Canções que moram em lisboa
Passou os últimos três meses entre Baltimore e Nova Iorque, trabalhando em novas canções com os Animal Collective. Mas confessa que, uma semana depois de ter regressado aos EUA, "estava a contar os dias para regressar a Lisboa"... Noah Lennox, que na hora de fazer música se apresenta como Panda Bear, é desde há alguns anos um cidadão de Lisboa, onde vive com a família. E, apesar de ideias lançadas em digressão pelo mundo fora, foi na cidade que ganharam forma as canções de Tomboy, o seu novo disco a solo, que chega aos escaparates das lojas na próxima sexta-feira.
Noah gosta de citar as memórias da sua primeira chegada a Lisboa (por ocasião de um concerto com os Animal Collective, banda onde milita) quando lhe falamos da história da sua relação com a cidade. "Quando saí do avião senti algo pacífico", recorda. E por Lisboa acabaria por ficar... "A minha mulher gosta de dizer que fui português numa vida anterior, porque gosto tanto de Portugal. E, como sou adepto do Benfica, diz que tinha mesmo de ser português nessa outra vida", graceja. E entre as suas histórias de Lisboa gosta, por exemplo, de recordar a noite em que o "seu" clube se sagrou campeão em 2010. "O jogo tinha acabado de começar quando estava no aeroporto", lembra. Ouviu ainda o relato no táxi e o primeiro golo aconteceu quando chegou a casa. "Moro ao lado da Avenida da Liberdade e ouvi a festa", lembra.
O nome do clube mora agora entre uma das canções do novo disco. "Mas a canção não é sobre o Benfica. O Benfica é antes o símbolo da canção", explica. Benfica "fala sobre competição". Noah acrescenta que teve uma grande discussão com a sua mãe sobre competição. "A vida é uma competição. Existir é uma competição. E não vejo isso como uma coisa negativa", reflecte. "Mas para ela a competição é uma coisa feia", acrescenta. Como depois nos conta, a sua mãe "não gosta de desportos e daquela mentalidade de alguém vencer sobre outros". Entende-a. E defende até que "a obsessão do mundo pela glorificação dos vencedores e a vilificação dos perdedores é, sim, uma coisa feia". Mas, diz ainda, "nem toda a competição é assim, felizmente". A canção tenta então reflectir sobre o seu lado nessa discussão. "No ano passado, com o Benfica a ganhar, e com a onda que então se gerou, era como um símbolo dessa experiência. Mas foi difícil ser um adepto do Benfica este ano", confessa em tom de desabafo.
Em Lisboa por pouco tempo, entre viagens aos Estados Unidos, reencontrou o bom tempo e dividiu horários entre solicitações para inúmeras entrevistas. Os jornalistas lisboetas reclamam-no como seu. E Noah reconhece que é nesta cidade que quer ficar. "A minha mulher gosta de Nova Iorque, até falámos de lá podermos viver... Mas tenho a certeza de que não me mudo. Sinto-me bem em Lisboa", diz. A sua relação tranquila com a cidade "deve muito à logística" de um estilo de vida por cá. Ou, como descreve, "ao facto de quase não conhecer ninguém, de não ter muitas responsabilidades do ponto de vista social". De certa maneira sente-se "como um alienígena". Se fosse uma pessoa "mais social", talvez Lisboa "fosse um sítio menos bom para estar". Mas Noah revela que sempre se sentiu bem consigo mesmo sozinho. "Por isso é o lugar ideal para trabalhar", conclui.
E a sua vida em Lisboa passa muito por rotinas de trabalho algo solitário. "Com dois filhos, não posso trabalhar à noite. Quando a minha filha chega da escola, o trabalho fica parado até à manhã seguinte. Por isso, trabalho naquelas fases mais sérias, aí das dez às cinco... Muitas vezes nem como nesse período", descreve.
Em Lisboa, os seus dias não passam por muitos outros espaços com música. Desde que começou a fazer digressões e a tocar ao vivo, "os clubes são o último lugar" onde lhe apetece ir. "Se um amigo meu vem a Lisboa ou se um amigo de uma banda local toca, esses são motivos para eu sair." Além disso quase não sai. "Forço-me por vezes a sair porque sei que me faz bem. Por vezes fecho-me demasiado e perco-me no meu mundo. Por isso acho que é importante para mim viver numa cidade onde tenha de interagir com outras pessoas. Se vivesse no campo, não falaria com ninguém." E por isso gosta de estar perto de uma grande cidade.
Quando chegou a Lisboa, de vez, para ficar, trouxe uma mochila e uma pequena mala. "Acho que não trouxe nada de especial", revela. E continua. "Nunca fui daquelas pessoas que têm muitos discos. Nem tenho uma aparelhagem em casa... Quando escuto música, faço-o no meu estúdio, onde tenho boas colunas. E sinto que quando estou a ouvir música me concentro mesmo. É uma aventura mais especial. Vou a casa de amigos e eles estão constantemente a mudar o disco no gira-discos. Gosto disso. Mas quando estou comigo mesmo não é coisa que faça." Noah defende que a "música pode dar cor a um lugar de uma forma bem agradável". Mas a seu ver a música pode criar dois tipos distintos de experiência auditiva. "Um em que não estamos a prestar atenção. E há música que serve para nem se ouvir com essa atenção. Mas é com a música de que gosto mais que sinto que preciso de escutar e de sentir o seu poder", conclui.