Câmaras ameaçam travar privatização da EGF com providência cautelar

Municípios parceiros da Empresa Geral de Fomento (EGF) e trabalhadores do sector prometem luta contra a privatização da holding estatal para a área dos resíduos.
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Municípios parceiros da Empresa Geral de Fomento (EGF) e trabalhadores do sector prometem luta contra a privatização da holding estatal para a área dos resíduos. Apesar do adiamento do lançamento do concurso público e da abertura ao diálogo por parte de Moreira da Silva, a crispação mantém-se. O sindicato considera "inaceitável" a alienação de uma empresa "rentável" e "com um património avaliado em cerca de mil milhões de euros". E os autarcas não desarmam: se o caderno de encargos não tiver em conta as questões que têm feito chegar ao ministério, avançam com providências cautelares que impedem a apresentação de propostas de potenciais interessados. Ou seja, se o Governo quer encaixar, pelo menos, 200 milhões de euros que a privatização pode render, terá de fazer cedências.

Falta de diálogo foi, num primeiro momento, a crítica dos 174 municípios que têm parcerias com a EGF em onze sistemas multimunicipais de tratamento e deposição final de resíduos. O ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, comprometera-se a privatizar a EGF ainda no primeiro semestre de 2013 e a então ministra da tutela, Assunção Cristas, encomendou três estudos quanto ao modelo de venda a seguir. Os municípios, que detêm 49% de cada um dos sistemas multimunicipais, foram sumariamente informados pela ministra da intenção de vender a sub-holding das Águas de Portugal para os resíduos, mas sobre as conclusões dos diferentes estudos tiveram conhecimento apenas através da comunicação social. E os pedidos de reuniões e de informação adicional que chegaram ao Terreiro do Paço ficaram sem resposta.

Governo quer dialogar com municípios

Com Jorge Moreira da Silva a assumir a pasta do Ambiente, após a última remodelação do Executivo, os autarcas viram no novo ministro uma hipótese para chegar ao diálogo. As eleições autárquicas, e as previsíveis mudanças de liderança em muitas câmaras, levaram o ministro a atrasar o processo. "Introduzi e assumo claramente um adiamento do processo [de privatização] para conseguir dotá-lo de três requisitos: regulação ambiental e económica e diálogo com os municípios. E, havendo autárquicas, considerei que não era adequado estar a condicionar a liberdade dos novos autarcas em relação à definição deste processo", explicou, ao DN, Moreira da Silva.

Quatro dias após a tomada de posse da nova direção da Associação Nacional de Municípios, alguns representantes das autarquias acionistas dos sistemas reuniram-se em Coimbra para discutir e redigir uma carta a enviar ao ministro, com as suas preocupações. Garantias de serviço público, tarifas a cobrar, património das empresas, prolongamento dos prazos de concessão, acesso a fundos comunitários tendo em vista o cumpri- mento das metas do Plano Estratégico dos Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU 2020) e o papel do regulador são algumas das questões que o organismo liderado por Manuel Machado quer ver esclarecidas.

Miguel Costa Gomes, presidente da Câmara de Barcelos, uma das seis autarquias parceiras da EGF na Resulima (sistema multimunicipal que cobra a tarifa mais baixa em todo o País) lamenta o "diálogo tardio", mas enaltece a "abertura do ministro" que vê os municípios "como parceiros" neste processo. "A minha expectativa é de que poderá haver alguns ajustes na privatização do capital da EGF", afirma, ao DN, o autarca, que se reuniu com Moreira da Silva, na quarta-feira. Mas frisa: "Se formos confrontados com o lançamento de um concurso público internacional cujo caderno de encargos não acautele as nossas preocupações, teremos de agir."

A ação dos municípios passa por mover providências cautelares que impedem a apresentação de propostas dos dez privados que, segundo disse, ao DN, o ministro Moreira da Silva, já mostraram interesse na compra da EGF (ler texto ao lado).

Este é, de resto, um dos riscos assinalados por um dos estudos encomendados por Assunção Cristas. O relatório sobre a revisão do modelo contratual e dos mecanismos de regulação dos sistemas multimunicipais de gestão de RSU antecipa a necessidade de valorizar a existência de direitos de preferência a favor dos acionistas, bem como potenciais efeitos de acordos parassociais. Por outro lado, os municípios podem ainda invocar o direito de vender as suas participações, na qualidade de acionistas minoritários, alerta o documento, da autoria de Rui Ferreira dos Santos, da Universidade Nova de Lisboa, Eduardo Cardadeiro, da Autónoma, e Tiago Souza d"Alte, da Católica.

O estudo defende ainda que o sector deve ser reestruturado antes de se avançar com a privatização. Uma posição também defendida pela ESGRA (Associação de Entidades Gestoras de Resíduos). Domingos Saraiva diz que "a privatização agora é extemporânea", defendendo antes uma reestruturação do sector. "Se pensarmos em integrar sistemas antes de se avançar para outras grandes decisões, melhoramos de certeza o estado geral do sector", explica o líder associativo, salientando as grandes diferenças de tarifas cobradas, que variam entre 18 euros por toneladas na Resulima e os 47 na Resiestrela.

Serviço deve ficar sob alçada pública

A saída do serviço da esfera estatal é a preocupação de muitos autarcas. O presidente da Câmara de Viana do Castelo, José Maria Costa, lembra o papel dos municípios como parceiros na fundação dos sistemas e destaca que "a EGF faz um serviço essencial de garantia da saúde pública". "A EGF vai ser privatizada porque funciona bem e dá lucros", realça, enumerando as razões que sustentam a oposição dos municípios minhotos: "Está previsto um aumento significativo de tarifários, não está garantida a participação dos municípios nos órgãos de gestão nem o escrutínio na aplicação de tarifários".

Quanto à luta judicial, José Maria Costa salienta que "há um consenso muito alargado entre os 11 sistemas contra a privatização e a favor de recorrer a todos os meios previstos na lei". Ainda antes das autárquicas, Viana do Castelo e Barcelos prepararam-se para responder com providências cautelares assim que fosse conhecido o caderno de encargos do concurso público. No final de novembro a Associação de Municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra para o tratamento de resíduos sólidos decidiu avançar no mesmo sentido.

E se o presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes, "não exclui nenhuma medida de luta", o líder da autarquia de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, diz estar "liminarmente contra a privatização da EGF nos moldes em que o atual Governo se propõe avançar" e adianta que "exigirá ser auscultado e fazer prevalecer o respetivo direito de prefe- rência caso as restantes participantes na sociedade pretendam alienar a sua posição".

A Valorlis pediu, em novembro, uma reunião com o ministro do Ambiente, "porque, neste momento, a informação existente é escassa", explicou ao DN Raul Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria, que integra o sistema multimunicipal. As dúvidas dos seis municípios da Valorlis prendem-se sobretudo com duas questões. "Será que o Governo pode decidir ampliar a concessão à revelia dos municípios? Isso não será inconstitucional, já que pode ser considerada uma interferência no poder local, que tem auto- nomia?", refere. A extensão dos prazos de todas as concessões até 2034, de forma a simplificar o processo e a tornar a alienação da sub-holding mais apetecível é uma das indicações do relatório da consultora Roland Berger, que fixa o valor da EGF num máximo de 200 milhões de euros.

Trabalhadores em luta

Também os trabalhadores estão contra a privatização por recearem uma nova vaga de despedimentos e perda dos direitos de origem. Nesse âmbito, o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) lança hoje uma petição, que pretende levar à Assembleia da República, com uma mão cheia de exigências: a manutenção da empresa na esfera pública, a atribuição de meios financeiros, humanos e técnicos aos serviços municipais e multimunicipais, a garantia da proximidade dos serviços, a defesa dos postos de trabalho e dos direitos dos trabalhadores e o controlo democrático da gestão dos serviços de resíduos. O documento, a que o DN teve acesso, critica que "a troco de uns milhões a curto prazo se hipoteque o futuro".

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