Candidatura ao Conselho de Segurança testa peso de Portugal no mundo

Antigos embaixadores na ONU António Monteiro e Francisco Seixas da Costa juntam-se à investigadora Lívia Franco para traçar um retrato de um país com simpatias angariadas no plano internacional, que quer regressar a um órgão importante e bloqueado.
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"Portugal é um país de média dimensão com uma projeção à escala global um pouco superior àquilo que é o seu verdadeiro peso, quer no plano económico, quer no plano demográfico e geopolítico", explica ao DN o antigo embaixador na Organização das Nações Unidas (ONU) Francisco Seixas da Costa. O tema volta à agenda política nacional na semana em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursou mais uma vez na Assembleia -Geral das Nações Unidas. Sem novidade na forma, nem no conteúdo, o chefe de Estado foi incisivo no apelo à reforma da instituição. Mas o que está em causa é a candidatura de Portugal, para o biénio 2027-2028, como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU, o órgão mais importante da estrutura, que está bloqueado há anos pelo uso do veto dos cincos países que têm assento permanente. Um deles é a Rússia.

"Portugal, que é um dos mais velhos países do mundo - estamos a falar de um dos cinco ou seis países mais velhos do mundo, com fronteiras definidas há largos séculos - tem vantagens, por todas as razões, até porque é um país com uma expressão global muito forte", continua o embaixador, que neste ponto é corroborado pela professora de Ciência Política do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP) Lívia Franco.

Portugal é "membro da ONU desde 1956 e só esteve três vezes no Conselho de Segurança. Não é muito. Claro que a posição de Portugal até ao 25 de Abril, em matéria internacional e de descolonização, explica por que é que nunca tinha estado como membro", afirma a investigadora, recordando que a primeira vez que o país entrou no Conselho de Segurança, sempre na qualidade de membro não-permanente, foi em 1979. "Faz sentido o apoio para que haja mais membros não-permanentes, que isso também abre a possibilidade de Portugal poder vir a estar mais vezes" naquele órgão, constata.

Portugal foi membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU nos biénios 1979-1980, 1997-1998 e 2011-2012. Em 2013, Portugal formalizou a candidatura para o biénio de 2027-2028, com uma antecedência que não foi isenta de participações a outras escalas dentro da ONU. O atual secretário-geral das Nações Unidas, o antigo primeiro-ministro português António Guterres, termina o seu segundo mandato à frente da organização em 2026, no mesmo ano em que decorrerá a eleição para o Conselho de Segurança. Antes disso, Guterres foi Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, entre 2005 e 2015. Feitas as contas, Portugal tem mais de 20 anos consecutivos em cargos cimeiros no seio da ONU.

Portugal, "quando se candidata [ao Conselho de Segurança da ONU] - o funcionamento da ONU é sempre com base regional - é num slot em que há candidatos muito fortes. É o que se chama os países da Europa Ocidental e Outros", diz Lívia Franco.

A investigadora recupera a ideia de que "Portugal compete com candidaturas como, por exemplo, o Canadá e a Alemanha", o que, por vezes, até apresenta desafios, por "essas candidaturas" serem "um bocadinho mais fortes do que as nossas, até do ponto de vista do arcaboiço financeiro". "Por outro lado, Portugal é um país que tem uma simpatia global. Portanto, não tendo um arcaboiço financeiro assim tão grande, temos uma boa receção da nossa candidatura", conclui.

"Portugal tem hoje uma capacidade de interlocução no mundo muito rara", complementa Seixas da Costa. Para o embaixador, "no chamado WEOG [a sigla em inglês para Western European and Other States Group, isto é, Grupo da Europa Ocidental e Outros Estados], há dois lugares. Num dos lugares, já na última eleição tinha sido assim, apareceu como candidato a Alemanha. E para o outro lugar, era Portugal e o Canadá. Lembro-me de que, quando fizemos esta eleição, demos dez a zero ao Canadá, que é uma potência nas Nações Unidas. Teve um secretário-geral adjunto, financia o think-tank das Nações Unidas [Universidade das Nações Unidas], tem tropas por todo o mundo nas missões, só que Portugal dá dez a zero ao Canadá", sublinha Seixas da Costa.

Isto acontece porque, como argumenta Lívia Franco, Portugal teve sempre um "bom relacionamento histórico com as várias regiões do mundo", ao qual se acrescenta o facto de pertencer à Comunidade de Países de Língua Portu- guesa (CPLP).

"Trabalhamos bem essas redes e elas ajudam a angariar apoio à nossa candidatura", observa a investigadora.

Apesar de ser visto como o órgão mais importante dentro das Nações Unidas, até porque aprova ou trava decisões sobre paz e intervenção internacional, incluindo a eleição do secretário-geral da organização, o Conselho de Segurança está bloqueado porque, entre os 15 membros que o integram, cinco são permanentes e têm o poder de vetar qualquer tomada de posição. É esta a circunstância em que aparecem os Estados Unidos, a Rússia, a China, a França e o Reino Unido. Os restantes dez membros são eleitos para mandatos de dois anos e não são permanentes. E é aqui que entra Portugal.

A Rússia, protagonista no mais recente conflito europeu, com a intervenção militar na Ucrânia, não é o único país que exerce o direito de veto, "digamos, de uma maneira pouco aceitável", frisa ao DN o antigo embaixador da ONU António Monteiro.

"É evidente que a Rússia, que lançou uma invasão, que transgrediu as regras mais básicas das Nações Unidas, um país que prossegue uma guerra injusta e inqualificável, ter o poder de veto é uma das aberrações com que naturalmente nos deparamos agora, e que seria útil acabar. Mas, para isso, é preciso que haja um entendimento global que, creio, estamos muito longe de obter", analisa António Monteiro, acautelando que também "os Estados Unidos têm recorrido ao veto, sobretudo para bloquear ações relativas ao conflito no Médio Oriente".

Também Seixas da Costa concorda que este órgão "só funciona quando, pelo menos, algum membro deixar passar as coisas. Como neste momento há um membro do Conselho de Segurança que está perfeitamente envolvido numa guerra, que agrediu um país vizinho, que está a tentar, inclusivamente, vender uma leitura de Direito Internacional, que ninguém aceita, que é a criação daquelas republiquetas dentro da Ucrânia e que fez aderir à Federação Russa, ora, estamos aqui com um conflito de Direito Internacional insolúvel", conclui.

No entanto, o antigo embaixador da ONU convoca a ideia de que é "extremamente importante que Portugal esteja com alguma regularidade no Conselho de Segurança", porque é a maneira de o país mostrar a eficácia da sua diplomacia e o "caráter dialogante" da sua "postura externa". "Estou perfeitamente convicto de que vamos ser capazes de estar no Conselho de Segurança a partir de 2027", antecipa.

vitor.cordeiro@dn.pt

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