Cansado que me peçam (só mais um) extra-mile…

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Por muito madura que uma organização seja, será sempre incapaz de antecipar todos e quaisquer cenários que lhe permita construir o mapa de funções de cada colaborador com absoluta exatidão. O contexto em que as organizações se inserem é dinâmico, surgindo muitas vezes imprevistos que requerem respostas imediatas e urgentes. É nesse sentido que as organizações contam muitas vezes com o extra-mile dos seus colaboradores, isto é, com a execução de tarefas não descritas, formalizadas ou contratualizadas com ele à priori. Muitas vezes, a vantagem competitiva da organização reside nesta mesma capacidade das suas equipas percorrerem sucessivos extra-miles.

Contudo, isto tem um custo acrescido para o colaborador. A incapacidade da organização em identificar e atuar sobre este mesmo custo, poderá desequilibrar o balanço entre expectativa e a experiência do colaborador, levando à sua insatisfação. Quando este desequilíbrio se torna crónico, a insatisfação torna-se permanente, e os colaboradores tendem a demitir-se de forma silenciosa.

O conceito de demissão silenciosa refere-se à recusa do colaborador em fazer mais do que aquilo que está estritamente compreendido no âmbito das suas funções, tendo subjacente uma redução do investimento psicológico do colaborador na organização. Por exemplo, colaboradores que se demitem em silêncio manifestam indisponibilidade para ficar até mais tarde ou vir mais cedo para o trabalho, ou até participarem em reuniões não obrigatórias. A propensão para a demissão silenciosa dos colaboradores nas organizações é ainda mais premente considerando a, cada vez maior, instabilidade económica global. Os colaboradores ao perceberem que não se podem dar ao luxo de se demitirem, o que fazem é demitirem-se de forma silenciosa: protegem-se, e equilibram o desequilíbrio ignorado (e promovido) pelos seus chefes.

Naturalmente, muitos líderes reagem de forma negativa à demissão silenciosa dos seus colaboradores, pois é um sinal do seu descompromisso institucional. Porém, o que a grande maioria dos líderes falha em perceber, é que a demissão silenciosa é um produto da sua (falhada) política de recursos humanos. Percorrer o extra-mile tem um custo acrescido para os colaboradores, devendo por isso as organizações possuir políticas de bem-estar, flexibilidade e progressão na carreira. Não obstante, pior do que perder colaboradores que querem sair, é ficar com colaboradores que já se demitiram em silêncio, pois a sua indisponibilidade em produzir algo fora do escopo das suas funções promove uma sobrecarga nos restantes colegas.

O extra-mile não é o problema em si. É normal que ao longo do tempo exista uma expansão nas tarefas dos colaboradores. Porém, e especialmente depois da pandemia, período no qual os colaboradores passaram a fazer muito mais (sendo hoje parte expectável do seu leque de funções), é necessário recalibrar o âmbito de atuação de cada colaborador. Os líderes de equipa devem identificar as funções essenciais de cada colaborador, e definir aquilo que é verdadeiramente extra. Desta forma, reequilibra-se a relação entre colaborador e organização, no que concerne ao extra-mile percorrido e ao desenvolvimento de políticas de incentivo, respetivamente.

Por outro lado, é menos provável que sucessivos extra-miles levem à demissão silenciosa de colaboradores se estes se sentirem suportados pela organização, isto é, se julgarem que a organização se preocupa com aquilo que necessitam para executar o seu trabalho. Não se trata apenas de mostrar empatia. Trata-se de recolher, de forma objetiva, dados qualitativos e quantitativos sobre o que cada colaborador requer para estar mais envolvido com a organização, e atuar de forma individualizada sobre eles.

Criar um ambiente onde os colaboradores tenham a confiança que a liderança vai aparecer quando eles mais precisarem, e vai ser capaz de responder às suas preocupações, é fundamental para a prosperidade da organização.

Diretor-executivo de educação online da Nova SBE Executive Education

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