"Capitalismo de Estado", setor privado e PCC na China (I)

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O sistema económico na China tem sido descrito como de "capitalismo de Estado", i.e., numa economia de mercado assente na concorrência entre empresas estatais. Mas trata-se de um sistema misto, com empresas estatais (SOE) (centrais, provinciais e municipais) e um pujante setor privado. Há quatro décadas, o setor privado era incipiente e as SOE dominavam a quase totalidade da economia chinesa. A partir de 2003, a Comissão Estatal de Supervisão e Administração de Ativos (SASAC) implementou a política "zhuada fangxiao" (tratar do grande, libertar o pequeno), tendo-se concentrado na reestruturação das SOE, estruturadas como corporações modernas, maiores e mais eficientes, tendo focado a sua atuação em setores estratégicos em que a supervisão governamental é essencial. O Estado saiu de muitos setores, tendo reduzido o número de SOE através de privatizações, vendas de ativos e fusões e aquisições.

As SOE centrais são empresas enormes, não raro conglomerados. E como tal, aparecem em lugar de destaque em alguns indicadores como a lista da Fortune Global 500 na qual, em 2021, havia 135 empresas chinesas, das quais 73% são SOE.

Após a política de abertura e reforma lançada em 1979 por Deng Xiaoping, o PIB da China cresceu a c. 10% / ano e a relevância do setor privado aumentou de forma significativa. Nos últimos 15 anos, para descrever as tendências económicas na China, tem sido utilizada, a espaços, uma expressão: "guo jin min tui" ([as empresas d]o Estado avançam, o setor privado recua). Mas os números não refletem isso. Num documento de trabalho do Fórum Económico Mundial, de 2019, afirmava-se que o setor privado da China é "o principal motor do crescimento económico da China", "contribuindo com 60% do PIB da China, sendo responsável por 70% da inovação, 80% do emprego urbano e 90% de novos empregos". Além disso, "é também responsável por 70% do investimento e 90% das exportações", bem como de 50% do valor de mercado das maiores empresas cotadas.

CitaçãocitacaoDesde 2020 que a liderança chinesa insta o setor privado a alinhar a sua atividade empresarial com os objetivos do partido.esquerda

Porém, a acumulação de riqueza do setor privado na China teve sempre uma "característica chinesa" - as empresas privadas podem crescer e prosperar, mas não podem pôr em causa a liderança política do Partido Comunista Chinês (PCC) no país. Daí a criar células do partido em muitas empresas privadas foi um passo. Sejam essas empresas detidas por nacionais ou por estrangeiros. De acordo com um inquérito ao setor privado recolhido em 2018 pela Federação da Indústria e Comércio da China, 48% das empresas têm uma célula do partido; existem menos células do PCC nas regiões com maior atividade económica e no comércio (por grosso e retalhista). Nas grandes empresas privadas a penetração era quase total: mais de 92% das 500 maiores empresas privadas da China tinham células partidárias. A percentagem aumentou certamente, até porque desde 2018 a existência de célula do PCC é obrigatória para as empresas admitidas à cotação em bolsas de valores. Tanto quanto se sabe, estas células partidárias [ainda] não interferem na gestão das empresas privadas. Desde 2020 que a liderança chinesa insta o setor privado a alinhar a sua atividade empresarial com os objetivos do partido. Ainda não é claro que consequências pode esta orientação política ter nos planos económico e social da China no devir próximo.

Consultor financeiro e business developer
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