Campeão paralímpico fez melhor do que olímpico preso à tática
É um feito tão inesperado como improvável de voltar a acontecer. O argelino Abdellatif Baka sagrou-se campeão paralímpico de 1500 metros, na categoria T12 de atletismo (para atletas com visão reduzida mas que não necessitam do acompanhamento de um guia), com o recorde mundial da disciplina. E a histórica marca (3:48.29 minutos) é melhor do que a alcançada pelo campeão olímpico na (invulgarmente lenta) final da prova equivalente, nos Jogos Olímpicos deste ano (3:50.00): uma rara façanha que dá que falar no Rio 2016. "Só acontece porque a final olímpica foi muito tática", resume, em declarações ao DN, Fernando Mamede, antigo campeão nacional da distância.
A "lentidão" da final olímpica de 1500 metros - que valeu o ouro, de forma surpreendente, a Matthew Centrowitz (dos EUA) - tinha causado surpresa: o vencedor da prova fez o pior tempo de um campeão olímpico da distância desde 1932. O registo de 3:50.00 minutos não teria dado sequer para passar as eliminatórias. E fica a quase dez segundos de distância do último apurado para a final (Matthew Centrowitz fez 3:39.61 na semifinal). Na hora das decisões, a tática imperou: os corredores passaram quase todo o percurso a controlar os rivais e só nos metros finais aceleraram a passada, para tentar superar a concorrência. "Foi uma estupidez dos atletas quenianos, que se tivessem feito uma corrida rápida tinham muitas hipóteses de ganhar. Não quiseram trabalhar em equipa e quem lucrou foi o americano, que tem uma ponta final muito forte, à imagem do nosso Rui Silva [bronze em Atenas 2004]", explica Fernando Mamede.
Nos metros finais, já era tarde para os concorrentes se aproximarem dos melhores registos: o queniano Asbel Kiprop, favorito e detentor da melhor marca do ano (3:29.30), ficou fora das medalhas. "Ele tinha condições para fazer uma prova perto dos 3.30 minutos mas às vezes há provas assim", nota Mamede, campeão nacional de 1500 metros (ar livre), em 1976, 1979 e 1883.
Contra as expectativas, Centrowitz conquistou o ouro (que ficava na posse de atletas africanos desde 1996). "Na verdade, eu estava preparado para uma corrida rápida. Pensei que se ninguém acelerasse de início alguém o faria lá para o meio. No entanto, o melhor é estar preparado para vários cenários: foi assim que lidei com a situação", explicou então o estado-unidense, de 26 anos, no final da prova, realizada a 20 de agosto.
A decisão dos 1500 metros, categoria T13, que decorreu no domingo, no mesmo palco (o Estádio Olímpico - Engenhão), foi completamente diferente: uma corrida rápida, que permitiu a Abdellatif Baka fixar um novo recorde mundial (tirou dois centésimos ao registo de 3:48.31, fixado pelo tunisino Abderrahim Zhiou em Londres 2012). E levou até a que segundo (etíope Tamiru Demisse), terceiro (queniano Henry Kirwa) e quarto (argelino Fouad Baka) classificados também ficassem abaixo do tempo do campeão olímpico. "É uma prova de superação e mostra como muitos países já levam os Jogos Paralímpicos muito a sério e alcançam bons resultados", aponta Fernando Mamede.
"Não foi fácil chegar a esta medalha de ouro. Trabalhei sem parar ao longo de um ou dois anos. Foi muito difícil", sublinhou Abdellatif, que já se sagrara campeão olímpico de 800 metros T13 em Londres 2012. Para o argelino, de 22 anos, a noite só não foi perfeita porque viu o irmão gémeo, Fouad, falhar o pódio. Ainda assim, ficam ambos na história por provarem que é possível a um paralímpico correr mais depressa do que um campeão olímpico. E vão voltar a competir nos 800 metros.