"Cantar!": uma fábula no regresso em força dos animais ao cinema
É oficial: os animais estão a tomar conta da cidade... no cinema de animação, entenda-se. E vale a pena, para começar, fazer um apanhado dessa atual conjuntura. Se excluirmos as sequelas de O Panda do Kung Fu, A Idade do Gelo e À Procura de Dory, que já de si recriam diferentes faunas, neste ano cinematográfico chegaram-nos às salas pelo menos quatro novas produções em que a alimária salta à vista como denominador comum. Falamos de Zootrópolis, A Vida Secreta dos Nossos Bichos, Cegonhas e agora, a piscar o olho às férias de Natal da pequenada, Cantar!. Tudo aventuras urbanas, umas mais sofisticadas do que outras.
Dos estúdios Illumination, que nos deram Gru - O Maldisposto, Mínimos e, justamente, A Vida Secreta dos Nossos Bichos, Cantar! é mais um êxito que se adivinha nos próximos cálculos de bilheteira. Temos sarapatel de ação e entretenimento numa metrópole de onde os humanos foram arredados, mas com diversos pontos de contacto com o mundo mediatizado em que vivemos.
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Na verdade, já não é preciso puxar muito pela imaginação, basta ligar o televisor e a sociedade do espetáculo exibe-se de chofre em todo o tipo de concursos e malabarismos dos media. Além dos reality shows ou competições de culinária, os programas de novos valores musicais continuam muito na moda. Ora, é apenas disto que trata Cantar!, levando ao palco uma abundância de talentos e espécies à procura da sua oportunidade para brilhar diante de uma plateia.
O protagonista da história é um coala janota e otimista, Buster Moon (na versão original, com a voz de Matthew McConaughey, e na dobrada, a de Vasco Palmeirim), que dirige um grande teatro, pelo qual se fascinou aos 6 anos, investindo na compra do edifício todas as economias de vida do seu pobre pai. O sonho megalómano, no entanto, foi-se afundando com o contínuo insucesso dos espetáculos, que, chegado ao ponto deste filme, isto é, com um amontado de contas por pagar, é preciso inverter. Ideias? Um concurso musical, com um prémio no valor dos únicos tostões que lhe restam no baú... 1000 dólares. Acontece que, num ápice, por descuido da sua secretária, uma iguana muito idosa, são acrescentados zeros ao prémio, passando a 100 mil dólares, cujo anúncio em panfletos se espalha pela cidade inteira, literalmente ao sabor do vento. A fila de concorrentes, como se pode imaginar, será interminável.
[destaque: O prémio é de 1000 dólares mas um engano transforma-o em 100 mil.]
Aqui e ali, o argumento do inglês Garth Jennings (Filho de Rambow - Um Novo Herói) - que é também um dos realizadores de Cantar!, ao lado do debutante Christophe Lourdelet - vai-nos dando conta de pequenas narrativas familiares, a lançarem pistas de quem serão os elementos do grupo selecionado. De uma envergonhada jovem elefante, a um gorila filho do chefe de uma quadrilha, passando por uma porco-espinho de alma roqueira, uma mãe sobrecarregada com os seus 25 leitõezinhos, mais um porco dançarino e um imodesto rato-Frank Sinatra, aqui temos o nosso eclético bando de prodígios. O que resulta deste ajuntamento é, pois, uma sucessão de números musicais, com temas bastante conhecidos do grande público, como Shake It Off, de Taylor Swift, ou Call Me Maybe, de Carly Rae Jepsen, que, não temos dúvidas, deixará irrequieto qualquer pé e animadas as crianças. Para os adultos, talvez My Way, cantado pelo rato-Sinatra, seja mais apreciado.
No todo, Cantar! acaba por ser um empreendimento eficaz, mesmo que parasita de uma ideia, mais do que inteligente, astuciosa. Dentro da variedade de histórias pessoais de cada animal, o filme consegue projetar-se numa linha simples, e ir aos valores essenciais da perseverança, respeito e solidariedade. E não é muito mais do que isso. Quer-se show, luzes, cor e ritmo.
Na hora de escolher a versão a assistir, aconselha-se a original, com vozes de Scarlett Johansson, Reese Whiterspoon ou John C. Reilly, mas para os mais pequeninos é a dobrada que ganha pontos, com, entre outros, o elenco do concurso The Voice, Anselmo Ralph, Áurea, Marisa Liz, Mickael Carreira, Catarina Furtado e o já referido Vasco Palmeirim. Eis a razão de ser deste filme: a própria génese do espetáculo. Até a Popota deve rever a matéria...