Cancro e envelhecimento – a esperança na investigação científica e na organização de cuidados
Conseguir viver mais anos e com qualidade de vida é um objetivo generalizado e é um dos principais desafios das sociedades do século XXI aos seus sistemas de saúde. O desenvolvimento económico, os novos medicamentos, os avanços em cirurgia, na imagem e noutras vertentes dos processos de cuidados, na educação, os rastreios e a melhor organização de cuidados são alguns dos fatores que explicam os excelentes resultados nas últimas décadas em sobrevivência no cancro. Se no mundo os números de cancro estão em crescimento - estimam-se cerca de 20 milhões de novos casos anuais e 10 milhões de mortes no mundo em 2020 - em Portugal o cancro é a 2ª causa de morte, responsável por cerca de 24% dos óbitos em Portugal. Sucede que se espera que o peso da doença oncológica venha a aumentar nas próximas décadas, especialmente em países menos desenvolvidos. Em Portugal, os efeitos não só em vidas perdidas, mas também em custos diretos do tratamento do cancro são significativos - as despesas com o tratamento foram recentemente estimadas em 867 milhões de euros em 2019, a tudo isto acrescem ainda os custos intangíveis da dor, do estigma, das dificuldades que gera, assim como o enorme impacto económico em perdas de produtividade, percursos de vida interrompidos, cuidados informais, deslocações ou comorbilidades.
De todo o mundo, o desígnio do envelhecimento com qualidade de vida para os cidadãos vai conviver com o enfrentamento do cancro ao longo desses anos, de forma especialmente prevalente. Um estudo sobre envelhecimento e cancro, da consultora KPMG, estima que o número de novos diagnósticos de cancro em pessoas com mais de 70 anos aumente 110% até 2040 - números verdadeiramente impactantes. Sem uma intervenção coordenada, este alinhamento entre cancro e envelhecimento pode ter um enorme impacto, tanto nas sociedades quanto nas economias, sobrecarregando os indivíduos, as famílias, comunidades e sistemas de saúde em todo o mundo.
Este facto pode ainda ganhar maior importância se atendermos às lacunas existentes na abordagem às necessidades específicas das pessoas idosas com esta patologia, por exemplo, ao nível do acesso a tratamentos ou em assimetrias nos cuidados de saúde em geral. Na verdade, a par da investigação clínica, que traz esperança e melhores resultados para as pessoas que vivem com cancro, exige-se a outras disciplinas além da clínica, que invistam tempo e recursos na definição de políticas, práticas organizativas e diretrizes que permitam que as pessoas envelheçam melhor com cancro.
Em Portugal todos os anos surgem 50.000 novos casos, sobretudo em pulmão, mama, cólon e próstata. Apesar de uma parte, entre 30 e 50%, serem evitáveis, este número está sustentado nestes níveis e deverá manter-se nos próximos anos.
Também em Portugal a probabilidade de alguém morrer prematuramente com cancro é, em projeção da OMS para 2030, de 6,6%. Com os objetivos de desenvolvimento sustentado, esta probabilidade pode descer para 4,9% - isto é, com intervenção sobre fatores comportamentais e ambientais, bem como pelo uso adequado da tecnologia e da inovação. É um objetivo ambicioso, de salvar vidas e prolongar outras com qualidade, que está ao nosso alcance.
A dupla chave para este futuro mais desafiante e de maior esperança é a investigação científica por um lado, e a melhor organização de cuidados por outro. Todo o processo assistencial - para obter prestações clínicas em hospital, e todos os fatores que as otimizem, desde a integração com cuidados primários ou locais de diagnóstico, até entidades exteriores à saúde na área social, educacional ou no financiamento - tenderá a ser pressionado, desde logo nos tempos de decisão e atuação. Assim, a vigilância de listas de espera, de estrangulamentos e as oportunidades para envolver cidadãos, doentes e decisores são atividades chave dum futuro com maior prevalência, melhores resultados durante mais tempo (fruto de tratamentos mais eficazes e de melhor organização) e uma oferta de possibilidades limitadas. Por fim, a relação com sobreviventes, nomeadamente com os de idade ativa, para que possam voltar à sociedade e ao percurso de que os privou o cancro, é fundamental - a eficácia prometida pelos tratamentos / meios de diagnóstico também beneficiará doentes em idade ativa.
É nossa expectativa que o assinalar do Dia Mundial de Luta Contra o Cancro contribua para minimizar o impacto social e económico do cancro e para melhorar a vida das pessoas com cancro e dos seus cuidadores.
Head of Market Access and Public Affairs, Sanofi Portugal