Cameron culpa UE: houve brexit por medo de imigração em massa
"O medo da imigração em massa foi determinante" para a vitória do sim ao brexit, disse ontem David Cameron. O primeiro-ministro britânico apontou o dedo aos líderes europeus por não terem sabido responder aos receios visíveis durante a campanha do referendo e terem ignorado a crescente tensão provocada pelos movimentos migratórios - um tema que as caras do sim aproveitaram à exaustão. Com Angela Merkel à frente, Cameron foi claro: o bloqueio às pretensões do Reino Unido de aplicar um travão ao número de migrantes que todos os dias estão a chegar à Europa ditou o resultado da votação dos britânicos.
Num discurso duro, Cameron recusou evocar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, deixando a formalização do pedido para a saída do Reino Unido da União Europeia adiada para o próximo governo. "Quero que o processo seja o mais construtivo possível e espero que o resultado possa ser o mais construtivo possível", afirmou. O Reino Unido "quer deixar a União Europeia", mas também quer evitar "virar as costas à Europa". "Estes países são nossos vizinhos, nossos amigos, aliados, parceiros e espero que tenhamos relações o mais estreitas possível em termos de comércio e de cooperação e segurança, porque isso é bom para nós e é bom para eles", defendeu.
A resposta da chanceler alemã não se fez esperar. "A União é suficientemente forte" para aguentar a saída do Reino Unido e continuar a defender os seus interesses económicos, afirmou Angela Merkel, salientando a importância de nas negociações com o Reino Unido serem encontradas "soluções sobre questões como a competitividade e o emprego". Soluções que, frisou, serão encontradas "a 27". Ainda assim, lamentou a decisão dos britânicos e afirmou: "O Reino Unido continuará a ser um amigo e parceiro" - sem esquecer as "relações bilaterais" entre Londres e Berlim, adiantando confiar que continuará a contar com "um parceiro importante" do outro lado do canal da Mancha. E reiterou que só depois de Londres "notificar a intenção de se retirar" é que poderá haver "negociações, informais ou formais".
De resto, a União Europeia parece ter aliviado a pressão sobre o Reino Unido quanto à urgência para a formalização do pedido de divórcio. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, chegou a dizer que é preciso "paciência", embora a Europa esteja pronta para "iniciar o processo de divórcio já hoje [ontem]. Sem qualquer entusiasmo, como se pode imaginar. Este não é um cenário com que tenhamos sonhado", afirmou Tusk.
"Temos de respeitar os nossos tratados. E, de acordo com os tratados, cabe ao governo britânico iniciar o processo de saída. Este é o único caminho legal que temos. Todos devem estar a par deste facto. O que significa que também teremos de ser pacientes", disse o responsável, sublinhando que "sem a notificação do Reino Unido não se iniciará qualquer negociação sobre o processo de divórcio e sobre as relações futuras".
Nesta fase, o primeiro-ministro belga, Charles Michel, entende que a UE "não pode forçar a saída do Reino Unido", mas considera que "não se pode aceitar um jogo duplo", que deixa os "cidadãos europeus (...) paralisados por múltiplas crises".
Da parte do governo português, o discurso está alinhado pela mesma bitola: as discussões para a saída "devem ser amigáveis" e sem pressa, e a relação entre Portugal e o Reino Unido vai continuar. "É uma relação que é muito anterior à entrada de Portugal para a então CEE e será muito posterior a esta saída do Reino Unido", frisou António Costa. "As coisas devem ter o ritmo que têm e sobretudo decorrer de forma amigável", defendeu o chefe do governo, lembrando que Portugal "tem a mais antiga aliança do mundo com o Reino Unido". Já no que diz respeito à União Europeia, Costa defende "um novo nível de relacionamento, com novas bases".
Um dia "histórico", foi como o presidente francês, François Hollande, classificou o momento em que a União Europeia foi "obrigada a aceitar que um dos Estados membros decidisse sair". Ainda assim, esta é também "uma oportunidade para os líderes europeus fazerem algo de grande", para relançar a ideia de União, afirmou.
O ponto de vista é partilhado pelo primeiro-ministro português, que considera que "a decisão do Reino Unido tem causas muito parecidas às que estão a fomentar a emergência do populismo em vários Estados europeus". A estratégia defendida pelo governo português é "dar prioridade à proteção das fronteiras externas, maior cooperação em matéria de combate ao terrorismo, maior atenção à necessidade de integração social". "Não podemos ignorar que muitos dos agentes terroristas que têm atuado nos nossos países vêm de bairros que deviam ser de intervenção prioritária", disse.