segunda e quarta-feira no Campus da Nova SBE em Carcavelos. .Catorze anos depois de ter deixado a presidência, procura voltar ao poder. O que mudou nestes anos e porque acha que tem o que é preciso para vencer o presidente Evo Morales? Porque acredito que o projeto de Morales, que se iniciou com alguns elementos positivos, sobretudo relacionados com a inclusão, extraviou-se completamente. Está dominado pela construção do próprio poder, para conseguir mais poder. Tem um vínculo muito forte com a corrupção e tem um projeto de reeleição indefinida ilegal, que desconhece o voto popular boliviano. A minha impressão é que a Bolívia tem de trabalhar duramente para recuperar os valores democráticos. A nossa proposta é de uma democracia do século XXI, uma democracia com independência de poderes, alternância no poder, uma recomposição do sistema judicial, que está totalmente desvalorizado, e uma recuperação de uma polícia totalmente penetrada pelo narcotráfico. No âmbito económico e social, a Bolívia vai enfrentar uma desaceleração económica que requer respostas de diversificação económica e políticas sociais. Tem de ser mais diretamente focada nos temas mais sensíveis..Considera ilegal a candidatura de Morales a um quarto mandato, depois de o presidente ter perdido um referendo precisamente sobre a alteração constitucional que levantava o limite de mandatos. Com a sua candidatura não está a legitimar uma eventual vitória do presidente? É um falso dilema. Entendo a lógica da pergunta, mas acho que a única forma de travar um governo autoritário é ganhando-lhe democraticamente. Se te retiras do processo eleitoral, estás a permitir que Morales concorra sozinho, volte a controlar os dois terços do Congresso e continue a aumentar o autoritarismo e o controlo de poderes. Mesmo sabendo que se trata de uma eleição complexa, de uma eleição desigual, a nossa lógica é que podemos ganhar-lhe nas urnas e podemos fazer uma defesa democrática do voto e uma fiscalização democrática do voto..E não seria melhor uma oposição unida para derrotar Morales? Há várias questões que explicam o nosso caminho. Primeiro, desde o ponto de vista da intenção de voto é claro que há dois candidatos com opções reais de ganhar a presidência e eu sou o candidato da oposição que tem a preferência de voto. É uma aliança com o eleitor em função de ele acreditar que nós somos a opção. Segundo, estamos abertos a um espaço de unidade em âmbitos muito amplos de defesa geral da democracia. Terceiro, se a unidade teve dificuldades foi por uma lei arbitrária de organizações políticas que acelerou e adiantou o processo de eleições primárias, que não existia na Bolívia e que não pode ser preparada atempadamente. Cortou tempos para as alianças e hoje dificulta a possibilidade de os candidatos que deixem de o ser, não estejam no boletim de voto. É um tema que limita profundamente a possibilidade de os candidatos pequenos somarem-se a outras candidaturas..Mas seria possível um acordo entre a oposição? Penso que há dois objetivos. Um, que é a construção da democracia de verdade. E segundo, que haja elementos comuns no programa e no projeto de governo. Creio que existiria essa possibilidade, mas esta dificuldade é uma dificuldade concreta..Disse que o projeto de Morales começou com alguns elementos positivos. Em que momento é que acha que houve a rotura? O poder total corrompe totalmente e esse é um fator muito importante. A continuidade de 14 anos acaba por degradar e envelhecer qualquer projeto político. No íntimo acho que o governo de Evo Morales foi sempre autoritário, foi sempre centralista, e manejou a política em relação de amigos/inimigos, ou estás comigo ou estás contra mim, destruiu o pluralismo e não construiu um novo sistema de partidos, porque acreditava na hegemonia de um partido único. Apesar de alguns elementos de carácter social interessantes, a própria base do projeto estava doente desde o início. O acreditar que vens de uma revolução quando, na realidade, estás vinculado ao voto popular. Foi um aspeto terrivelmente distorcionário desde o princípio do objetivo de longo prazo de Morales..Mas você foi nomeado para um cargo por Morales, verdade? Entre 2014 e 2018, fui o representante da Bolívia para explicar ao mundo a "causa marítima" [processo que opõe a Bolívia ao Chile, referente a uma saída para o mar, no Tribunal Internacional de Haia]. E fi-lo, fui claro com o presidente, expressando-lhe a minha oposição ao seu governo, com a lógica que me parece válida na Bolívia, em Portugal ou na China. A de que a política de Estado está acima dos interesses partidários e dos interesses políticos e ideológicos. E o tema do mar é a causa mais importante que a Bolívia tem na sua história, por isso considero que fiz o correto e que foi clara a minha ação exclusivamente referida na questão da saída para o mar..Durante anos assistimos na América Latina a uma onda de esquerdas, na qual entra Morales, e agora uma onda de direita. Falou da política de Estado e da política ideológica. O presidente confundiu as duas? A minha impressão é que nesta altura a definição de esquerda e direita é uma definição do século XX, não do século XXI. A defesa do meio ambiente é de direita ou de esquerda? O presidente Morales tem um discurso ambientalista e uma realidade de ação antiambientalista muito clara, atacando parques nacionais e deteriorando-os. Não respeitou a consulta aos povos indígenas que são, teoricamente, os mais importantes no seu governo. Do ponto de vista da construção de uma economia razoável, de uma macroeconomia gerida responsavelmente, é de direita ou de esquerda? Penso que a definição é complexa. A Bolívia vive, na realidade, um governo com um domínio de empresas de Estado, mas a aplicação de um capitalismo aberto e completo de uma sociedade capitalista, que pensa de maneira capitalista, e o governo tem alianças muito importantes com setores empresariais. É muito difícil a caracterização. Nesse sentido, penso que o problema não está aí. O problema está na identificação do poder numa só pessoa. Acreditar que uma pessoa é que representa o processo político, que sem ele o país não funciona, é de uma visão caudilhista e inaceitável numa democracia..Tentava pôr a Bolívia num contexto regional. O presidente Morales é um dos que continua a apoiar o presidente Nicolás Maduro. Como é que os bolivianos veem essa situação? A Bolívia está inscrita numa lógica de países como Cuba, Venezuela, Nicarágua... Se o governo do presidente Morales apoia militantemente a ditadura da Venezuela, está a dar uma ideia de qual é o modelo político em que acredita. Não do modelo económico, que já é um desastre. Mas quem vê essa realidade dá-se conta desse alinhamento ideológico, num sentido muito abstrato. Parece-me que os bolivianos têm consciência de que o governo de Morales, apoiando uma ditadura absolutamente ilegítima e brutal com o seu povo, não pode ser uma proposta que podemos aceitar como boa e como modelo a seguir..Isso vai ter um impacto nas eleições? Acho que sim. O caminho político de alinhamento do presidente Morales com uma corrente que é basicamente antidemocrática vai gerar uma reação dos eleitores, que tem que ver além do mais com as expectativas de um eleitor que, mais além do que opine sobre o governo Morales, está cansado. A ideia de que há demasiada injustiça, demasiada insegurança, demasiado estancamento económico, demasiada corrupção e demasiado autoritarismo..A situação na Venezuela tem um impacto direto na Bolívia? A imagem do governo de Maduro é péssima, incluindo entre aqueles que poderiam estar mais próximos de Morales. Além disso, se Maduro sai como todos esperamos e dá lugar à legitimidade do voto antes das eleições bolivianas, isso pode gerar um impacto. Porque o presidente Morales, de maneira insistente e na minha opinião míope, continua na linha de apoiar Maduro de maneira total, sem matiz, e isso não é aceitável..Durante anos tivemos Lula ou Hugo Chávez como grandes líderes da América Latina. Neste momento, quem é o líder político da América Latina. Há algum? Isso é um problema. Há dois países gigantes da América Latina, o México e o Brasil, que estão em posições ideológicas distintas. Mas nenhum deles, neste momento, faz valer o peso lógico da sua própria influência. A América Latina vive um momento de transição, com uma grande desorientação sobre o caminho a seguir. O que impuseram Chávez e Lula, que funcionou negativamente porque o resultado final foi muito mau, não foi substituído por uma proposta de construção, que provavelmente mais além da liderança económica, devia construir-se um modelo plural, entre iguais, reconstruindo um processo de integração política e económica não baseada no que um ou outro pensam. E se um não pensa igual, então não podemos estar juntos. Podemos estar juntos. A única condição para mim, na América Latina, é democracia real, respeito ao voto popular. Se é assim, tenho de ter respeito e consideração por um vizinho que possa pensar de forma diferente, mas com o qual podemos partilhar interesses..Como vê o governo de Jair Bolsonaro no Brasil? Para lá da posição pessoal, eu respeito profundamente um governo eleito por um voto popular, inquestionavelmente por um voto limpo e transparente. O que o presidente Bolsonaro planeia a médio e longo prazo é ainda uma pergunta que não foi respondida. Os primeiros meses de governo do presidente Bolsonaro foram complexos, ele ainda está num processo de ajuste, e eu acredito mais nos atos do que nas palavras. É preciso julgar este governo, quando estiver assente, e como desenvolve as suas relações com a América Latina, com toda a expectativa que isso implica. O Brasil é um vizinho direto. A fronteira entre a Bolívia e o Brasil é a maior na América do Sul e, para nós, o Brasil é um sócio estratégico, fundamentalmente ligado à exportação de gás. Portanto, o que passa no Brasil tem uma grande importância. E acreditamos que é preciso gerir dentro de uma linha de respeito e de boas relações. Há um tema complexo que é a renegociação do contrato de venda de gás ao Brasil, que termina neste ano, em outubro, e é preciso renová-lo. E isso tem uma implicação importante para a economia do país. O nosso desejo é que a relação seja fluida e de mútuo respeito.