Caos no anúncio da vitória de Ruto no Quénia

Vice-presidente declarado vencedor das eleições de 9 de agosto, mas adversário deverá recorrer para os tribunais.
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Seis dias depois de os quenianos terem ido às urnas para eleger o quinto presidente do país, a Comissão Eleitoral e de Fronteiras Independente (CEFI) anunciou ontem o resultado no meio do caos, com quatro membros a recusarem estar presentes, criticando a "natureza opaca" do processo, e cenas de pancadaria entre os apoiantes dos dois principais candidatos no local onde ocorreu o anúncio. A violência pós-eleitoral tem sido norma no Quénia, visto como um pilar de estabilidade na região.

O até agora vice-presidente William Ruto, que não contava com o apoio do presidente Uhuru Kenyatta (impossibilitado de concorrer a um novo mandato), foi declarado o vencedor com 50,49% dos votos Num país habituado a denúncias de fraude e violência pós-eleitoral, é esperado o pedido de recontagem do derrotado, Raila Odinga, que teve 48.5% - tem sete dias para o fazer. O ex-primeiro-ministro e antigo rival de Kenyatta, que tentava pela quinta vez chegar ao poder, tinha desta vez o apoio do presidente.

Pouco antes do anúncio oficial, quatro dos sete membros da comissão eleitoral, incluindo a vice-presidente Juliana Cherera, deram uma conferência de imprensa, alegando serem "incapazes de se apropriar do resultado" devido à "natureza opaca da forma como esta fase foi tratada". O que faz soar os alarmes em relação ao escrutínio. Lançaram contudo um apelo à calma, lembrando que qualquer resultado pode ser alvo de contestação nos tribunais e defendendo o estado de Direito.

Mas enquanto os membros rebeldes da CEFI se pronunciavam, rebentava a confusão no local onde se esperava o anúncio do resultado, com cenas de pancadaria que se temia fossem repetidas pelo país - a polícia viria a usar gás lacrimogéneo mais tarde em algumas zonas da capital. O líder da CEFI, Wafula Chebukati, anunciou finalmente os resultados, dizendo que tinha que cumprir a lei apesar da "intimidação" e "assédio". Foi depois apelidado de "herói" pelo presidente-eleito. Ruto prometeu um "governo transparente, aberto e democrático", apelando aos opositores para trabalharem em conjunto. "Não há espaço para vingança", indicou.

A eleição foi seguida de perto pela comunidade internacional, que vê o Quénia como um pilar de estabilidade numa região volátil - apesar da violência pós-eleitoral do passado. Logo nas primeiras eleições multipartidárias, em 1992, ganhas por Daniel arap Moi (no poder desde 1978 após a morte do primeiro líder pós-independência Jomo Kenyatta, pai do atual presidente), houve violência entre a sua tribo e a de Kenyatta, com centenas de mortos.

A situação foi ainda mais grave em 2007, quando Mwai Kibaki foi reeleito para um segundo mandato e o adversário Odinga alegou que a eleição tinha sido roubada. Confrontos entre diferentes etnias nas semanas seguintes resultaram em 1200 mortos e obrigaram 600 mil a sair de casa. Em 2017, Kenyatta ganhou a Odinga e a violência voltou a repetir-se. O Supremo Tribunal acabaria por anular a votação, mas Kenyatta seria reeleito na repetição eleitoral, após o boicote da oposição.

susana.f.salvador@dn.pt

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