Campismo

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Com os anos, passei a olhar o campismo de forma snob. Dizia o mesmo que a maior parte dos urbanos: "Já não estou para isso." Queixava--me do ruído, do calor, das pedrinhas que me percutiriam as nádegas se ocorresse sentar-me no chão da tenda. "Credo, campismo não. Já não estou para isso..."

No fundo, sabia que estava a armar-me. A deixar claro que ganhava dinheiro o suficiente para ficar num hotel. O que seria uma barraca senão um sinal de fracasso?

No fim-de-semana, dei por mim a olhar com cobiça para o parque de campismo da Calheta, na ilha de São Jorge. É claro que ajuda a Calheta ser o concelho mais extraordinário dos Açores: um paraíso de escarpas, serras e fajãs - um cosmos de comunidades, e pequenas economias, e modos de vida particulares como nenhum outro.

E, no entanto, recapitulo o ordenamento daquele lugar e sou tomado de novo pelo desejo. O espaço pequenino, rodeado de salgueiros e árvores-de-fogo, onde nunca estão mais de cinco ou seis tendas. A vista para a montanha do Pico, renovando--se a cada cinco minutos. O silêncio.

Sento-me sob a latada e peço um gin. Olho em volta, para os minúsculos arruamentos em pedra basáltica, rodeados de calêndulas e aloé vera. Dou um giro pelas casas de banho com água quente, pela cozinha com frigorífico e microondas, pelo bar com wi-fi. Volto a sentar-me e fico ali a contemplar a praia lá em baixo, à espera do gin - as ondas que afagam as rochas, o cagarro que veio pousar ao crepúsculo.

Não há gin, afinal. Nem vinho a copo. Há cerveja de garrafa e amendoins. E há uma latada.

Creio que é nesse momento que tomo a decisão de voltar a visitá--lo durante o Verão. Ou então será apenas este impulso de viajar cada vez mais leve. O facto é que, quanto mais me digo que hei-de voltar à cidade, mais dou por mim a afastar-me dela.

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