Cameron desiste de cortes após demissão de ministro eurocético

A três meses do referendo sobre a permanência do país na UE, primeiro-ministro obrigado a recuar em cortes nas reformas por invalidez previstas no Orçamento do Estado.
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David Cameron foi ontem obrigado a abandonar os controversos cortes nas reformas por invalidez, que na sexta-feira levaram o ministro do Trabalho a demitir-se. "Em relação às reformas por invalidez vou dizer-vos que não vamos continuar com as mudanças que foram anunciadas. Este governo vai continuar a dar prioridade a melhorar as oportunidades dos mais pobres neste país", garantiu o primeiro-ministro britânico aos deputados no Parlamento.

A demissão de Ian Duncan Smith, fervoroso eurocético, a três meses do referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, abalou o governo conservador. Na carta de demissão, Smith contesta os cortes contemplados no Orçamento que foi apresentado na quarta-feira pelo ministro das Finanças George Osborne, classificando os mesmo como "indefensáveis dada a forma como foram introduzidos no Orçamento", o qual, sublinha, "beneficia os contribuintes mais ricos".

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Sobre os cortes, o novo ministro do Trabalho, Stephen Crabb, reafirmou que o governo britânico não tem outros projetos "para poupar dinheiro em apoios sociais". Num ambiente que alguns media já classificaram como guerra civil no Partido Conservador, Cameron optou, assim, por desautorizar George Osborne, visto como um dos seus possíveis sucessores na liderança do partido e até mesmo na chefia do governo britânico. E tudo por causa do referendo marcado para 23 de junho, no qual os britânicos deverão decidir se querem ficar ou sair da UE. David Cameron defende a permanência, contra a ideia de um Brexit, depois de ter conseguido a nível europeu um acordo que reformula a relação entre o Reino Unido e Bruxelas.

Tentando pôr água na fervura, Cameron afirmou que Ian Duncan Smith "contribuiu para o trabalho do governo e pode orgulhar-se do que conseguiu" em seis anos como ministro do Trabalho. Ao mesmo tempo o primeiro-ministro defendeu o seu ministro das Finanças. "Nada disto seria possível se não fossem as ações deste governo e deste ministro para que haja uma viragem na nossa economia", afirmou aos deputados.

Mas o mal está feito e o líder do Partido Trabalhista, maior formação da oposição no Reino Unido, já pediu a demissão de Osborne. "Ou [o ministro das Finanças] vem aqui explicar como vai preencher o buraco [provocado pelo recuo nos cortes nos apoios sociais] ou deve reconsiderar a sua posição e procurar outra coisa para fazer", declarou Jeremy Corbyn.

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George Osborne fica, assim, numa posição delicada. Defensor da permanência do Reino Unido na União Europeia, o ministro das Finanças poderá ter como principal rival na disputa pela sucessão de David Cameron o atual presidente da Câmara Municipal de Londres Boris Johnson. Este é a estrela maior da campanha pela saída do país da UE - ou Brexit. "Cameron fez o seu melhor, mas um voto para "ficar" vai ser lido em Bruxelas como uma luz verde para uma maior erosão da democracia", escreveu a 22 de fevereiro o autarca num artigo do Daily Mail, justificando porque decidiu apoiar a campanha do "sair".

Boris Johnson não será candidato às eleições autárquicas do dia 5 de maio em Londres. O prazo para apresentação de candidaturas à liderança da autarquia da capital londrina começou a contar ontem. Ao não se recandidatar, o ex-jornalista e correspondente em Bruxelas fica com o caminho livre para disputar a sucessão de Cameron. Se o Brexit for vencedor em junho sairá reforçado para fazê-lo.

A saída do Reino Unido da UE poderia fazer que o país perdesse cem mil milhões de libras (130 mil milhões de euros) e 950 mil postos de trabalho até 2020, alertou ontem um relatório da PricewaterhouseCoopers citado pelo jornal diário Guardian. Se o país saísse, cada agregado familiar poderia ficar mais pobre em 3700 libras (cerca de 4 735 euros), alerta o documento elaborado pela consultora internacional para a Confederação Britânica da Indústria. O mesmo sublinha que se os britânicos deixassem o clube europeu enfrentariam uma longa crise económica da qual teria uma enorme dificuldade em conseguir sair.

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Membro da UE desde 1973, o Reino Unido sempre teve uma atitude muito especial face ao projeto de integração europeu, com um pé dentro e com outro fora, sempre que assim foi possível. Os britânicos não aderiram por exemplo ao euro e mantiveram a libra esterlina como a sua moeda nacional. Mantiveram-se fora do espaço de livre circulação Schengen. E gozam de várias derrogações em matéria de cooperação policial e judicial nos tratados europeus (o mais recente dos quais é o Tratado de Lisboa). Se David Cameron tivesse de se demitir por causa da UE e do efeito que a discussão sobre esse tema tem entre os conservadores, esta não seria a primeira vez que um líder do Partido Conservador cairia em desgraça por causa de questões relacionadas com a UE. Margaret Thatcher é o precedente.

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