Carlos do Carmo, que nos deixou, com 81 anos, foi, quanto a mim, o nosso melhor cantor de sempre, seguido de Francisco José. Como fadista, o cetro pertence à nossa grande Amália. Outros houve como Zeca Afonso e José Mário Branco, que foram também grandes, mas como cantores de intervenção, sem qualquer desprimor para estes. Antes pelo contrário..Carlos do Carmo, a quem chamavam também Charles du Charme, interpretou, de forma soberba, os poemas musicais de José Carlos Ary dos Santos, o seu poeta. "Lisboa menina e moça", "A Estrela da tarde" e "O Homem da Cidade" foram três canções notáveis, ainda hoje cantaroladas pelos apreciadores da boa música..Carlos do Carmo, cuja carreira, mormente no fado-canção, seria brilhante, teve consagração internacional, ao receber um Goya e um Grammy, no que não foi felicitado por Cavaco Silva, então Presidente. A sua resposta, exemplar, a meu ver: fui felicitado por quem queria, ou seja, por Eanes, Soares e Sampaio, esses, sim, Presidentes!.A sua atuação no Olympia, famoso palco de Paris, constituiu outro momento alto da sua vida de cantor. Ainda me recordo das palavras em francês, algo emocionadas, ao pisar aquele palco: dames et monsieurs, dans trois, quatre segonds, j' accomplirai un rêve de ma vie, je vais chanter Jacques Brel au Olympia!.Dizia-se dele que era A Voz, por réplica ao consagrado Frank Sinatra, The Voice..Comunista por opção convicta, costumava dizer, publicamente e aos amigos, nos quais tive a honra de me incluir: 50 anos de Salazar, mais 20 de Cavaco, chiça é de mais! Nas conversas que tinha com ele, que eram, aliás, frequentes, enaltecia o acordo de esquerda, nomeadamente porque o PCP e o BE temperavam a tentação capitalista do PS..Com a morte de Carlos do Carmo, o nosso mundo artístico fica mais pobre, perdendo um dos seus grandes senhores. Morreu em Lisboa, a cidade mulher da minha vida, como ele tão bem cantava, no poema de Ary dos Santos. Adeus, Carlos!