Candidato a sucessor de Stieg Larsson é um quarto portuguesa

<div>Lars Kepler, pseudónimo de um casal sueco que escreve a quatro mãos, vai ver o seu <i>O Hipnotista</i> finalmente publicado em inglês em Maio. Em Julho sairá em Portugal <i>O Executor</i>, segundo volume da série. O policial nórdico testa a sua popularidade.</div> <div> </div>
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Se alguém escrever que o candidato a sucessor de Stieg Larsson é um quarto portuguesa, não se apresse a criticar um erro de concordância. É que por detrás do autor sueco Lars Kepler está o casal Ahndoril - ele Alexander, ela Alexandra. Mas a metade feminina usa também o apelido Coelho, espécie de homenagem à portuguesa que um dia se apaixonou por carta por um marinheiro sueco, foi viver para a Escandinávia e por lá teve uma belíssima filha. Por isso faça agora as contas: Lars Kepler são duas pessoas. Uma delas é luso-sueca. Logo, estamos perante um autor 25 por cento de origem portuguesa, mesmo que a língua da mãe não seja neste caso a língua materna de Alexandra Coelho Ahndoril, como descobriram os jornalistas portugueses que entrevistaram a dupla em Lisboa, em Junho do ano passado, quando veio cá promover O Hipnotista. Aliás, na entrevista à RTP2, possível ainda de ver no YouTube, o inglês serve de língua de comunicação. Está previsto um regresso para breve, pois em Julho dar-se-á o lançamento pela Porto Editora de O Executor, segundo livro da série em que a personagem principal é o inspector Joona Linna, um finlandês de expressão sueca. Para os Ahndoril não será sacrifício algum mais uma viagem de avião até ao sul: passaram em Portugal a lua-de-mel e Alexandra fazia por cá férias, na zona do Sardoal, durante a juventude [ver entrevista].Lançado na Suécia em 2009, O Hipnotista foi um enorme sucesso e atingiu mesmo o primeiro lugar em termos de vendas. A história parte da utilização de um hipnotista para interrogar um jovem em estado de coma, sobrevivente de uma família massacrada. Na Feira do Livro de Londres desse ano, o enredo não passou despercebido a ninguém e foram assinados contratos para edições em cerca de trinta países. Mas tardou dois anos para que finalmente saísse a edição em inglês, prevista para Maio no Reino Unido e para Junho nos Estados Unidos, com a livraria online Amazon a aceitar já encomendas para ambos os casos.Referido com insistência pela imprensa internacional como o maior candidato a sucessor de Stieg Larsson, o autor da trilogia Millennium, Lars Kepler precisa agora de passar no teste britânico e americano. E as apostas são para que tal aconteça, pois em espanhol, francês e italiano a recepção da crítica e do público foi óptima. Em Portugal, as vendas «na ordem dos dez mil exemplares», segundo Maria João Machado, da Porto Editora, justificam que se avance com a edição de O Executor, que fez furor na Suécia, reforçando a fama e fortuna dos Ahndoril, juntos há 19 anos e com três filhas. Claro que também ajuda o fenómeno de popularidade do policial sueco gerado a partir de 2005 pelos livros de Larsson, um jornalista que morreu antes de conhecer o sucesso da sua obra. Millennium tem como heróis a pirata informática Lisbeth Salander e o jornalista Mikael Blomkvist [ver texto «Lisbeth e Mikael»].ComparaçõesTanto Alexander como Alexandra já eram autores conhecidos na Suécia antes de criarem o pseudónimo comum. Ele, nascido em 1967, afirmara-se como dramaturgo e romancista, tendo impressionado a crítica com uma biografia ficcionada de Ingmar Bergman, o famoso realizador nórdico. Ela, nascida em 1966, foi professora universitária, tendo escrito uma tese sobre Fernando Pessoa, espécie de regresso às origens lusas. Como romancista viu o seu romance de estreia em 2003 receber um prémio para novos autores. Contudo, o sucesso chegou através de Lars Kepler, uma bem sucedida tentativa de escreverem a quatro mãos. Sentam-se os dois ao computador e mesmo que estejam na mesma sala trocam textos por e-mail. Depois cada um intervém naquilo que o outro escreveu até surgir a forma definitiva. Parece complexo, mas o casal Ahndoril relativiza as dificuldades. Ao Diário de Notícias, numa entrevista publicada em 2010, resumiram a técnica: «Contar a história rapidamente, de forma cinematográfica. Remover barreiras entre leitor e escritor, ter apenas aquele curso de eventos.»Recusam as comparações com Stieg Larsson, mas confessam admirá-lo, sobretudo a forma como criou personagens extremas. Mas sabem que Millennium foi um trampolim para a ficção policial nórdica, de repente fenómeno de massas global. De qualquer forma, o êxito de Lars Kepler também beneficiou do mistério inicial em torno do autor, o que gerou curiosidade nos jornalistas. Mas como os Ahndoril não tiveram assim tanto cuidado com o segredo, um dia foram descobertos na sua casa de férias por jornalistas que lhes perguntaram se eram mesmo os autores de O Hipnotista. No dia seguinte, emitiram um comunicado aos jornais a assumir finalmente o pseudónimo, um nome criado para um endereço de Hotmail (com curiosas ressonâncias com o apelido do autor de Millennium) e que serviu para assinar um e-mail anónimo enviado por Alexander e Alexandra para uma editora sueca a propor a publicação de O Hipnotista.Satisfeitos com o sucesso na Suécia de O Executor, as expectativas vão agora para o impacte de O Hipnotista no mundo anglo-saxónico. «Significa muito se o livro encontrar os seus leitores na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Muitos autores tentaram, mas só alguns foram bem sucedidos. Tenho grandes sonhos e esperanças. Acredito que a atmosfera fílmica especial em O Hipnotista, a complexidade das personagens e os volta-faces inesperados, vai directa ao gosto anglo-saxónico», afirma Alexandra. Sobre atmosfera fílmica, acrescente-se que o livro vai dar um filme sueco. Alexandra Coelho Ahndoril"Portugal tem sido um lado esquecido da minha história"A sua mãe casou com um sueco e foi viver para a Escandinávia. Aprendeu português durante a infância?_Não, a minha mãe nunca me ensinou realmente português - o que foi um grande erro, acho eu. Naquela época, nos anos 1960, havia na Suécia um debate sobre se era bom ou mau para as crianças aprenderem duas línguas, e a tese má ganhou na minha família. Mas sempre ouvimos fado na nossa casa e eu aprendi português já adulta, quando estudei Fernando Pessoa na Universidade de Estocolmo.Chegou a visitar Portugal antes de cá passar a lua-de-mel?_Não tantas vezes como gostaria. Mas fiz muitas visitas. Tenho uma família enorme em Portugal, cheia de primos e primas, de tios e tias.Qual é a sua opinião sobre o país da sua mãe?_Portugal tem sido uma espécie de lado esquecido da minha história, de mim. Portugal sempre foi algo de que senti falta, uma verdadeira saudade. Eu pareço mais uma portuguesa do que uma sueca, e sempre tive um grande interesse na cultura portuguesa. Agora, pelo segundo ano consecutivo, estamos a alugar uma casa em Portugal e iremos também ficar uns dias em Alfama este Verão quando for o lançamento em Lisboa do segundo livro de Lars Kepler, O Executor. Portugal é muito importante não só para mim como para as minhas filhas, que querem aprender português. Elas já dizem orgulhosamente sobre si próprias: «Sou um quarto portuguesa.»Porquê uma tese sua sobre Fernando Pessoa?_Porque Pessoa é quase inescrutável no sentido em que nunca nos cansamos dele. O universo literário que ele criou é infinito. É um dos grandes poetas dos tempos modernos. A segunda razão é que podia aproximar-me da língua da minha mãe através da literatura. Tenho um conhecimento teórico do português, posso escrever e ler, mas tenho de passar mais tempo em Portugal para falar fluentemente.Lê outros autores portugueses?Sim, li muitos livros de autores portugueses, a maioria de José Saramago e de António Lobo Antunes. Mas também de Lídia Jorge, só para dar um exemplo.A saga de Stieg e Eva em torno de MillenniumQuando comprou o terceiro volume da saga Millennium, Val McDermid teve «sentimentos contraditórios». «Fiquei ansioso por o ler porque adorara os dois primeiros, mas fiquei triste porque sabia que seria a última vez que iria sentir este entusiasmo», explicou em 2010 o autor de policiais suecos que teve a surpresa de ver um dos seus livros surgir nas mãos de uma personagem do célebre Stieg Larsson. Mas agora, quase sete anos depois da morte do escritor e enquanto a literatura nórdica procura um sucessor em nomes como Lars Kepler, os seus fãs podem ter uma nova esperança. É que a mulher que durante 32 anos partilhou a vida de Larsson, a arquitecta Eva Gabrielsson, parece ter terminado o quarto livro da saga Millennium, deixado inacabado no computador do escritor. Entre o novo livro com as aventuras da pirata informática Lisbeth Salander e do jornalista Mikael Blomkvist e as bancas há contudo um obstáculo: a guerra pela herança de Larsson que opõe a sua companheira ao seu pai e irmão. Apesar de terem vivido juntos durante mais de três décadas, Larsson e Gabrielsson nunca casaram. Talvez porque ele, conhecido pelas suas posições extremadas de esquerda, temia pela segurança dela. Mas a verdade é que, não havendo testamento, a lei sueca diz que o pai e irmão são os herdeiros legítimos do escritor. E nem os dois milhões de dólares que estes ofereceram à arquitecta para esta abdicar dos seus direitos sobre a trilogia Millennium foram suficientes para a convencer a desistir da batalha judicial pelo legado de Larsson.O que Gabrielsson alega é que ela própria é co-autora dos três livros editados após a morte de Larsson, em Novembro de 2004, aos 50 anos, de ataque cardíaco. A arquitecta garante ter feito a revisão dos manuscritos e proposto algumas alterações não só à sua forma, mas também ao seu conteúdo. E há mesmo quem garanta ser ela a verdadeira autora dos três livros que já venderam mais de cinquenta milhões de cópias em todo o mundo. É que se Stieg Larsson se tornou no primeiro autor a vender mais de um milhão de livros no site da Amazon, o seu talento tem sido posto em causa até por antigos colegas e amigos. Jornalista na revista antifascista Expo, fundada por Larsson nos anos 1990, Kurdo Baksi tem sido um dos seus críticos mais ferozes. No livro O Meu Amigo Stieg Larsson, Baksi põe em causa os métodos de trabalho do autor de Millennium, afirmando que este chegava a usar-se a si próprio como fonte dos artigos que escrevia. Perante as críticas, Baksi defendeu-se na BBC, admitindo que Larsson na Suécia «é um herói». A ideia de que Larsson pode não ser o verdadeiro autor de Millennium foi ainda avançada por Anders Hellberg, que trabalhou com ele na agência de notícias Tidningarnas Telegrambyra (TT). Como editor dos textos de Larsson, Hellberg recordou ao diário Dagens Nyheter: «Não se tratava de uma escrita profissional. Estava tudo errado. As palavras não estavam postas pela ordem certa, a sintaxe não fazia sentido. Não era uma escrita profissional.» E lá foi dizendo que Gabrielsson pode ser a verdadeira responsável pelas aventuras de Lisbeth e Blomkvist.Verdade ou invenção, todas estas notícias têm contribuído para o mito em torno de Larsson. E ajudado a vender os livros da trilogia Millennium. E enquanto não se resolver o caos judicial que impede a publicação de A Vingança de Deus - o título que Gabrielsson avançou à televisão sueca ser o do quarto capítulo da história de Salander e Blomkvist e que se juntará a Os Homens Que Odeiam as Mulheres, A Rapariga que Sonhava com Uma Lata de Gasolina e Um Fósforo e A Rainha no Palácio das Correntes de Ar - os fãs de Larsson terão de se contentar com o lançamento, em breve, da autobiografia da sua companheira: Stieg & Moi. A saga continua.Lisbeth e MikaelA jovem pirata informática de estilo sombrio Lisbeth Salander e o jornalista mulherengo de meia idade Mikael Blomkvist tinham pouco ou nada para os unir. Mas um velho mistério familiar e uma morte há décadas por resolver acabam por juntá-los. São estas as personagens em torno das quais Stieg Larsson construiu a saga Millennium. Três livros que se torna difícil parar de ler uma vez que se começou.Cada novo capítulo sabe assim a um reencontro com velhos amigos. Sim, mesmo com Lisbeth. É que a heroína de Larsson é, no mínimo, pouco comum. A começar pelo aspecto: baixinha, magrinha, cheia de tatuagens e piercings, a protagonista dos livros do autor sueco está longe do estereótipo da escandinava loura, alta e curvilínea. E depressa se percebe que a um aspecto fora do comum corresponde uma personalidade singular. Filha de um ex-agente soviético, que espancou a sua mãe até a deixar com lesões cerebrais irreversíveis, Lisbeth passou a infância num hospital psiquiátrico depois de ter tentado matar o pai. Inadaptada, é contudo exímia a descobrir tudo sobre a vida dos outros, graças aos seus talentos de hacker. É assim que conhece Mikael Blomkvist, cujo passado é encarregada de investigar no início da saga Millennium. Mais tarde, acabam por trabalhar juntos no caso que o jornalista investiga. E a desconfiança inicial de Mikael depressa dá lugar à admiração pelas capacidades de investigadora de Salander, que virá a salvar-lhe a vida no final do primeiro livro. Mas o destino decide pregar-lhe uma partida e a durona acaba por se apaixonar por Blomkvist. É esta relação impossível, entre um Blomkvist acomodado na relação com a colega de trabalho Erika Berger, ela própria casada, e uma Salander bissexual e apaixonada pela primeira vez, que Larsson desenvolve como pano de fundo da saga Millennium. Mas o escritor aborda também temas delicados e que marcaram a sua própria carreira como jornalista como a corrupção, a violência contra as mulheres ou o nazismo.

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