Câmara dos Lordes está em guerra aberta com Cameron

Cortes nos benefícios às famílias mais pobres travados pelos lordes. Governo conservador vai rever regras
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A Câmara dos Lordes quebrou na segunda-feira à noite uma das regras de funcionamento do Parlamento britânico, que estabelece que só os membros eleitos da Câmara dos Comuns podem decidir sobre a política financeira do governo. Por uma diferença de apenas 17 votos, os lordes conseguiram travar os cortes nos benefícios das famílias mais pobres. Uma medida essencial do plano do primeiro-ministro David Cameron para poupar 12 mil milhões de libras (16,6 mil milhões de euros) no sistema de segurança social e acabar com o défice orçamental do Reino Unido até 2020.

Há mais de cem anos que os lordes não travavam uma medida financeira, obrigando o ministro das Finanças, George Osborne, a anunciar que vai "diminuir o impacto" dos cortes - mas não esquecê-los. "Vamos continuar a reforma dos créditos fiscais e economizar o dinheiro necessário para que o Reino Unido viva de acordo com as suas possibilidades ao mesmo tempo que vamos diminuir o impacto sobre as famílias durante a transição", explicou o ministro, dizendo que vai detalhar os seus planos na declaração de outono (em novembro).

A reforma dos créditos fiscais é uma parte essencial no plano de Osborne. Os créditos fiscais (por trabalho ou por criança) são subsídios dados às famílias com ordenados mais baixos, de forma a complementar os rendimentos. Foram introduzidos pelo governo trabalhista e a ideia do ministro é poupar 4,4 mil milhões de libras (6,1 mil milhões de euros), um terço do corte total na segurança social.

Os lordes votaram para adiar a reforma até serem conhecidos os resultados de uma análise independente às consequências da medida e para que seja criado um plano de financiamento transitório durante três anos para ajudar os mais atingidos - há quem vá perder 1300 libras (1800 euros) por ano. O governo alega que esses cálculos não têm em conta o facto de estar a ser previsto um aumento no salário mínimo - das atuais 6,70 libras (9,30 euros) para mais de nove libras (12.50) por hora até 2020 - ou o alargar do programa de creches gratuitas, entre outras medidas.

Apesar de Osborne contar com o apoio de Cameron, há quem considere que esta derrota na Câmara dos Lordes é um duro golpe para as aspirações do ministro - um dos favoritos na corrida à liderança dos Tories e consequente eleição para a chefia do governo em 2020.

Ao travar os cortes, os lordes violaram as convenções que regem as relações entre as duas câmaras do Parlamento. Há quem fale numa "crise constitucional", apesar de o Reino Unido não ter uma verdadeira constituição, regendo-se por um conjunto abrangente de leis, tratados, decisões de jurisprudência e convenções parlamentares.

"Penso que é tudo por causa de uns lordes trabalhistas e liberais-democratas que ficaram descontentes por terem perdido as eleições e decidiram que querem destruir o programa de governo", reagiu o líder da Câmara dos Comuns, Chris Grayling, na BBC. Ontem, por pouco os lordes não conseguiram travar outra reforma: a da lei eleitoral. Em causa está a antecipação do final do prazo de transição do registo individual de eleitores (até agora podia ser feito por agregado familiar), que a oposição teme possa deixar milhares de pessoas sem direito de voto.

Na Câmara dos Lordes, os conservadores (249) estão em desvantagem frente ao Labour (212) e Lib-Dem (111) e Grayling não exclui a hipótese de o primeiro-ministro nomear uma centena de novos lordes conservadores para garantir a maioria (não há limite no número de lordes, agora são 816). Para já, o governo anunciou que vai rever o funcionamento do Parlamento de forma a "proteger a capacidade de um governo eleito" de garantir o cumprimento das suas promessas.

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