"É mais provável o Lusitano vencer o Sporting do que ganharmos outra maratona"

Campeão olímpico da maratona em 1984, em Los Angeles, Carlos Lopes fala sobre o jogo deste sábado, 24 de novembro, da Taça de Portugal entre o Lusitano Vildemoinhos, clube em que se iniciou no atletismo, e o Sporting, onde se notabilizou
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O Carlos Lopes é natural de Vildemoinhos e começou a praticar desporto no Lusitano, primeiro no futebol e depois no atletismo, antes de se evidenciar com as cores do Sporting. Como e quando começou a sua ligação ao clube?

Ainda hoje o futebol é uma paixão para mim. O Lusitano é o clube da minha terra e no qual estive presente desde muito jovem. Era onde eu ia ver televisão, assistir a grandes momentos, e ia ao futebol, na altura na III Divisão, patamar que em que competiu durante muitos anos - e ainda compete hoje, embora com uma denominação diferente [Campeonato de Portugal]. É uma ligação que vem desde o berço.

Tinha que idade quando procurou jogar futebol no Lusitano?

O Lusitano só tinha equipas a partir dos juvenis, por isso tinha entre 14 ou 15 anos. Naquela altura, aqueles que tivessem estrutura e físico é que singravam, havia muito contacto no futebol. Como eu só pesava 48 quilos, era muito pequenino. Senti-me sempre, não digo marginalizado, mas uma aposta adiada.

Não tentou a sorte noutro clube?

Não... Ia para onde? Não valia a pena. O Académico de Viseu tinha outra estrutura, as pessoas eram escolhidas a dedo... Embora o Lusitano se batesse de alma e coração frente ao Académico. Ali perto, quanto muito ia para o Viseu e Benfica, mas as pessoas do Viseu e Benfica que me desculpem: era um clube que não me dizia muito.

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E depois como é que surgiu o atletismo no Lusitano?

Surgiu do nada. Eu e o meu grupo de amigos ia a uma festa em Abraveses, que era relativamente perto - hoje ainda é mais perto -, e quando à meia-noite regressávamos a casa, atravessámos pinhais a correr para ver quem chegava primeiro. Passados uns dias, juntámo-nos e decidimos formar uma equipa de atletismo.

Um começo atípico e tardio de uma carreira que culminou com a conquista do ouro olímpico na maratona dos Jogos de Los Angeles (1984)...

Se analisarmos bem, a teoria que se apregoou nos últimos anos, de que quem começa mais cedo pode tirar mais partido das capacidades, não corresponde de todo à verdade. Quanto mais cedo começam, mais cedo acabam também. O atletismo é tão agressivo que não está ao alcance de todos.

E hoje em dia qual é a sua ligação ao clube? Na lista dos órgãos sociais do Lusitano, há um Carlos Lopes que é vogal na direção...

A ligação esteve sempre presente, embora mais distante. Esse Carlos Lopes possivelmente é meu primo.

Então como se colocou a hipótese de ser você a representar o Lusitano no sorteio da quarta eliminatória da Taça de Portugal?

Na véspera do sorteio, o presidente [António Loureiro] telefonou-me a pedir para estar presente, porque ele tinha uns compromissos. Estava disponível e fui.

Que clube é este, o Lusitano Futebol Clube de Vildemoinhos?

É um clube centenário, com 102 anos [fundado a 14 de agosto de 1916]. Não é um clube qualquer. É um clube representativo da Associação de Futebol de Viseu, com vários campeonatos distritais, e com um povo que se une pelo clube. O Lusitano é um clube das gentes de Vildemoinhos e com características muito próprias, com gente apaixonada e que dá tudo, com um sentimento muito bairrista. Para a evolução destes sete ou oito anos, muito contribuiu esta direção que tudo faz para criar condições. Hoje as camadas jovens do Lusitano participam nos campeonatos nacionais. Estes são os tempos áureos do Lusitano, que já esteve com um pé na II Liga, mas a subida não se proporcionou. É um clube que vive dos seus próprios meios, que compete com outros que gastam imenso dinheiro e têm SAD. É tudo gente de trabalho, que trabalha discretamente mas que tem feito um grande trabalho.

Subir à II Liga pode ser um objetivo viável nos próximos anos?

Penso que sim. Com esta perseverança, coragem e esta visibilidade dada por jogos da Taça como este frente ao Sporting, é normal que apareçam cada vez mais jovens e se crie uma estabilidade cada vez maior. É um clube que tem os escalões todos, desde os mais pequenos, e até futebol feminino e futsal. Não é um clube tão pequenino como parece, tudo obra desta direção.

E Vildemoinhos, como é?

É uma aldeia grande, já incorporada pela própria cidade de Viseu, mas que mantém as suas características muito próprias. De Vildemoinhos ao centro da cidade são cerca de 1500 metros. É uma aldeia muito antiga e com uma tradição tremenda, com uma festa com 367 anos que se celebra a 24 de junho, dia de São João. Vildemoinhos não é só futebol.

E como é que está a encarar a visita do Sporting?

Era um amor à primeira vista entre Lusitano e Sporting. Já há muito tempo que pensava nesta situação. O futebol e a Taça de Portugal têm estes momentos mágicos, de aproximação entre os grandes clubes e os mais pequenos. O Lusitano teve a sorte de, ao fim de tantos anos, apanhar um clube chamado Sporting. Foi uma fava agridoce, por uma razão simples, porque esta aproximação pode trazer uma mais-valia paras as gentes de Vildemoinhos e residentes de Viseu. Agora, se me perguntar se preferia que o jogo fosse no Estádio dos Trambelos, claro que sim.

Agora que já passaram alguns dias da realização do sorteio, o seu coração começa a virar-se mais para que lado?

Quer ganhe ou outro, estou sempre bem.

Preferia que fosse um dos outros grandes a visitar o Lusitano para não estar de coração dividido?

Não. O Sporting era a primeira opção. E se o Lusitano passar, que venha o FC Porto.

Após o sorteio, o disse "o Sporting que se prepare". O que queria dizer com aquilo? Quais são as principais virtudes do Lusitano?

O Lusitano é uma equipa com características de combate, que trabalha, é solidária e não vira a cara à sua capacidade de resistência: enquanto o jogo não acabar, há sempre possibilidades. É uma característica do povo de Vildemoinhos. Eu cresci ali e não desarmava enquanto houvesse possibilidades, as forças cresciam naturalmente.

O que acha mais provável: um português voltar a vencer o ouro olímpico na maratona ou o Lusitano tombar o Sporting?

É muito mais possível o Lusitano vencer o Sporting, porque só daqui a uns mil anos é que Portugal volta a ganhar uma maratona olímpica.

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