Candidatas-fantasma. O novo escândalo a pairar sobre Bolsonaro
A menos de 48 horas das eleições do ano passado, duas candidatas a deputadas pelo PSL, o partido de Jair Bolsonaro, compraram dez milhões de panfletos de campanha num total de cerca de 50 mil euros. No entanto, Mariana Nunes e Gislani Maia, que tiveram resultados insignificantes nas urnas, mal viram o dinheiro, transferido do fundo público eleitoral, a que os partidos têm direito, diretamente para os cofres de uma empresa gráfica de fachada. A notícia, divulgada pelo jornal O Globo na sexta-feira, corrobora as suspeitas anteriores de que o partido do entretanto eleito presidente da República usou candidatas-fantasma para, por um lado, cumprir a quota feminina de 30% de concorrentes imposta por lei e, por outro, desviar o dinheiro público recebido por quem preenche esse requisito.
O caso já levou à demissão de um ministro próximo do Palácio do Planalto, Gustavo Bebianno, que tinha conflito antigo com o filho do presidente Carlos Bolsonaro, e mantém sob investigação outro, Marcelo Antônio, titular do turismo, ambos dirigentes do PSL à data das eleições.
Diz ainda a reportagem do jornal que, além de Gislani Maia, candidata pelo Ceará, apenas Heitor Freire, presidente do PSL no estado, foi beneficiado com recursos partidários - mas Freire elegeu-se deputado federal apresentando menos da metade dos gastos de campanha dela. Mariana Nunes, apesar de ter ficado em 189.º lugar na disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco, teve acesso a recursos "dignos de uma campeã de votos", afirma a reportagem - a sua campanha custou mais do que a de Janaína Paschoal, deputada estadual mais votada da história do Brasil, que gastou cerca de metade.
O caso que levou à demissão de Bebianno, que presidiu ao PSL durante a campanha, tem como protagonista Maria de Lourdes Paixão, que concorreu ao cargo de deputada federal por Pernambuco. Desconhecida do público, inclusivamente no seu estado, com perto de cem mil euros, ela foi a terceira mais contemplada com verbas do PSL (proveniente do fundo público eleitoral) em todo o país, acima até do próprio Jair Bolsonaro. No entanto, recebeu meros 274 votos.
A prestação de contas eleitorais de Paixão, que é secretária administrativa do PSL de Pernambuco, sustenta que ela gastou 95% desses valores numa gráfica para impressão de nove milhões de panfletos e cerca de 1,7 milhões de autocolantes, às vésperas do dia que os brasileiros foram às urnas, divulgou o jornal Folha de S. Paulo. Segundo a reportagem, cada um dos quatro funcionários da gráfica que ela diz ter contratado teria, em tese, a missão de distribuir, só de panfletos, 750 mil unidades por dia - mais especificamente, sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas.
Já Marcelo Antônio é acusado, na qualidade de líder do PSL em Minas Gerais, de ter patrocinado quatro candidatas de fachada. Apesar dos resultados insignificantes nas urnas, receberam generosas verbas do partido, via fundo público eleitoral, cujo destino final foram empresas de assessores de parentes, sócios ou assessores do hoje ministro. Uma das envolvidas, Cleuzenir Barbosa, disse mesmo ter fugido para Portugal por ter recebido pressões dos assessores de Antônio para devolver o dinheiro que lhe foi atribuído.
Bebianno, após ser demitido por casos semelhante ao de Antônio, questionou em público o tratamento desigual dado por Bolsonaro aos dois ministros, o que indicia que a motivação para a queda do primeiro é a guerra com Carlos Bolsonaro. Em rigor, Antônio até foi exonerado logo após o escândalo, mas apenas para cumprir a formalidade de tomar posse como deputado, voltando ao cargo no dia seguinte.
Pediu entretanto para que a investigação sobre si, que corre nos tribunais de Minas Gerais, seja levada para o Supremo Tribunal Federal, de acordo com o estatuto de foro privilegiado a que os ministros têm direito - em campanha, porém, Antônio defendia o fim do foro privilegiado para políticos.
Num caso paralelo, Carmen Flores, candidata pelo PSL ao Senado pelo Rio Grande do Sul que quase chegou a Brasília - ficou em quarto lugar num estado que só elege três senadores -, foi notícia por ter transferido o dinheiro que o partido lhe atribuiu para uma filha e uma neta.
O Ministério Público de São Paulo, entretanto, investiga 60 casos suspeitos de candidatas-fantasma no estado. Segundo as autoridades, os partidos inscreveram-nas apenas com o objetivo de atingir a cota de 30% de candidaturas femininas e garantir o fundo eleitoral e não com a intenção de que elas fossem eleitas. A promotora Vera Tabwrti, que coordenou o levantamento, apurou casos envolvendo candidatas à Câmara dos Deputados e à Assembleia Legislativa paulista.
Segundo ela, nenhum caso foi julgado, pelo que os nomes das deputadas-fantasma e respetivos partidos estão ainda em sigilo, mas as forças políticas que tiveram mais reclamações das próprias candidatas foram Solidariedade, Patriota, Podemos, PHS e PMB.